Quem matou Dom e Bruno? Como estão investigações sobre crime

Quem matou Dom e Bruno? Como estão investigações sobre crime
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Na sexta-feira (8/7), a Polícia Federal (PF)no Amazonas divulgou a informação de que prendeu Rubens Villar Coelho, conhecido como “Colômbia”, que vinha sendo apontado por moradores da região como possível mandante da morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, assassinados em junho no Vale do Javari, no Amazonas.

Segundo o superintendente da PF no Amazonas, Eduardo Alexandre Fontes, o homem foi preso em flagrante ao apresentar documento de identidade falsa.

O delegado disse que “Colômbia” teria comparecido à sede da PF em Tabatinga e apresentado dois documentos de identidade, um brasileiro e outro colombiano, com informações diferentes.

Fontes disse que “Colômbia” negou qualquer envolvimento na morte de Bruno e Dom.

“Prendemos em flagrante a pessoa conhecida como “Colômbia”. Ele nega qualquer participação nesse duplo homicídio, mesmo como mandante”, afirmou o delegado em uma entrevista coletiva.

Questionado, o delegado afirma que a possibilidade de que “Colômbia” tenha sido o mandante do crime está sendo apurada. Ele disse ainda que a PF apura a suposta ligação do homem com o narcotráfico.

“Estamos investigando. Por enquanto, a Univaja [União dos Povos do Vale do Javari, principal organização do território indígena] diz isso, mas ainda não há elementos concretos”, disse o investigador.

Fontes afirmou que a PF também apura as supostas ligações entre “Colômbia” e um dos suspeitos de ter assassinado Bruno e Dom: o pescador Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como “Pelado”.

“Ele [Colômbia] compra peixe. Segundo ele, de forma lícita. Ele tem relação comercial com algumas pessoas, inclusive “Pelado”, segundo ele cita”, disse o delegado.

Fontes afirmou que há a expectativa de que a Polícia Federal ou o Ministério Público Federal (MPF) peçam a prisão preventiva de “Colômbia” para evitar que ele fuja, uma vez que há indícios de que ele poderia ter uma terceira identidade emitida pelo governo peruano.

A suposta ligação de “Colômbia” com o crime e a possibilidade de ele ser um dos supostos mandantes da morte de Bruno e Dom é uma mudança em relação a posicionamentos feitos pela PF sobre o caso nas últimas semanas.

Em junho, a PF havia informado que não haveria indícios sobre a existência de um mandante ou o envolvimento de alguma organização criminosa por trás do crime. As suspeitas haviam sido levantadas por organizações indígenas que atuam no Vale do Javari.

Essas conclusões, divulgadas poucos dias depois que os restos mortais foram achados, receberam duras críticas da Univaja, que acusa as autoridades de ignorarem denúncias e informações repassadas pelos indígenas.

“O requinte de crueldade utilizado na prática do crime evidencia que Pereira e Phillips estavam no caminho de uma poderosa organização criminosa que tentou à todo custo ocultar seus rastros durante a investigação. Esse contexto evidencia que não se trata apenas de dois executores, mas sim de um grupo organizado que planejou minimamente os detalhes desse crime”, afirma a entidade.

Em 24 de junho, a PF do Amazonas divulgou que cumpriu seis mandados de busca e apreensão nas cidades de Atalaia do Norte e de Benjamin Constant, no Amazonas. Segundo o órgão, foram apreendidos “objetos possivelmente relacionados” com o crime.

Um dia antes, um homem que se identificou como Gabriel Pereira Dantas se apresentou à Polícia Civil de São Paulo e disse ter participado do crime. Ele permanece em liberdade, pois, segundo os investigadores da Polícia Federal, não há, ao menos por ora, indícios da participação dele nos crimes. Segundo a PF, o homem “apresentou versão pouco crível e desconexa com os fatos até o momento apurados”.

Segundo a Univaja, os suspeitos do crime integram grupos de caçadores e pescadores profissionais que fazem invasões constantes à terra indígena Vale do Javari e ameaçam de morte quem atua contra eles, a exemplo de indígenas e do próprio Bruno Pereira, tido como um dos maiores especialistas sobre a região e um dos principais indigenistas do país — mais recentemente, ele treinava indígenas para uso de drones e monitoramento do território.

