O partido Rede Sustentabilidade entrou nesta sexta-feira (22/04) com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar suspender o decreto do presidente Jair Bolsonaro que concedeu perdão ao deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pela Corte a oito anos e nove meses de prisão.
Por meio de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), a legenda pede uma decisão liminar para suspender imediatamente o perdão presidencial publicado na quinta-feira e declare a incompatibilidade com a legislação brasileira do indulto individual dado ao parlamentar.
Se o STF não anular o decreto presidencial, a ação pede que a Corte ao menos reconheça “a manutenção de todos os efeitos extrapenais da condenação” para além da prisão, sobretudo para se manter a condição de inelegibilidade do parlamentar.
Além da Rede, o PDT também protocolou em seguida uma ação no STF e parlamentares de partidos como PSOL, MDB, PT e Rede apresentaram projetos de decreto legislativo para anular o ato de Bolsonaro na Câmara e no Senado.
Quais são os argumentos usados pela Rede?
Na petição de 37 páginas, a Rede Sustentabilidade afirma que a concessão de perdão presidencial “afronta os preceitos mais basilares da Constituição Federal” e que Bolsonaro, por meio do ato, quer “derrubar o tabuleiro do jogo democrático e republicano” e “resolveu se portar como uma instância revisora de decisões judiciais, à revelia da dinâmica constitucional”.
O texto cita ainda que o presidente “ignorou deliberadamente o alinhamento das vontades institucionais do Ministério Público Federal, por meio de seu Procurador-Geral da República, […] e do Poder Judiciário, por meio de sua Corte Suprema” e que ele “não pode tomar medidas inconstitucionais a seu bel prazer, sob o único pretexto de satisfazer suas vontades pessoais de fazer acenos indevidos às suas bases eleitorais”.
Em outro trecho, o documento diz que o decreto presidencial “deve ser declarado nulo, pois concedeu graça constitucional a indivíduo que ainda não foi condenado por decisão judicial transitada em julgado” e “sequer houve publicação oficial do resultado do julgamento [do STF] ocorrido em 20 de abril de 2022”.
O texto cita ainda a “violação aos preceitos fundamentais da impessoalidade e da moralidade” por causa da relação entre Bolsonaro e Daniel Silveira, afirmando que o parlamentar foi eleito ao integrar o mesmo partido do então candidato a presidente.
“É evidente que essa atuação do parlamentar se deu não só pela confiança na proteção conferida pela imunidade parlamentar, mas também – e principalmente – pelo sentimento de respaldo na relação pessoal com o chefe do Executivo”, afirma o documento.
O texto frisa o que considera um claro desvio de finalidade na concessão do perdão presidencial: “O que não se pode admitir é que o uso dessa competência seja completamente desvirtuada, de forma que o presidente faça uso dela de forma absolutamente corrompida, visando à obtenção de ganho pessoal com o beneficiamento indevido de aliado político e pessoal.”
Para a legenda, “o deputado Daniel Silveira não se enquadra em qualquer dos critérios que poderiam justificar a concessão da graça, sobretudo humanitária” e “o presidente transmite uma mensagem absolutamente temerária à população brasileira: trata-se de um verdadeiro e puro incentivo ao crime. Uma carta branca. Uma garantia de impunidade. A certeza de que, do ponto de vista sistêmico, decisões judiciais que afetarem os seus círculos próximos não subsistirão”.
Além disso, a Rede afirma que o ato presidencial “é absolutamente incompatível com o preceito fundamental da separação de Poderes, na medida em que submete o Poder Judiciário, autônomo, essencial e soberano em seus julgamentos, ao crivo pessoal do presidente”.
Entenda o caso
Daniel Silveira foi preso pela primeira vez em fevereiro de 2021, pouco depois de publicar um vídeo em suas redes sociais com ataques ao STF. Em cerca de 20 minutos de vídeo, Silveira usou palavras como “vagabundo”, “filho da puta”, “bosta” e “idiota” para se referir aos ministros.
Ele ainda manifestou o desejo de que os juízes da Corte fossem agredidos fisicamente e fez apologia ao AI-5, ato institucional da ditadura militar que resultou no fechamento do Congresso e na suspensão do habeas corpus, entre outras medidas autoritárias.
Em 14 de março, o ministro Alexandre de Moraes autorizou a substituição da prisão do deputado por prisão domiciliar, determinando o monitoramento por tornozeleira eletrônica. Em 28 de abril, o plenário do STF decidiu manter a prisão domiciliar do deputado e, por unanimidade, aceitou uma denúncia da PGR contra ele, que passou à condição de réu, no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos e com base na Lei de Segurança Nacional.
O deputado foi condenado pelo STF nesta quarta-feira a oito anos e nove meses de prisão por estimular atos antidemocráticos e ameaçar instituições do país como o próprio STF. Ele também foi condenado à perda do mandato, à suspensão dos direitos políticos e ao pagamento de multa no valor de 212 mil reais.
Dez dos 11 ministros do STF votaram a favor da condenação de Silveira. O único que votou pela absolvição foi o ministro Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. O relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, afirmou que o Supremo não deveria levar em consideração a alegação da defesa, de que Silveira fez as declarações em momento de raiva e desabafo.
Segundo o magistrado, a liberdade de expressão prevista na Constituição não pode ser usada como argumento para proteger o discurso de ódio e contra a democracia. Segundo o ministro, o deputado utilizou a imunidade parlamentar para praticar diversos crimes.
No dia seguinte, Bolsonaro anunciou o perdão da pena de Silveira por meio da publicação de um decreto que concedeu graça ao parlamentar – o que, na prática, teria a função de revogar a decisão do Supremo. Com a medida, Bolsonaro deflagrou uma crise com a Corte que, agora ao ser acionada, irá analisar a constitucionalidade do decreto presidencial.
Fonte: dw.com