O ex-deputado de extrema direita Roberto Jefferson (PTB) se entregou no início da noite deste domingo (23/10) após atacar e ferir agentes da Polícia Federal com tiros de fuzil e granadas.
Após um cerco que se estendeu por oito horas, o aliado do presidente Jair Bolsonaro concordou em se entregar depois de uma negociação que contou com a participação do ministro da Justiça, Anderson Torres.
Depois de ser preso, Jefferson foi levado à sede da Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro.
O ex-deputado cumpria prisão domiciliar na sua casa na cidade de Comendador Levy Gasparian, no interior do estado do Rio de Janeiro, a cerca de 140 quilômetros da capital fluminense. Os agentes se dirigiram ao local após o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar a revogação da domiciliar e ordenar que o ex-deputado fosse levado para a prisão.
A ordem foi motivada pela insistência de Jefferson de descumprir várias medidas cautelares impostas para a garantia da prisão domiciliar, que incluíam a proibição de receber visitas sem prévia autorização, usar redes sociais e conceder entrevistas. Jefferson estava em prisão domiciliar desde janeiro de 2022.
Disparos de fuzil
O ex-deputado é investigado por suspeita de integrar uma organização criminosa que visa “desestabilizar as instituições republicanas”.
Nos últimos meses, Jefferson violou várias das medidas cautelares. Ele se reuniu com dirigentes do PTB e concedeu uma entrevista ao canal Jovem Pan News. Mais recentemente, publicou em redes sociais ofensas à ministra do STF Cármen Lúcia.
Quando agentes da PF foram à casa do ex-deputado para cumprir a ordem, Jefferson efetuou disparos de fuzil. O ataque feriu a agente Karina Oliveira e o delegado Marcelo Vilella, que foram atingidos por estilhaços. Os dois passam bem.
De acordo com as investigações preliminares, mais de 20 tiros de fuzil foram disparados por Jefferson. Pelo menos nove tiros atingiram os vidros de uma viatura. Alguns chegaram a perfurar o veículo.
Após atacar os policiais, Jefferson divulgou vários vídeos em redes sociais afirmando que não se entregaria à polícia e confirmando que havia atacado os policiais.
“Eu não vou me entregar. Eu não vou me entregar porque acho um absurdo. Chega, me cansei de ser vítima de arbítrio, de abuso. Infelizmente, eu vou enfrentá-los”, disse o ex-deputado. “O pau cantou. Eles atiraram em mim, eu atirei neles. Estou dentro de casa, mas eles estão me cercando. Vai piorar, vai piorar muito. Mas eu não me entrego.”
No início da noite, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou nova prisão de Jefferson. Desta vez por tentativa de homicídio. Num recado ao governo, Moraes destacou ainda na sua nova decisão que “intervenção de qualquer autoridade em sentido contrário, para retardar ou deixar de praticar, indevidamente o ato, será considerada delito de prevaricação”.
Após a prisão, Moraes parabenizou a PF e se solidarizou com os feridos.
“Parabéns pelo competente e profissional trabalho da Polícia Federal, orgulho de todos nós, brasileiros e brasileiras. Inadmissível qualquer agressão contra os policiais. Me solidarizo com a agente Karina Oliveira e com o delegado Marcelo Vilella que foram, covardemente, feridos”, escreveu Moraes no Twitter.
Bolsonaristas prestam apoio
Foram mais de oito horas de cerco à casa de Jefferson. Dezenas de bolsonaristas se dirigiram ao local para prestar apoio ao ex-deputado após ele ter atacado os agentes da PF. Um cinegrafista de uma afiliada da TV Globo chegou a ser agredido por bolsonaristas. Os manifestantes também entoaram cantos de apoio a Jefferson quando ele foi levado num camburão da polícia.
Entre as figuras que se dirigiram ao local estava o candidato derrotado à Presidência da República Padre Kelmon, que atuou como substituto de Jefferson no primeiro turno, após o ex-deputado ter sua candidatura barrada pela Justiça Eleitoral. Kelmon, que se apresenta falsamente como padre e se veste como pároco ortodoxo, participou das negociações e entregou duas armas de Jefferson à polícia.
Poucas horas após a prisão, o jornal O Globo divulgou um vídeo que mostrou como foi a negociação com Jefferson. Nas imagens, gravadas depois do ataque, um policial aparece conversando amistosamente com o ex-deputado. Os dois chegam a rir sobre a situação. “O que o senhor precisar a gente vai fazer”, disse o policial para Jefferson. Na conversa, o ex-deputado relatou ter jogado uma granada de efeito moral nos agentes da PF – provocando risos no policial.
O episódio ocorreu a uma semana do segundo turno da eleição presidencial. O pleito já vem sendo marcado por episódios de violência cometidos por bolsonaristas, incluindo o assassinato de um dirigente do PT de Foz do Iguaçu (PR) por um apoiador do presidente.
Reações
Primeiro colocado nas pesquisas pela disputa à Presidência, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentou o episódio e culpou Bolsonaro pela violência.
“Há 50 anos que nós disputamos eleições neste país e a gente nunca viu uma aberração dessa, uma ofensa dessa, uma cretinice dessa que esse cidadão que é o meu adversário estabeleceu no país”, disse Lula, após um ato de campanha em São Paulo.
“Ele [Bolsonaro] conseguiu criar nesse país uma parcela da sociedade brasileira raivosa, com ódio, mentirosa e que espalha fake news o dia inteiro. Isso gera comportamentos como esse do ex-deputado Roberto Jefferson”, completou Lula. Nas redes, o petista também prestou solidariedade aos agentes feridos.
