O analista americano Arthur Kroeber, fundador da consultoria Gavekal Dragonomics, acredita que a esperada mudança na política externa de um terceiro governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é “claramente” positiva em relação à China, embora mais na esfera diplomática do que na comercial. Ao mesmo tempo, o especialista crê que o Brasil será pouco afetado por uma eventual piora nas relações entre chineses e americanos, que pode ocorrer dependendo dos resultados da eleição legislativa nos Estados Unidos, realizada na terça-feira, 8.
Kroeber tem uma visão não tão negativa sobre os impactos na economia da expansão de poder sem precedentes obtida pelo presidente Xi Jinping, no Congresso do Partido Comunista da China, realizado no mês passado. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida, de Nova York, na véspera da participação remota de Kroeber na Conferência Anual do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), realizada nesta quarta-feira, 9.
Como fica o cenário econômico na China após a conquista de um inédito terceiro mandato para o presidente Xi Jinping?
Xi está completamente no controle do sistema político. A reação inicial do mercado a isso foi negativa, pois o histórico mostra que a concentração de poder em apenas uma pessoa é ruim para entregar bons retornos econômicos. Acho que há espaço para uma interpretação diferente. Agora que ele tem controle completo do sistema político e tem pessoas nos mais altos postos da política econômica nas quais ele confia completamente, ou confia mais do que confiava nas pessoas que estavam lá antes, ele poderá delegar a essas pessoas mais latitude numa gestão pragmática e que entregue algum crescimento. No curto prazo, não estou tão negativo quanto muitos do mercado. Se pegamos uma visão de longo prazo, se ele ficar no poder por mais dez anos, a chance de más decisões ao longo do tempo aumenta.
A reeleição de Xi trouxe algum sinal de curto prazo para a economia?
Havia muita expectativa de que, no Congresso do Partido, poderia haver uma grande mudança nas principais políticas que estão restringindo o crescimento econômico, notadamente, a política de “covid zero” e as restrições ao mercado imobiliário. Acho que está claro que isso não acontecerá. O governo continuará a manter um controle rígido sobre a covid, pelo menos até a próxima primavera (do Hemisfério Norte), e também tentará manter a pressão sobre o mercado imobiliário, porque eles têm um objetivo de longo prazo ali. É importante entender o que Xi entende como sucesso econômico. Acho que há um pouco de má interpretação aí. Alguns acham que a única coisa com que ele se preocupa é controlar o Partido e que ele não se importa com o crescimento econômico. Claramente, não é o caso. Ainda há um forte interesse em ter a economia chinesa crescendo. A economia precisa crescer para que a China seja capaz de resistir à pressão política dos Estados Unidos. Mas acho que Xi está mais preocupado com aspectos particulares da economia do que apenas o crescimento. Anteriormente, essencialmente, os chineses só colocavam uma meta elevada de crescimento. De onde o crescimento viria não importava muito, desde que houvesse crescimento. Na perspectiva de Xi, é preciso ter metas específicas relacionadas com avanço tecnológico, com muitos investimentos em semicondutores, em biotecnologia e robótica. A métrica para o sucesso econômico não é o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), mas, sim, como a China sobe a escada da tecnologia. Isso é útil para entender algumas das decisões de Xi, que parecem não ser muito amigáveis para o crescimento econômico nem para os gastos dos consumidores. O lado da oferta da economia, todas as políticas de governo são desenhadas para promover, particularmente, a produção de bens intensivos em tecnologia. O crescimento econômico não é mais a meta, a meta é o avanço tecnológico.
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Não se trata mais de mudar o motor da economia dos investimentos para o consumo, o que era tido como desafio para a política econômica da China?
Xi não está interessado nessa mudança de investimentos para o consumo. Não há evidência de nenhuma política econômica que aponte nessa direção na última década. Está claro que os líderes chineses acreditam que o crescimento econômico vem dos investimentos. E que o trabalho do governo é identificar os alvos corretos para o investimento, que entregarão o maior retorno. O consumo é visto como algo que vem mais tarde. Na medida em que se faz investimentos bem-sucedidos na indústria de alta tecnologia, muitos empregos melhor remunerados serão gerados e isso gerará crescimento de rendimentos e, então, do consumo. O consumo é um efeito secundário. Então, é ainda uma estratégia de crescimento puxado pelo investimento, foi o alvo dos investimentos que mudou de alguma forma. No curto prazo, isso não é ruim para a economia. Podemos ter a criação bem-sucedida de indústrias tecnológicas. No longo prazo, questiono se isso entregará crescimento econômico acelerado sustentado, porque a estratégia de desenvolvimento é toda sobre políticas industriais e sobre investir na produção de tecnologia. Não está claro quanta atenção está sendo voltada para desempenhos gerais de mercado e estratégias de difusão de tecnologia que poderiam elevar a produtividade geral. Crescimento de longo prazo tem que ser puxado pela produtividade. A China não tem uma estratégia de produtividade, mas uma estratégia de produção de bens tecnológicos. Se olharmos as declarações do governo chinês, eles acreditam que todo esse desenvolvimento tecnológico gerará crescimento da produtividade. Eu questiono, mas eles acreditam nisso.
