Embargada por órgãos ambientais e suspensa pela Justiça por explorar ilegalmente mais de R$ 1 bilhão em ouro na Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós, no sudoeste do Pará, a mineradora Gana Gold está na lista de participantes consultivos para a elaboração do plano de manejo da unidade de conservação na qual ela causou dano ambiental.
Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão que faz a gestão de unidades de conservação federais, a escolha da mineradora foi por “votação dos conselheiros” e se deu “por sua atuação no território, conforme previsto na legislação.”
Mineradoras estrangeiras e grupos garimpeiros também estão na lista de participantes das reuniões finais do plano de manejo, que serão realizadas entre 20 e 24 de novembro, em Itaituba (Pará), e definirão o destino da unidade de conservação (UC) mais desmatada do Brasil em 2022.
A Gana Gold foi suspensa por ordem judicial em julho de 2022, após ser alvo de três operações da Polícia Federal (PF). Algumas semanas depois, a Agência Nacional de Mineração (ANM) também interditou a mina da empresa que está localizada dentro da UC. O empreendimento já tinha recebido embargos e mais de R$ 15 milhões em multas do ICMBio e do Ibama em 2021 por extrair ilegalmente mais de R$ 1 bilhão em ouro de dentro da APA sem o licenciamento ambiental correto.
À DW, o ICMBio informou que a Gana Gold foi escolhida pelo conselho gestor da APA do Tapajós, grupo que define os participantes das reuniões do plano de manejo, e “é formado por instituições públicas e pela sociedade civil”. A nota reforça que a escolha da empresa foi “por sua atuação no território, conforme previsto na legislação.”
“O Conselho da APA do Tapajós é formado por uma variedade de membros – no total, 49 – que representam diversos setores como: ensino, indígenas, pesquisa e extensão, serviços, florestal, agricultura, pecuária, dentre outros. As manifestações desses setores têm caráter consultivo, não sendo o ICMBio obrigado a seguir as considerações”, cita a nota.
Unidade de conservação mais desmatada do Brasil
Em 2022, a APA do Tapajós perdeu 11,2 mil hectares de floresta, se tornando a UC do país com maior desmatamento no período, de acordo com o sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Boa parte desse dano ambiental está ligado à exploração de ouro.
Pesquisas do Mapbiomas também identificaram que a APA do Tapajós já perdeu 51,6 mil hectares de floresta para garimpos, uma área maior do que Maceió, capital do estado de Alagoas. Os pesquisadores apontam ainda que a UC concentra 65% do desmatamento por garimpo dentro de unidades de conservação do país.
São esses números que ajudam a compreender o interesse da Gana Gold na elaboração do plano de manejo da APA do Tapajós. E ela não está sozinha, outras três grandes mineradoras de ouro, estas ligadas a grupos estrangeiros, e 12 representantes de grupos de garimpeiros participarão das reuniões do plano de manejo da unidade de conservação.
As grandes mineradoras são a inglesa Serabi Gold PLC, e as canadenses Brazauro (do grupo G Mining Ventures) e Magellan (do grupo Cabral Gold Inc). A DW entrou em contato com as empresas, mas apenas a Serabi respondeu. A mineradora não informou se vai participar das reuniões do plano de manejo e disse apenas que “não possui atividades de mineração dentro da APA do Tapajós”. Porém, a reportagem encontrou ao menos dois processos de pesquisa de ouro da empresa sobrepostos à UC, ambos ativos e com autorização da ANM.
“Privatização de uma área pública”
Para Bruna Rocha, professora de Arqueologia e Antropologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), a presença de tantos grupos interessados em explorar a unidade de conservação levanta um alerta sobre o destino de uma área que deveria ser protegida.
“Um plano de manejo precisa ser feito acompanhado de estudos ambientais sobre a região, indicando o impacto de cada atividade econômica. Esse cenário com tantos representantes do setor de mineração nas reuniões apontam para a privatização de uma área que é pública”, diz a professora.