Durante o dia, a posição de Bolsonaro sobre o caso foi mais inconsistente. Por um lado, tentou se distanciar do seu aliado, afirmando que não possuía “nem foto” com Jefferson – uma mentira, já que existem vários registros fotográficos que mostram os dois juntos. Por outro lado, Bolsonaro aproveitou o episódio para criticar o STF.
“Repudio as falas do Sr. Roberto Jefferson contra a ministra Carmen Lúcia e sua ação armada contra agentes da PF, bem como a existência de inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do MP”, disse Bolsonaro no Twitter em um primeiro momento.
Pouco depois, Bolsonaro determinou que o ministro Anderson Torres fosse ao local – ainda que Jefferson não tenha nenhuma prerrogativa de foro especial. Nas redes, vários usuários questionaram por que um ministro foi deslocado para tratar do caso e apontaram que o mesmo tratamento não é dispensado para criminosos comuns que atacam policiais
Após a prisão do seu aliado e com os detalhes sobre a gravidade do ataque repercutindo negativamente na imprensa e nas redes, Bolsonaro finalmente adotou uma linguagem mais dura contra Jefferson, chamando o ex-deputado de “bandido” num vídeo divulgado nas redes.
“Como determinei ao ministro da Justiça, Anderson Torres, Roberto Jefferson acaba de ser preso. O tratamento dispensado a quem atira em policial é o de bandido. Presto minha solidariedade aos policiais feridos no episódio”, disse Bolsonaro.
A máquina de propaganda bolsonarista também acompanhou o presidente e foi fazendo “ajustes” na sua “cobertura” do caso. No início do dia, influencers bolsonaristas e comentaristas da rede Jovem Pan, por exemplo, concentraram críticas à ordem do STF.
Dois deles chegaram a afirmar que os agentes da PF estavam se comportando como uma Gestapo (a polícia secreta do regime nazista). Mais tarde, boa parte passou a retuitar o vídeo em que Bolsonaro chama Jefferson de bandido. Acompanhando a nova posição do presidente, vários passaram a associar Jefferson ao PT e admitir que o ataque aos agentes foi mesmo grave. Alguns trataram de abordar outros assuntos numa tentativa de distrair seus seguidores.
O ex-ministro e senador eleito Sergio Moro foi outro exemplo de mudança de tom sobre o caso após Bolsonaro se distanciar de maneira mais explícita de Jefferson. “Coisa mais sem noção esse ataque aos agentes da PF”, escreveu inicialmente Moro em sua conta no Twitter, despertando críticas sobre o tom vago e pouco condenatório sobre o episódio.
Cerca de duas horas depois, quando Bolsonaro já havia publicado o vídeo em que se referia a Jefferson como bandido, Moro finalmente foi mais explícito em uma nova mensagem. “O crime cometido contra as forças de segurança foi gravíssimo e injustificável. Reitero minha solidariedade aos policiais federais. Que prevaleça a lei em sua forma mais dura contra o criminoso!”
Trajetória
A carreira política de Jefferson começou ainda nos anos 1970, na esteira da sua atuação como apresentador de um programa de auditório. Ele chegou a ser filiado ao MDB e ao PP. Mas foi no PTB que se transformou em cacique partidário, ajudando ao longo de décadas a levar a antiga sigla trabalhista para a extrema direita.
Ele conquistou um primeiro mandato na Câmara em 1982. Nos anos 80, Jefferson chegou a apresentar um projeto para conceder anistia a bicheiros do Rio de Janeiro, inclusive aqueles que cumpriam pena, mas a proposta nunca avançou.
Foram cinco mandatos consecutivos como deputado. Ele permaneceu na Câmara até 2005. Acabou cassado por seu papel no escândalo do Mensalão.
Antes disso, Jefferson se destacou como um dos membros da “tropa de choque” do ex-presidente Fernando Collor durante o processo do impeachment, atuando como um dos principais defensores do político alagoano. Na sequência, apoiou o governo do tucano Fernando Henrique Cardoso.
No início do primeiro mandato de Lula, Jefferson se alinhou ao novo governo, mas rompeu pouco depois, ao considerar que estava sendo “fritado” pelo Planalto após um membro do PTB ser filmado recebendo propina. Em retaliação, denunciou que o governo vinha comprando apoio parlamentar de outros partidos, o que deu origem ao escândalo de compra de votos conhecido como Mensalão.
Em 2012, Jefferson foi condenado pelo STF a sete anos e 14 dias de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Cumpriu 14 meses em um presídio de Niterói.
Durante o governo Michel Temer, chegou a indicar sua filha, Cristiane Brasil, como ministra do Trabalho. Mas a nomeação foi suspensa.
Sob Bolsonaro, e ainda com o PTB sob seu controle, Jefferson passou a ser um dos apoiadores mais histéricos do governo, chegando a gravar vídeos exibindo armas e pedindo o fechamento do STF.
Quando era deputado, Jefferson já era conhecido pela truculência. Em 1988, durante a Assembleia Constituinte, Jefferson apareceu armado com um revólver no Plenário da Câmara para confrontar o deputado gaúcho Jorge Uequed.
À época, a imprensa noticiou que Uequed havia ligado Jefferson a irregularidades numa companhia de abastecimento. O próprio Jefferson disse que foi à Câmara disposto a “resolver a questão na porrada”. Outros deputados agiram para baixar os ânimos.
Três meses depois do episódio, servidores do Congresso contaram que ouviram tiros serem disparados no gabinete da liderança do PTB na Câmara. Jefferson foi apontado como o principal suspeito. Ele negou e falou em barulho de “bombinhas”.
Ao longo dos anos 90, vários jornalistas apontaram que Jefferson ia regularmente armado à Câmara. Em 2017, em entrevista para o autor de uma biografia, Jefferson admitiu a prática.
Fonte: dw.com