O sr. citou as políticas de restrição no mercado imobiliário entre as questões de curto prazo. Como está o setor?
Está muito claro que há um problema em todo o setor imobiliário, não apenas com a construtora Evergrande. Então, os fluxos de financiamento para o setor imobiliário estão bastante negativos no último ano. Isso levou a uma forte desaceleração na atividade da construção. Os volumes da construção estão caindo de 30% a 40% na comparação interanual. As vendas de imóveis estão caindo em torno de 25%. O governo chinês concluiu que o modelo de negócios anterior das construtoras imobiliárias era insustentável. E isso faz sentido. Se olharmos a tendência de vendas de imóveis residenciais nos últimos 20 anos, do início dos anos 2000 até dois anos atrás, basicamente, só houve crescimento. Por 20 anos seguidos. Com crescimento todo ano, fazia sentido para as incorporadoras se alavancarem muito para construir agora e aproveitar essa demanda futura. Mas se olharmos à frente, a tendência de urbanização sugere que haverá menos demanda por moradias no fim desta década. Nesse caso, ter muita alavancagem no setor imobiliário é uma ideia muito ruim porque a demanda futura não estará lá para pagar por isso (pelos financiamentos). Acho que o governo reconheceu isso e definiu que é preciso encolher o setor imobiliário, consolidá-lo e garantir que os atores existentes tenham menos dívidas. Isso exigirá um período muito longo de políticas restritivas. Eles começaram dois anos atrás, a Evergrande foi a primeira vítima, mas, agora, várias outras incorporadoras privadas endividadas também estão enfrentando problemas severos.
Há risco sistêmico para a economia?
Isso não levará a um problema econômico sistêmico, por duas razões. Uma é que a contaminação em outros setores, como a indústria do aço e do cimento, não foi tão ruim. Houve desaceleração, mas esses setores conseguiram se manter lucrativos. Os gastos em infraestrutura ajudaram, as exportações também. Então, a forte desaceleração no setor imobiliário não levou a um desastre no setor de materiais pesados. Em segundo lugar, se olharmos para o setor financeiro, cerca de 6% dos empréstimos bancários são para incorporadoras. O que não é muito, relativamente aos balanços dos maiores bancos sistemicamente importantes. E esses bancos têm elevados indicadores de capital e muitas provisões para perdas. Então, não vemos um estresse financeiro. O sistema consegue absorver mais perdas de incorporadoras. Como não há uma crise na indústria pesada e não há uma crise no setor financeiro, o governo concluiu que pode continuar apertando o setor imobiliário até atingir os resultados. Minha estimativa é que haverá ao menos mais dois ou três trimestres de políticas restritivas até que o governo esteja convencido de que é seguro voltar a aumentar fluxos de crédito para o setor imobiliário. É um problema muito severo, está retardando o crescimento econômico no curto prazo, mas a razão pela qual o governo está fazendo isso é por que eles acreditam que isso é necessário para estabelecer uma fundação de empresas para um crescimento de maior qualidade no futuro. É uma perda de curto prazo em nome de um ganho de longo prazo. A ideia é ter um esvaziamento controlado da bolha agora, em vez de esperar por um estouro descontrolado, talvez muito pior, daqui a três ou quatro anos.
E a política de “covid zero”, que o sr. também citou como preocupação de curto prazo para a economia?
Há duas razões para manter a política de “covid zero”. A primeira é que Xi apoiou a política pessoalmente, então tem muita credibilidade política depositada na ideia de que a China está lidando com a pandemia melhor do que outros países e está mantendo a população segura. A segunda razão é que, do ponto de vista da saúde pública, eles estão legitimamente preocupados de que, se fizessem como os outros países estão fazendo, se abrindo, haveria muitos casos, haveria muita gente nos hospitais e muitas mortes. Algumas estimativas de pesquisadores chineses apontam que 1,5 milhão poderiam morrer se eles abrissem como outros países.
Por causa do tamanho da população?
A população de idosos é grande, e o sistema de saúde pública não é adequado. O número de leitos de UTI por pessoa é menor do que em países desenvolvidos, então, se as pessoas ficarem doentes, há mais chances de morrerem. São preocupações razoáveis. Para eles abrirem, precisam estar convencidos de que poderão fazer isso sem uma grande crise no sistema de saúde. Para isso, precisam de vacinas mais efetivas e melhores tratamentos. É difícil enxergar isso nos próximos seis meses. Adicionalmente, temos o inverno (do Hemisfério Norte) chegando. Por isso, é muito difícil ver uma abertura significativa antes da próxima primavera (do Hemisfério Norte). Estamos começando a ver apenas algumas indicações que de poderão flexibilizar algo.