Bruna Rocha também ressalta que os impactos da atividade garimpeira podem ultrapassar os limites da APA do Tapajós, já que há terras do povo munduruku vizinhas da área da UC.
“Quando um rio da APA é afetado, não apenas a área próxima sofre as consequências dessa atividade, mas todas as comunidades e povos indígenas que estão no seu entorno e também usam esse rio. Isso atinge principalmente a cadeia alimentar dessas comunidades”, afirma a professora.
Pesquisas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em povos munduruku em Itaituba já apontaram que eles apresentam níveis de mercúrio acima do permitido. O metal é usado no garimpo para separar o ouro da terra. Despejado nos rios, o mercúrio é ingerido por peixes que depois são consumidos por indígenas e populações ribeirinhas. Segundo a Fiocruz, pesquisas médicas indicam que níveis altos de mercúrio no organismo estão relacionados a casos de autismo, malformações congênitas e doenças cardiovasculares.
Liderança Munduruku do território Sawré Muybu e presidente da Associação Indígena Pariri, Alessandra Korap Munduruku lembra que os povos da região do Tapajós, no sudoeste do Pará, sofrem constantemente com a degradação provocada pela atividade mineradora.
“Os garimpos estão acabando com os rios e igarapés por causa do mercúrio. Por isso a gente fica preocupado, pois queremos a floresta em pé”.
Entre os 49 assentos para participar das reuniões, há duas vagas direcionadas aos munduruku. No entanto, Alessandra Munduruku explica que seu povo dificilmente vai a Itaituba para as reuniões em razão das ameaças que sofrem de garimpeiros na região.
“Foi uma surpresa ver que há tantos garimpeiros e mineradoras para participar do plano de manejo. Esses grupos estão diretamente ligados a ameaças que o nosso povo sofre, então não vamos sentar do lado deles, pois é perigoso”, diz.
CGU critica autorizações de garimpos dentro da APA
A APA do Tapajós é uma unidade de conservação de uso sustentável, o que permite atividades econômicas como mineração e turismo. O plano de manejo é justamente o documento que cria regras sobre quais partes da unidade deverão ser protegidas e quais serão exploradas, indicando também as características únicas da área.
“Um plano de manejo é como um plano diretor para a unidade de conservação. Não podemos generalizar e dizer que não é possível minerar na região, mas isso exige um cuidado ainda maior”, diz André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Mesmo sem plano de manejo, a APA do Tapajós já é alvo de 8,5 mil requerimentos de mineração de ouro, sendo que quase 700 já foram aprovados pela ANM, segundo um levantamento exclusivo da DW que cruzou dados de processos minerários da agência reguladora com a área da UC.
De acordo com a resolução 428/2010 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), esses empreendimentos só poderiam ser autorizados com o aval do órgão que administra a área protegida, algo que nunca foi feito.
Em novembro do ano passado, a Controladoria-Geral da União (CGU) apontou falhas nessas aprovações da ANM e recomendou à agência reguladora “levantar os processos minerários que estão localizados na APA Tapajós e exigir a comprovação da autorização do órgão ambiental que administra a unidade”. O parecer técnico da CGU também criticou as autorizações que a ANM deu à Gana Gold para a empresa explorar ouro dentro da UC.
Em nota, a ANM reconheceu apenas 203 processos minerários aprovados dentro da APA sem a documentação necessária, e disse que comunicou os responsáveis sobre as exigências. A agência informou ainda que os processos restantes “possuem licença ambiental e outras peças técnicas que os qualificam para outorga”.
No entanto, o ICMBio informou via Lei de Acesso à Informação que nunca autorizou qualquer atividade mineradora dentro da APA do Tapajós. Ou seja, de acordo com a legislação vigente, não é possível que os outros processos minerários estejam com “peças técnicas” corretas, como afirma a ANM.
A DW entrou em contato com sócios e advogados da Gana Gold, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
Fonte: dw.com