Os parcialmente vacinados somam 29%, diz CDC África
No continente africano, porém, o número de doses aplicadas contra a covid-19 é de apenas 800 milhões, em uma população de quase 1,4 bilhão de pessoas, o que faz com que somente uma em cada quatro tenha o esquema básico de proteção, sem doses de reforço, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) da África, articulados pela União Africana.
Mais de 70% da população do continente não recebeu nenhuma dose, segundo a organização, o inverso da meta da OMS para 2022, que era vacinar 70% da população de cada país com o esquema primário. Os parcialmente vacinados (esquema básico incompleto) somam 29%, os que completaram a primeira etapa de vacinação chegam a 25,6%, e os que receberam alguma dose de reforço são apenas 3,1%.
A vacina mais usada no continente africano é a Janssen (33%), cujo esquema é de dose única. Completam o top 5: Pfizer (22%), AstraZeneca (17%), Sinopharm (15%) e Sinovac (7,2%). Segundo a OMS, mais de 60% das doses fornecidas aos países da África veio do Covax Facility, consórcio internacional em prol da vacinação em países de renda média e baixa.
Mais de 50 países
Com diferentes realidades para seus 1,391 bilhão de habitantes em 55 nações e territórios, a África tem países como Marrocos, que vacinou 63% da população, e a Eritreia, que ainda não chegou a 1%.
A rede continental informa que, de modo geral, os esforços para democratizar a vacinação não foram suficientes para garantir que a maior parte do continente atingisse a meta da OMS, já que somente Seychelles, Ilhas Maurício e Libéria estão com coberturas vacinais superiores a 70%. Mesmo as potências econômicas do continente, África do Sul, Nigéria e Egito, não chegaram a 40% da população com duas doses ou dose única.
Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e responsável pela cooperação com o continente africano no Centro de Relações Internacionais em Saúde da fundação, o biólogo Augusto da Silva lembra que a desigualdade marcou o acesso à imunização em todo o mundo e explica que dificuldades logísticas e econômicas fizeram com que muitas doses que chegaram aos países do continente não fossem aplicadas.
“As vacinas chegaram muito tarde ao continente africano, e depois, houve muitos problemas logísticos dentro dos países. A imunização exige muita logística, e muitos desses países não tinham dinheiro para custear essa logística”, afirma Silva, que nasceu em Guiné Bissau e mora no Brasil há 10 anos.
Menos de uma dose por pessoa
Dados do CDC Africa apontam que os países do continente receberam pouco mais de 1 bilhão de vacinas, o que ainda é insuficiente para a população de mais de 1,3 bilhão de pessoas. Mesmo assim, o pesquisador afirma que o problema central não é a falta de vacinas, mas a falta de condições para realizar campanhas de vacinação de larga escala.
“Mesmo se tivessem 3 bilhões de vacinas, ia acontecer o mesmo fenômeno, porque o problema é vacinar as pessoas”, explicou.
O biólogo destaca que parte do problema está no alto endividamento de grande parte dos países do continente, que levou à assinatura de programas de ajuste estrutural com o Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional. Esses contratos fazem com que aumentos de gastos e deslocamentos de recursos no orçamento precisem ser negociados com os credores. “Essas negociações atrasaram muito”, diz Silva. “Quando você está sob esse ajuste, não pode nem contratar pessoal”.
Em outubro do ano passado, a Organização Mundial da Saúde alertou que, além de ser baixa, a cobertura vacinal contra a covid-19 estava avançando de forma mais lenta no continente. Entre julho e setembro, o número de doses aplicadas por mês caiu em 50%. Na época, o diretor regional da OMS na África, Matshidiso Moeti, relacionou que a queda no número de infecções contribuiu para que menos pessoas buscassem as vacinas.
“Depois de um início difícil, a parceria Covax garantiu um fluxo constante de vacinas covid-19 para a África”, disse Moeti. “Agora, somos vítimas do nosso próprio sucesso. Como as vacinas ajudaram a reduzir o número de infecções, as pessoas não temem mais a covid-19 e poucas estão dispostas a se vacinar”.
Menor mortalidade
Apesar do menor acesso às vacinas, o continente africano foi o que registrou menos casos e óbitos por covid-19. Desde o início da pandemia, foram 175 mil mortes, entre as mais de 6,6 milhões de vítimas registradas em todo o mundo. As Américas e a Europa, por exemplo, somaram mais de 2 milhões de óbitos cada. Essa discrepância chamou a atenção de pesquisadores, lembra Augusto da Silva, que explica as principais causas levantadas.
“Primeiro, a população é mais jovem [a covid-19 tem mais risco de agravamento em idosos]. Além disso, muitos países não têm muito contato, não têm grandes ligações com outros países, devido a deficiências no sistema de transporte aéreo e portuário”, explicou.
O pesquisador reconhece que pode haver algum nível de subnotificação, mas não o suficiente para igualar a proporção de mortos de outras regiões do planeta. “Se fosse só subnotificação, veríamos pessoas a morrer nas ruas”.
Outras ameaças
Se o cenário epidemiológico já era melhor do que a média global, os números ficaram ainda mais baixos no segundo semestre de 2022. A incidência de novas infecções por covid-19 caiu até cerca de 5 mil por semana em todo o continente africano no início de outubro. Em novembro houve um aumento, atingindo 12 mil por semana, mas novamente o número de infecções caiu abaixo de 10 mil em dezembro, mês em que toda a África teve menos de 200 mortes, enquanto a Europa superou 15 mil.
Se, por um lado, a redução da percepção de risco caía, por outro, a população e os governos no continente lidavam simultaneamente com outras emergências de saúde pública. Surtos de poliomielite voltaram a ser registrados no Malawi e em Moçambique em 2022, Uganda declarou emergência por casos de ebola, e Gana registrou uma inédita epidemia do vírus de Marburg.
“A resposta a múltiplas emergências de saúde pública também está afetando o desenrolar da vacinação contra a covid-19. Surtos de poliomielite, sarampo, febre amarela e agora o ebola mudaram as prioridades nos países afetados”, avalia a OMS.
Edição: Valéria Aguiar
Vinícius Lisboa Agência Brasil