O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) planeja encaminhar ao Congresso no início desta semana sua proposta de novas regras para as despesas públicas, o chamado arcabouço fiscal.
A expectativa é que o texto final terá poucos ajustes em relação ao que foi anunciado em março: no lugar do teto de gastos, que hoje limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior, os gastos públicos passariam a crescer dentro de um intervalo de 0,6% a 2,5% acima da inflação, a depender do ritmo de expansão das receitas.
A aprovação da proposta é vista como crucial para o governo por três aspectos:
- servirá como termômetro do tamanho da base no Congresso;
- permitirá cumprir a promessa de expandir gastos em programas sociais e investimentos;
- pode contribuir para o Banco Central reduzir a taxa básica de juros (Selic).
Parlamentares e analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil consideram que o governo tem boas chances de aprovar a proposta com poucas mudanças
Os entrevistados consideram que o Ministério da Fazenda e a área política do governo fizeram um bom trabalho ao procurar previamente as lideranças da Câmara e do Senado para apresentar seu plano e colher sugestões.
Além disso, o fato de a não aprovação do arcabouço significar a continuidade do teto de gastos também favorece a proposta, já que a regra atual restringe mais as despesas. O novo arcabouço, por outro lado, permite que as emendas parlamentares (recursos destinados por senadores e deputados a suas bases eleitorais) cresçam acima da média do orçamento, o que agrada aos congressistas.
A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, disse na semana passada que o bom funcionamento da máquina pública fica ameaçado com a continuidade do teto.
“Estamos falando de despesas como água e luz (que seriam cortadas). Nós temos que cortar de algum lugar para cobrir minimamente as despesas do poder Executivo”, destacou, após um evento na Fundação Getulio Vargas, em São Paulo.
Líder do maior bloco partidário da Câmara, Felipe Carreras (PSB-PE) disse à BBC News Brasil que é natural que o Congresso aprove a proposta inicial com algumas alterações, mas não prevê mudanças profundas. Segundo ele, “o governo não terá dificuldades (em aprovar o arcabouço)”.
Recém-criado, o bloco liderado por Carreras reúne 173 deputados do PP (partido do presidente da Câmara, Arthur Lira), União Brasil, PDT, PSB, Solidariedade, Avante, Patriota e da federação Cidadania-PSDB.
Parlamentares da esquerda, inclusive do PT, devem tentar afrouxar a regra no Congresso, para permitir um aumento maior das despesas. O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), por exemplo, argumenta que o governo precisa gastar mais para impulsionar a economia, já que o cenário atual é de baixo crescimento.
“Estamos muito preocupados com a desaceleração da economia. (O ex-presidente Jair) Bolsonaro deixou uma armadilha. Entregou uma economia ladeira abaixo”, disse, em entrevista recente ao jornal Folha de S.Paulo, criticando o governo anterior.
Já os congressistas com visão econômica liberal querem consequências mais duras, caso o governo não cumpra regras do novo arcabouço fiscal, como a meta de resultado primário (diferença entre receitas e despesas do governo).
A regra básica proposta pelo governo é que o crescimento da despesa fique limitado a 70% da expansão da receita (desde que não ultrapasse o limite de alta de 2,5% acima da inflação). Ou seja, se a arrecadação do governo subir 2%, por exemplo, a despesa poderia crescer até 1,4%.
No entanto, se a meta de resultado primário para o ano não for cumprida, o arcabouço prevê que o crescimento máximo do gasto no ano seguinte seria reduzido para 50% da expansão da receita.
Críticos desse mecanismo, no entanto, dizem que é preciso ter restrições mais duras caso a meta primária não seja cumprida, para estimular um esforço maior do governo no alcance desse objetivo.
Nos últimos anos, o governo federal tem registrado déficits primários, ou seja, tem gastado mais do que arrecada, o que resulta em aumento da dívida pública. Caso o arcabouço seja aprovado, assim como algumas medidas anunciadas para elevar arrecadação, como novas regras para compras em sites internacionais, a Fazenda prevê zerar o rombo em 2024.
“Nossa expectativa é muito positiva com relação ao envio do arcabouço, mas é preciso aguardar como vem o texto, em particular quais são as consequências do não cumprimento (das metas)”, disse à reportagem o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE).
“Acredito numa votação rápida, numa aprovação. Seguramente com ajustes, mas uma aprovação”, reforçou.
‘Equilíbrio de forças’
Apesar das pressões de diferentes lados, o analista político Antônio de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), não acredita que o Congresso realizará mudanças significativas na proposta da Fazenda.
Enquanto alguns analistas avaliam que as críticas de petistas à política econômica acabam desgastando o governo, Queiroz considera que isso pode ser positivo na aprovação do arcabouço fiscal.
“Se a esquerda ficasse marchando junto com a proposta do governo, e a oposição puxando para limitar mais os gastos, o debate no Congresso ficaria desequilibrado. Tem que ter um equilíbrio de forças e isso ajuda a manter a proposta original”, analisa.
Para Queiroz, a votação do arcabouço vai levar de dois a três meses e será um teste importante do tamanho da base do governo no Congresso.
Além do diálogo com lideranças parlamentares, o Palácio do Planalto também tem usado indicações parlamentares para cargos como forma de atrair apoio. União Brasil, MDB e PSD, partidos grandes da centro-direita, receberam três ministérios cada.
Postos em estatais também entram nas negociações. Na última semana, por exemplo, saiu a nomeação do engenheiro agrônomo Marcelo Vaz como superintendente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) no Piauí. Ele é filho do senador Marcelo Castro (MDB-PI).
Já a superintendência de Alagoas está sendo mantida sob comando de João José Pereira Filho (PP), o Joãozinho Pereira, primo do presidente da Câmara. Ele foi nomeado no governo Jair Bolsonaro.
Queda dos juros?
Hoje a taxa está em 13,75% ao ano, um patamar considerado elevado, com objetivo de esfriar a economia e, assim, conter a inflação. O governo, porém, argumenta que a atividade econômica já está fraca e, por isso, seria preciso cortar a taxa.
Nesse contexto, a aprovação de uma nova regra fiscal que reduza o ritmo de crescimento das despesas do governo é vista pelo Banco Central como fundamental para facilitar a queda da Selic. Isso porque, quando o governo limita a expansão das suas despesas, ele contribui para aquecer menos a atividade econômica, desacelerando a alta dos preços.
Na visão do cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, esse é mais um fator que deve favorecer a aprovação do arcabouço fiscal.
“Minha leitura é que tem uma perspectiva boa para a aprovação. Quando o presidente Lula passou a problematizar quase que diariamente o atual patamar de taxa de juros, criou um senso de urgência para o mundo da política ajudar a trazer uma agenda que facilite a redução da taxa de juros”, analisa.
“Então, saiu um pouco de um debate que era fiscalista per se e ‘linkou’ com um tema que é bastante sensível, seja para os grandes agentes econômicos, seja para a opinião pública”, reforça.
Embora economistas liberais, como Armínio Fraga e Henrique Meirelles, considerem a pressão sobre o BC negativa, pesquisa Datafolha mostrou que há grande apoio popular à atuação de Lula nesse tema. Segundo levantamento do final de março, 80% dos entrevistados avaliaram que o presidente age bem ao pressionar pela redução da taxa de juros. Para 16%, ele age mal.
Fonte: bbc.com