Em 2019, por exemplo, o colaborador da Fundação Nacional do Índio (Funai) Maxciel dos Santos Pereira foi morto a tiros em Tabatinga, a maior cidade da região. Meses antes, ele havia participado de uma operação que apreendeu grande quantidade de pesca e caça ilegal. Não houve prisões nem condenações pelo crime.

Especialistas apontam a existência de vínculos de pescadores e caçadores ilegais com o narcotráfico, que é a principal força econômica da região e se articula com diversas atividades, entre elas garimpo, extração de madeira, pesca e caça.

Dezenas de manifestantes, entre eles indígenas da etnia guarani, se reúnem em 18/06 no vão livre do Masp para pedir justiça

O que dizem as investigações sobre quem matou Pereira e Phillips?

A PF e outras autoridades envolvidas na investigação (como a Polícia Civil de Amazonas) têm divulgado o andamento dos trabalhos por meio de entrevistas e notas enviadas à imprensa.

Até agora, não há informações oficiais claras sobre o que realmente aconteceu em 5 de junho e por que os crimes foram cometidos.

Dias antes, Phillips viajou para o extremo oeste da Amazônia acompanhado de Pereira para coletar dados para um livro que estava escrevendo sobre como salvar a floresta — ele já havia realizado diversas viagens para a Amazônia, onde fez reportagens sobre desmatamento e crimes. Os dois eram amigos e já haviam viajado juntos à Amazônia em outras ocasiões profissionais.

Ambos desapareceram a poucos quilômetros do Vale do Javari, que é a segunda maior reserva indígena do Brasil, um território com área equivalente à de Portugal onde vivem cerca de 6 mil integrantes de sete etnias.

A região é conhecida por intensos conflitos entre diversos grupos criminosos (como quadrilhas de madeireiros e pescadores ilegais). Alguns estudos sugerem que existe ligação entre essas atividades e o narcotráfico, que está presente na região desde os anos 1970.

O jornalista e o indigenista viajavam de barco pelos mais de 70 km que ligam o lago do Jaburu ao município de Atalaia do Norte. Na última vez que foram vistos, eles pararam na comunidade de São Rafael, às 6h, onde tinham uma reunião marcada com o líder pescador Manoel Vitor Sabino da Costa, conhecido como Churrasco.

Dali, eles seguiram seu caminho pelo rio. A dupla deveria ter chegado a Atalaia do Norte duas horas depois, mas desapareceu. Quem soou o alerta foram os indígenas da Univaja.

Segundo a associação, Bruno e Dom viajavam em uma lancha em bom estado e com combustível suficiente para a viagem.

A partir dali, indígenas começaram a realizar diversas buscas pela região, que seriam reforçadas em seguida por integrantes das Forças Armadas e das polícias estadual e federal.

Três homens foram presos até agora por suspeita de envolvimento nos crimes. Todos são pescadores.

O primeiro foi detido três dias após o desaparecimento de Pereira e Phillips. Amarildo da Costa de Oliveira disse ter sido torturado por policiais e confessou o crime, apontando, inclusive, a localização dos restos mortais de Pereira e Phillips.

Amarildo já havia sido acusado por indígenas de ter feito ameaças de morte e de ter participado dos atentados com arma de fogo contra a base de proteção da Funai em 2018 e 2019.

Outros dois suspeitos presos são: Oseney da Costa de Oliveira, um irmão de Amarildo que negou participação no crime, e Jefferson da Silva Lima, que estava foragido e se entregou à polícia em 18 de junho.

Segundo a polícia, Amarildo e Jefferson admitiram ter atirado nas vítimas com armas e munições de caça (repleta de balins de chumbo): Pereira foi atingido por três disparos (dois no peito e um na cabeça), e Phillips, por um, no peito.

Conflito crescente na região

O desaparecimento de Pereira e Phillips ocorreu num momento de crescentes invasões da Terra Indígena Vale do Javari por quadrilhas de caçadores e pescadores.

A atividade movimenta recursos vultosos e abastece as principais cidades da região, onde a carne de caça e de peixes como o pirarucu é vendida em feiras e restaurantes.