O que poderá ser flexibilizado?
Uma coisa que estão fazendo é aumentar o número de voos internacionais autorizados a ir para a China. Provavelmente, vão reduzir os requerimentos de quarentena (para visitantes estrangeiros). Eles podem fazer isso, é uma abertura muito controlada, sem mudar as políticas gerais. As razões pelas quais eles farão isso é porque há muitos chineses que têm filhos estudando fora do país. Outra razão é que muitos investimentos estrangeiros na China estão sendo adiados, por muitas razões, mas uma delas é que executivos estrangeiros não podem ir à China e fazer as reuniões preparatórias que seriam feitas normalmente. Atualmente, o fluxo de passageiros internacionais na China está em cerca de 3% do nível de antes da pandemia, embora acima do que estava no início deste ano. Elevar esse nível para 10%, provavelmente, daria conta das viagens de negócios.
Quais suas projeções para o crescimento do PIB da China este ano e no próximo?
Não fazemos projeções, mas nossa expectativa é de que o crescimento deste ano será de cerca de 3%. Para 2023, eu diria que provavelmente será entre 3% e 4%. O motivo pelo qual será um pouco melhor ano que vem é que, neste ano, eles essencialmente perderam um trimestre inteiro de crescimento no segundo trimestre, por causa do lockdown em Xangai. Se não houver outro lockdown no estilo desse de Xangai no próximo ano, as coisas se mantendo, será possível crescer mais, mesmo que ainda haja problemas com a política de “covid zero”, com o setor imobiliário e com uma desaceleração nas exportações.
Quais as consequências desse crescimento menor na China para o Brasil?
Antes de tudo, algumas das consequências já estão sendo sentidas. Essa muito forte desaceleração do setor imobiliário teve impacto nos preços de commodities (matérias-primas cotadas internacionalmente). E isso continuará. A China está se movendo estruturalmente para um quadro de menor demanda por minério de ferro e todas as outras coisas que vão na construção. Então, há um problema cíclico, mas também um problema estrutural, porque a demanda chinesa por essas coisas será mais fraca. Só que fica mais complicado, porque, à medida que a demanda na China por aço se contrai, a indústria siderúrgica precisará focar mais em qualidade, em vez de apenas volume. E há uma tentativa de maximizar a eficiência da produção de aço, importando um minério de maior qualidade. Mesmo que a demanda agregada caia, é provável que a maior parte da contração seja sentida por produtores locais, que têm a pior qualidade. É uma equação complexa, mas, fundamentalmente, temos de nos acostumar com a ideia de que a longa tendência de a China adicionar mais e mais demanda por commodities ano a ano acabou. Agora, no longo prazo, há oportunidades para o Brasil na exportação de produtos agrícolas, como soja e carnes. Isso continua, porque o gosto do consumidor tende a aumentar de padrão. Além disso, os investimentos externos da China estão sendo recalibrados. Eles serão mais seletivos sobre o tipo de coisa no que estão investindo, tentarão garantir maiores retornos. O Brasil continua a ser um dos mais atrativos destinos para o investimento chinês, mas provavelmente eles serão mais seletivos.
A eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) muda algo?
Claramente ajuda. Lula tem um longo histórico de ser receptivo à China. É benéfico do ponto de vista do Brasil. A questão é se as companhias chinesas verão o ambiente operacional do Brasil como capaz de oferecer bons retornos. O problema do Brasil sempre foi o ambiente operacional difícil, muita regulação e muitos tributos. Ter o Lula de volta será benéfico no nível diplomático. E a China está numa posição difícil, porque sua posição na Guerra da Ucrânia a fez muito impopular nos Estados Unidos e na Europa. Claramente é do interesse chinês ter a melhor relação possível com países como o Brasil. É uma oportunidade para estreitar a relação diplomática com o Brasil e isso se traduzir em mais investimentos.
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E como fica o Brasil no meio das disputas entre China e Estados Unidos?
O foco da política americana para a China é tecnologia. O que o governo Biden está interessado é em reduzir o fluxo de tecnologia americana, como semicondutores, para a China. Em apoio a isso, eles podem tentar colocar alguma restrição aos fluxos de capital americano para a China. O Brasil de certa forma fica à parte disso, porque não está envolvido nessas questões tecnológicas. É, francamente, uma coisa boa. Vários aliados dos Estados Unidos vendem muitos bens de tecnologia para a China e ficaram numa posição difícil. O Brasil tem a vantagem de não ser afetado por esse jogo. Então, é razoável perseguir sua própria estratégia comercial com a China. No fim do dia, não acho que os Estados Unidos tenham muito interesse ou apetite para colocar muita pressão no Brasil sobre isso. Isso sob o governo Biden. Poderá haver mudanças daqui a dois anos (quando haverá eleições presidenciais nos Estados Unidos).
Fonte: msn.com