Instituições científicas questionam financiamento do programa Renovar; texto prevê uso de arrecadação destinada a pesquisa e inovação para tratamento de sucata
Instituições de pesquisa científica se mobilizam contra a aprovação da Medida Provisória 1.112, que pretende instaurar o Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária (Renovar), para substituir veículos pesados antigos.
O alvo da controvérsia é o dispositivo que permite o uso de recursos de pesquisa, desenvolvimento e inovação do setor de petróleo e gás para a desmontagem e destinação de partes de caminhões como sucata, sem limitar volume de recursos destinado a essa finalidade.
A lei 9.478/97 estabelece que as petroleiras destinem de 0,5% a 1% da receita bruta da produção de petróleo para projetos de pesquisa e desenvolvimento.
Em 2021, de acordo com dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o valor destinado para o cumprimento dessas obrigações foi de R$ 3,03 bilhões. Montante que pode ser aplicado em centros de pesquisas próprios ou em parcerias com instituições de ciência e tecnologia.
Por meio de uma nota da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP), assinada por oito entidades que a compõem, com Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) entre elas, o setor entende que, com a medida, o “Brasil troca conhecimento por sucata”.
Esse é o título do manifesto, dirigido aos parlamentares do Congresso Nacional.
O documento destaca que, graças aos recursos viabilizados pela lei, foi possível construir mais de 150 laboratórios de ponta em todo o país, além de estabelecer convênios e contratos com 200 universidades e institutos de pesquisa.
“Esses recursos propiciaram o desenvolvimento de tecnologias para obtenção de hidrogênio verde, energia eólica em plataformas marítimas e biocombustíveis, todas de grande impacto positivo sobre o meio ambiente e o clima”, diz um trecho.
Presidente da ICTP, o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Celso Pansera explica que o setor tem se articulado.
As notas e reuniões com parlamentares já resultaram na apresentação de emendas contra a proposta. Ele enfatiza que o grupo não é contra o projeto em si. A crítica tem a ver com a modalidade de financiamento da iniciativa.
“Se hoje o pré-sal é lucrativo e compõe parte importante do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, isso tem a ver com os investimentos em pesquisa feitos nos anos 90 e 2000, como os do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes) e da Coppe, da UFRJ, que nos permitiu avançar em tecnologia de extração. É algo que funciona bem. Se o governo quer renovar a frota, o que é correto, poderia transferir recursos do BNDES para esse fim”, afirma Pansera.
As emendas já apresentadas por deputados federais e senadores pretendem retirar do texto as referências à fonte de custeio do Renovar. A lei vale para todas as petroleiras.
Entre as instituições de ciência e tecnologia, a UFRJ é a principal beneficiada, com cerca de R$ 300 milhões anuais, por meio de acordos com diferentes empresas.
Deste montante, cerca de R$ 200 milhões são anualmente destinados à Coppe, unidade que coordenada os cursos de pós-graduação em engenharia da instituição.
Diretor da Coppe, o professor Romildo Toledo lembra que a UFRJ é a maior instituição científica parceira da Petrobras, e que fechou contratos com outras empresas do setor depois que a companhia perdeu o monopólio estatal do petróleo, em 1997.
“São recursos para várias instituições científicas e laboratórios importantíssimos. Além de esses recursos terem permitido avanços tecnológicos para exploração do pré-sal, hoje eles financiam iniciativas que envolvem desenvolvimento de tecnologias para obtenção de hidrogênio verde, financiou energia eólica em plataformas marítimas e iniciativas para biocombustíveis. São muitas pesquisas e programas de qualificação para o setor. Embora a Petrobras tenha o Cenpes, a parceria com a UFRJ a permite acessar outras 40 redes de pesquisa, por exemplo”, explica Toledo.
Questionado, o Ministério de Minas de Energia defende que a lei federal em vigor prevê que recursos da lei sejam utilizados para “mitigar as emissões de gases causadores de efeito estufa e de poluentes nos setores de energia e transportes, inclusive o uso de biocombustíveis”, e destaca que esse é um dos objetivos da renovação da frota de caminhões.
O órgão destacou ainda que, com o aumento da cotação e da produção de gás natural observadas esse ano, espera-se investimentos recorde em pesquisa, desenvolvimento e inovação em gás natural, e não redução.
O ministério informou ainda que “a destinação de recursos de pesquisa, desenvolvimento e inovação para o programa Renovar será uma opção das empresas contratadas, passível de regulamentação pelo Poder Executivo.
Na regulamentação, a manutenção dos investimentos contemplando universidades e centros de pesquisa deverá ser considerada”.
Também são signatárias do manifesto das instituições científicas a Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Conselho Nacional das Instituições de Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), Conselho Nacional dos Secretários Estaduais Para Assuntos de CT&I (Coneti) e o Instituto Brasileiro de Cidades Inteligentes, Humanas & Sustentáveis.
Fonte: cnnbrasil.com.br