Uma pesquisa realizada entre 2013 e 2014 pelo Center for International Forestry Research (Cifor), entidade baseada na Indonésia, estimou que 278 toneladas de carne de caça são vendidas por ano nas cidades de Benjamin Constant, Tabatinga, Letícia (Colômbia) e Caballococha (Peru), na Tríplice Fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia.

Enquanto um tracajá custa ao menos R$ 100 na região, um pirarucu pode ser vendido por mais de R$ 1 mil, de acordo com uma reportagem publicada pela BBC em 2019.

Pela lei brasileira, no entanto, só povos indígenas e populações tradicionais podem caçar animais silvestres, e a atividade deve se voltar à subsistência dos grupos.

Mas invasões do território indígena são um problema antigo e se intensificaram nos últimos anos diante do “enfraquecimento da Funai”, segundo pesquisadores.

Os conflitos com pescadores e caçadores na região são antigos. Em 2000, um grupo de cerca de 300 pescadores de Atalaia do Norte e Benjamin Constant criou o Movimento dos Sem Rio e atacou instalações da Funai com coquetéis molotov.

Parte do grupo vivia em áreas que integravam o território demarcado como terra indígena, em 2001.

Muitas dessas pessoas descendem de seringueiros que chegaram à região no começo do século 20, no ciclo da borracha. A presença dos moradores, no entanto, era vista como um grave risco à sobrevivência dos indígenas isolados, pela possibilidade de conflitos e da disseminação de doenças.

Após a criação da terra indígena, os ribeirinhos deixaram o território e houve uma redução expressiva nas invasões por pescadores, caçadores e madeireiros.

Mas indígenas e pesquisadores afirmam que, mesmo após se mudarem, alguns ribeirinhos continuaram entrando na terra indígena para caçar e pescar animais destinados ao comércio.

Já na época da demarcação do território, há duas décadas, organizações alertavam para o risco de conflitos entre indígenas e ribeirinhos.

Enfraquecimento da Funai

Em artigo publicado em 2019 pelo geólogo Conrado Octavio e pelo ecólogo Hilton Nascimento no relatório “Cercos e Resistências – Povos Indígenas Isolados na Amazônia Brasileira”, do Instituto Socioambiental (ISA), a dupla diz que a situação se deteriorou rapidamente nos últimos anos “na esteira do processo de desconstrução de direitos e políticas públicas que tem marcado a atual conjuntura no país”.

“As invasões para a exploração predatória e ilegal de recursos naturais têm se intensificado até mesmo em locais que contam com bases da Funai, frequentemente acompanhadas de ameaças e até mesmo ataques a indígenas, servidores e membros de instituições que atuam na região”, dizem os autores.

Colaborador da Funai Maxciel dos Santos Pereira foi morto a tiros em 2019 em Tabatinga, onde atuava com fiscalização e vigilância da terra indígena

No governo de Jair Bolsonaro (PL), a Funai teve grandes cortes no orçamento e passou a endossar propostas do presidente que sofrem grande oposição entre indígenas, como a liberação da mineração em seus territórios e a agricultura mecanizada em larga escala.

“Sucessivos cortes orçamentários, quadro deficitário de recursos humanos, evasão de servidores, além das pressões e ingerências políticas por parte das bancadas ruralista e evangélica têm impactado o órgão como um todo, com evidentes reflexos sobre a região”, afirmam os autores.

Alberto Terena, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a maior organização indígena do país, diz à BBC News Brasil que gestões anteriores da Funai eram mais abertas às comunidades indígenas e que o órgão “tem sido uma ferramenta a mais do governo para investir contra os povos indígenas. Acabou virando um órgão anti-indígena”.

Procurada, a Funai diz que vem ampliando os gastos com a proteção de indígenas isolados, mas não quis comentar as declarações de Terena.

Em nota à BBC News Brasil na qual não cita suas operações no Vale do Javari nem os ataques recentes às suas instalações na região, o órgão federal afirma que os investimentos em ações de proteção a indígenas isolados e de recente contato chegou a R$ 51,4 milhões entre 2019 e 2021.

“Os valores superam em 335% o total investido entre os anos de 2016 e 2018”, diz a Funai, que informa ter usado os recursos “principalmente em ações de fiscalização territorial e combate à covid-19 em áreas habitadas por essas populações.”

Fonte:  bbc.com


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