Após a queda do ditador Bashar al-Assad na Síria, o primeiro-ministro interino do país, Mohammad al-Bashir, apelou aos compatriotas que vivem como refugiados no exterior para que voltem e ajudem a reconstruir o país.
“A Síria é agora um país livre, que reconquistou seu orgulho e dignidade. Voltem!”, disse al-Bashir em uma entrevista publicada nesta quarta-feira (11/12) no jornal italiano Corriere della Serra.
“Temos que reconstruir nosso país e reerguê-lo, e precisamos da ajuda de todos”, acrescentou, argumentando que os expatriados sírios podem ter um papel importante nesse processo dada a experiência adquirida no exterior.
A guerra civil síria durou quase 14 anos, matou 500 mil pessoas e forçou metade da população do país a fugir de suas casas, com milhões encontrando refúgio no exterior.
Segundo o governante provisório, a segurança e a estabilidade precisam ser restauradas em todas as cidades na Síria para que as pessoas possam voltar a ter uma vida normal após mais de 50 anos de domínio da família Assad.
Antes de ser nomeado primeiro-ministro interino, Al-Bashir foi chefe de governo de Idlib, bastião do grupo rebelde sírio Hayat Tahrir al-Sham (HTS), também conhecido como Organização para a Libertação do Levante, e principal força por trás da queda do regime de Assad.
Com economia do país em frangalhos, premiê tenta apaziguar comunidade internacional
Al-Bashir tentou apaziguar temores de que o HTS – grupo com raízes na Al-Qaeda e igualmente considerado por alguns países no Ocidente como organização terrorista – possa vir a reprimir os sírios sob um governo radical islâmico.
“O comportamento errôneo de alguns grupos islamistas levou muitos, principalmente no Ocidente, a associar muçulmanos ao terrorismo e o Islã ao extremismo”, disse, rejeitando a associação como falsa e assegurando que pretende garantir os direitos de todos na Síria, um país plural do ponto de vista étnico e religioso.
O novo governo terá como desafio assegurar ajuda internacional para a reconstrução de um país arrasado por anos de conflitos sectários, o que requer confiança nas propaladas boas intenções do HTS e em sua capacidade de formar um governo estável e pacífico, imune a outras ameaças, como o Estado Islâmico.
“Nos cofres [estatais] só há algumas libras sírias que valem pouco ou nada. Um dólar americano compra 35 mil de nossas moedas”, disse al-Bashir. “Não temos moeda estrangeiras. Ainda estamos coletando dados sobre empréstimos e bons. Então, sim, financeiramente estamos muito mal.”
Além de os rebeldes estarem sob bloqueio internacional, a Síria também é alvo de sanções dos Estados Unidos e da União Europeia por causa de Assad. Nos EUA, as sanções serão rediscutidas este mês, e rebeldes afirmaram à agência Reuters estarem dialogando com Washington para relaxá-las.
Um porta-voz da diplomacia americana explicou assim a cautela da Casa Branca: “Temos visto ao longo dos anos grupos militantes assumirem o poder, prometer que respeitariam minorias, prometer que respeitariam a liberdade religiosa, prometer que governariam de forma inclusiva, e vimos então como eles falharam em cumprir essas promessas.”
O chefe do Departamento de Estado americano, Antony Blinken, pediu apoio internacional a um processo político sírio “inclusivo”, defendendo que o novo governo precisa ter “credibilidade, ser inclusivo e não sectário”, impedindo que a Síria seja usada como “base para o terrorismo”.
No norte da Síria, onde forças curdas e rebeldes apoiados pela Turquia se confrontavam, os Estados Unidos anunciaram ter alcançado um cessar-fogo.
Também nesta quarta, a Alemanha anunciou 8 milhões de euros adicionais em ajuda humanitária à Síria.
A ministra alemã do Exterior, Annalena Baerbock, falou em “momento de esperança”, mas alertou que a situação não era “nem um pouco estável”, e que a volta de refugiados ao país precisa ser coordenada com parceiros na Europa e nas Nações Unidas.
Baerbock também apelou a Israel e Turquia para que não “sabotem” a formação de um novo governo sírio. “Não devemos permitir que o processo interno de diálogo sírio seja torpedeado de fora.”
Novo premiê silencia sobre relação com Irã, Hezbollah, Rússia e Israel
Indagado pelo Corriere della Serra sobre os planos do governo interino para a política externa, o premiê interino al-Bashir disse não ter problemas “com Estados, partidos ou grupos religiosos que tenham se distanciado do regime sanguinário de al-Assad”.
Al-Bashir, porém, não respondeu se isso significa que seu governo irá se distanciar do Irã, da Rússia e do Hezbollah – três aliados-chave de Assad.
O premiê tampouco disse se isso significa selar a paz com Israel, que desde a queda do regime tem avançado na zona desmilitarizada na fronteira com a Síria e atacado instalações militares e depósitos de armas químicas sob o pretexto de evitar que elas caiam nas mãos de terroristas.
“Se o novo regime na Síria permitir que o Irã se reestabeleça no país, ou permitir o transporte de armas iranianas ao Hezbollah, reagiremos de formas enérgica e cobraremos um preço alto”, ameaçou o premiê isralense Benjamin Netanyahu
Quem é Mohammad al-Bashir, novo premiê interino da Síria
Formado em engenharia e direito islâmico e civil, al-Bashir tem 41 anos e dirigia desde janeiro deste ano o “governo de salvação”, nome dado pelos insurgentes à gestão que comandava o reduto rebelde de Idlib. Antes, ele trabalhou para o ministério do grupo rebelde responsável pela área de “ajuda humanitária” e na empresa estatal de gás na Síria, segundo sua biografia.
Al-Bashir é próximo do líder do HTS, Abu Mohammed al-Jolani, que tem tentado se posicionar internacionalmente como um estadista pragmático desde a queda de Assad. Foi al-Jolani quem liderou as conversas com o primeiro-ministro anterior, Mohammed al-Jalali, para designar um governo de transição.
Líder rebelde descarta anistia a torturadores e assassinos
Jolani, que agora usa seu nome verdadeiro, Ahmed al-Sharaa, prometeu não hesitar até “responsabilizar os criminosos, assassinos, oficiais de segurança e do exército envolvidos na tortura do povo sírio”.
Nesta quarta-feira, al-Jolani descartou perdoar aqueles que tenham participado de tortura e execução de sírios durante o governo Assad. “Pedimos aos países que entreguem os que fugiram para nós possamos alcançar justiça”, disse.
Também nesta quarta-feira, agências de notícias informaram que islamistas sunitas atearam fogo ao mausoléu do pai de Assad, Hafez. A notícia gerou temor entre alauitas, que pertencem à mesma minoria étnica do ditador e prometeram cooperar com o novo regime.
Fonte: dw.com.br