A discussão sobre o acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul voltou à tona nas últimas semanas.
De um lado, os candidatos à Presidência da República no Brasil estão apresentando suas ideias sobre o futuro do tratado internacional. Do outro, após quase quatro anos de paralisia, a própria União Europeia volta a ter um forte interesse em vigorar rapidamente o acordo.
Após a invasão russa da Ucrânia o fornecimento de energia e alimentos se tornaram pontos extremamente críticos na Europa. A reação russa contra as sanções ocidentais foi o corte dos fornecimentos de ambos os itens.
Os países do Mercosul são grandes produtores de alimentos e de energia, e isso aumentou o interesse europeu em superar as pendências e tentar concretizar o acordo quanto antes.
Diplomatas europeus entraram em contato com representantes do Itamaraty no final de agosto para uma nova rodada de negociações com o Brasil, a principal economia do Mercosul. Todavia, as vozes contrárias ao acordo de livre-comércio, principalmente dentro da União Europeia, continuam fortes.
Segundo o deputado do Parlamento Europeu, Jordi Cañas, presidente da Comissão para as Relações com o Mercosul, esse é um “problema político interno da União Europeia, não é um problema do Mercosul”.
“O problema atual é totalmente nosso, da União Europeia. A Comissão Europeia fez próprios problemas de alguns estados-membros, especialmente a França, que iniciou o debate sobre questões ambientais no Brasil como desculpa política. É um problema interno do governo francês ligado a questões partidárias”, explica Cañas em entrevista exclusiva à EXAME.
Segundo o eurodeputado, “os dados e os problemas apresentados pelos franceses para não avançar no processo de ratificação do acordo de livre-comércio estão longe da realidade”.
“O Brasil é um país estratégico para a Europa”
Cañas reconheceu que a União Europeia está voltando a ter interesse no acordo por causa das consequências econômicas da guerra na Ucrânia.
“Muitas vezes não somos conscientes do óbvio, e necessitamos de situações de crises para fazer o correto. A Europa é um continente deficitário de praticamente tudo, de combustíveis fósseis, de energia, de alimentos, entre outras coisas. Portanto, encontrar fornecedores alternativos vai ser a estratégia histórica da UE”, diz o eurodeputado.
O político criticou a Comissão Europeia por ter colocado “um acordo tão estratégico em coma induzido por mais de três anos”, com a presidente do órgão, a alemã Ursula von der Leyen, “que sequer citou a América Latina em seu discurso de posse, mas que agora é obrigada a realizar um esforço para recuperar as relações comerciais e políticas com a América Latina, mesmo se tarde”.
Cañas lembrou que existem laços históricos, culturais e econômicos importantes entre a Europa e a América Latina, e por isso “o primeiro semestre de 2023 será um momento muito importante para resolver as pendências do acordo”.
“A presidência francesa da União Europeia acabou em junho, e agora temos a presidência da República Tcheca, que é muito mais favorável ao tratado. Além disso, o contexto internacional caótico nos obriga a levantar a cabeça e a olhar para a realidade. A posição da Comissão também mudou, e agora ela está sendo forçada a olhar para o contexto latino-americano”, diz Cañas, “acredito que 2023 será o ano ideal para terminar essa questão e fechar o acordo”.
Questionado sobre o risco que o tratado possa ser rejeitado pelos eurodeputados, e sobre o risco de ser barrado em um dos 27 parlamentos nacionais que devem votar o texto, o político espanhol se disse otimista.
“O acordo é uma parceria estratégica, com uma série de mecanismo de cooperação econômica, política e social. É um instrumento de trabalho político. Entretanto, a União Europeia tem competência exclusiva sobre as questões comerciais. Portanto, o Parlamento Europeu poderá votar sozinho sobre as questões comerciais, separadas dos aspectos econômicos, que serão analisados pelos Parlamentos nacionais. E caso o Parlamento Europeu aprove o texto comercial, como tenho certeza acontecerá, mesmo se as outras assembleias legislativas rejeitarem o resto do texto, iremos adiante com o que já foi aprovado”, explica o político.
Questão ambiental no centro da pauta, mas falta informação
Sobre a questão ambiental, Cañas explicou que “existe um problema claro, evidente, de comunicação” mas que existe “um preconceito político também”.
“Um acordo tão complexo, um acordo de cooperação, um acordo geopolítico, deve transcender o debate da opinião publica sobre questões falsas. Na Europa temos um contexto onde maioria dos cidadãos não conhecem a realidade, a complexidade territorial, humana, politica, histórica do Brasil. Só conhece futebol, praia e Amazônia. Não sabe nada. E não é obrigada a saber. Mas quando existe um elemento ou uma dúvida que gravitam em contextos do país, o preconceito, a falta de informação, se tornam um coquetel letal”, explica o eurodeputado.
Segundo o político, “todos temos preconceitos, falta de informação, mas existe uma desinformação voluntaria por parte que quem não quer esse acordo, como os partidos verdes europeus, que simplesmente não querem qualquer acordo e utilizam qualquer desculpas para não fazer o acordo”.
Cañas lembrou que o problema foi o mesmo durante as negociações do acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Canadá (CETA).
O documento – que ainda não foi publicado em sua integralidade – conteria mecanismos de suspensão bilateral automática em caso de violação dos compromissos ambientais por ambas as partes.
“Isso não é um ponto contra o Mercosul. Mas serve para garantir que os países da União Europeia também respeitem os compromissos ambientais. Olhamos para a Alemanha, por exemplo, que hoje está queimando mais carvão do que nunca. Todos devem cumprir seus compromissos climáticos, inclusive os europeus”, disse o eurodeputado.
Negociações não serão reabertas
Sobre a possibilidade que o acordo de livre-comércio possa ser renegociado pelo próximo governo brasileiro, conforme prometido por alguns candidatos à Presidência, Cañas foi categórico: “isso não vai acontecer”.
“O acordo não vai ser renegociado, isso é certeza. Podemos perfeicionar alguns pontos, mas não será renegociado nada. Se reabrir o acordo, não vai ter acordo”, diz o eurodeputado.
Para o político, “a União Europeia cometeu alguns erros por ter boas intenções, mas o objetivo é melhorar a vida de todos”.
“Esse tratado não trata apenas de livre-comércio, mas é um instrumento de trabalho político. Entendemos que em um mundo multipolar dependemos de assuntos estratégicos, e o comércio não é o único. Queremos criar uma série de mecanismos de cooperação política, econômica, social e transcender somente do comércio entre União Europeia e Mercosul”, concluiu o eurodeputado.
Fonte: exame.com