Esta foi a oitava alta seguida — antes da decisão, a taxa estava em 9,25% —, em meio à tentativa do BC de conter a inflação, que acumula avanço de 10,2% até meados de janeiro
Com a nova alta, os juros no Brasil voltam aos dois dígitos pela primeira vez desde maio de 2017 (quando a Selic estava em 10,25%), num cenário muito distinto do início de 2021, quando a taxa básica chegou a 2%, menor nível da história.
Os juros mais altos tornam mais caro tomar dinheiro emprestado, o que deve botar um freio nos investimentos das empresas, desacelerando a geração de empregos e a atividade econômica como um todo.
A piora da atividade, combinada a uma inflação que não dá sinais de perder força, são uma pedra no sapato para o presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta em outubro a reeleição
A angústia com os rumos da atividade econômica supera a preocupação com a saúde e a pandemia, apontada como principal problema por 28% dos brasileiros, mesmo em meio a um início de ano marcado por uma explosão de casos de covid-19 provocados pela variante ômicron do coronavírus.
Em terceiro lugar nas preocupações da população estão as questões sociais, incluindo fome, pobreza, desigualdade e habitação, apontadas como maior problema por 13% dos brasileiros, e também uma consequência direta da situação econômica.
Esse cenário, segundo analistas ouvidos pela BBC News Brasil, tende a fortalecer a oposição, em detrimento da continuidade do atual governo.
E também é desfavorável para as candidaturas de “terceira via” ligadas à direita, que enfrentam dificuldade para se distanciar de suas ligações com o bolsonarismo.
Entenda a recente alta de juros; porque a inflação não cede mesmo com a Selic tão alta; e como tudo isso deve afetar a sua vida e o futuro político do país.
Porque os juros continuam a subir
Luana Miranda, economista da gestora de recursos Gap Asset, explica que o Banco Central já está de olho na inflação de 2023 ao tomar suas decisões nesse início de ano.
“Para 2023, a expectativa para a inflação está um pouco acima da meta, em 3,5%, o que é desconfortável para o BC, pois é um horizonte ainda distante”, diz Miranda.
A meta para a inflação em 2023 é de 3,25% e o fato de as expectativas estarem em 3,5% indica que os agentes econômicos não estão confiantes de que o BC será capaz de trazer a inflação de volta à meta até lá.
Isso força a autoridade monetária a ter de continuar mostrando dureza no combate à inflação, numa tentativa de “ancorar” as expectativas do mercado, como se diz no linguajar econômico.
Além disso, os índices de inflação mais recente têm surpreendido ao vir acima do esperado pelos analistas, mesmo depois de o Banco Central ter elevado a Selic em 7,25 pontos percentuais ao longo de 2021, de 2% para 9,25% ao ano, na maior alta feita por um banco central no mundo no ano passado, segundo levantamento do banco alemão Deutsche Bank.
“Já estamos com uma Selic de dois dígitos, estamos nos aproximando do final do ciclo [de alta dos juros], mas ao mesmo tempo as pressões altistas da inflação de curto prazo continuam”, observa a economista da Gap Asset.
Ela destaca, por exemplo, a alta de 0,58% da prévia da inflação de janeiro, medida pelo IPCA-15, que veio bem acima do 0,45% que era esperado pelo mercado.
“Continuamos a ser surpreendidos e, além disso, temos visto bancos centrais ao redor do mundo também surpreendendo com promessas de mais juros [do que era esperado antes]. E isso tem impacto sobre a nossa economia também”, afirma.
A alta de juros nas economias maduras, como os Estados Unidos, atrai recursos para esses países, levando à valorização do dólar e outras moedas fortes e à perda de valor do real.
Isso contribui para manter a inflação pressionada, já que parte relevante dos insumos da indústria brasileira é importada. Também favorece as exportações de alimentos, reduzindo a oferta deles no mercado interno, o que pesa sobre os preços.
Porque a inflação segue alta, mesmo depois de tanto aumento de juros
Mas o leitor deve estar se perguntando: se o BC sobe juros para dificultar a tomada de crédito, desacelerar a atividade econômica e com isso conter a inflação, então por que os preços seguem surpreendendo para cima?
Luana Miranda, da Gap Asset, explica que isso se deve a um conjunto de fatores.
O primeiro deles é que a política monetária leva um certo tempo para ter efeito na economia, cerca de quatro trimestres, segundo estudos do próprio Banco Central.
Assim, como o BC começou a subir os juros em março de 2021, e seguiu elevando as taxas durante os meses seguintes, apenas ao longo de 2022 os efeitos desse aperto monetário deverão passar a ser sentidos de fato na economia
Os preços do petróleo já vinham pressionados desde 2021 por uma combinação de restrição de oferta pela Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e investimentos que deixaram de ser feitos pelas petroleiras em meio à pandemia.
A esse cenário já desfavorável, somou-se em 2022 a crise entre Rússia e Ucrânia, país este que é uma importante rota de transporte de gás natural.
Um terceiro fator é a continuidade da pressão nos preços de bens industriais, diante de problemas nas cadeias produtivas gerados pela pandemia, como a falta de semicondutores que afetou a indústria automotiva do mundo todo.
Isso se soma ao aumento de preços dos serviços, diante da retomada do setor com a reabertura da economia possibilitada pelo avanço da vacinação em todo o mundo.
Por fim, a seca no Sul do Brasil afetou a safra de grãos, o que tende a ter impacto sobre os preços dos alimentos, já que os grãos são usados na produção de óleos e na ração animal.
“São vários choques ainda afetando a economia, num momento em que a política monetária ainda não teve tempo de reduzir a inflação na sua capacidade máxima”, conclui Miranda.
Como a alta de juros afeta a vida das pessoas
A Selic mais alta tem impacto direto sobre o dia-a-dia da população, explica a economista.
“Ela vai afetar, por exemplo, o preço de tomar um empréstimo. O crédito do cartão de crédito, do cheque especial, o crédito imobiliário, tudo isso vai ficar mais caro. Isso tende a reduzir o consumo das famílias e os investimentos das empresas.”
Por esse motivo, os juros mais altos desaceleram a atividade econômica e, como consequência, a inflação perde força.
“Mas isso tem um custo e pode ter impacto sobre a geração de empregos”, acrescenta
Segundo a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), o endividamento dos brasileiros atingiu em 2021 o maior nível em 11 anos, com uma média de 70,9% de pessoas endividadas.
Ainda assim, a inadimplência teve uma pequena queda no ano passado, em relação à média histórica. Mas, para a analista, esse quadro pode mudar com a alta dos juros.
“A alta dos juros piora as condições de renegociação de dívidas e de novas tomadas de crédito. Quem se endividar agora, vai pagar juros muito maiores do que no ano passado.”
“Com um cenário de mercado de trabalho pressionado, salários médios mais baixos e renda das famílias mais comprometida, isso aponta para um endividamento maior, até porque as famílias, ao longo do último período, já devem ter consumido muito de suas poupanças. Com o endividamento subindo, a inadimplência subir é o próximo passo.”
E como tudo isso afeta Bolsonaro e o cenário político em geral
Para Luana Miranda, a inflação é a principal “pedra no sapato” de Bolsonaro, o que fica claro pelas últimas medidas anunciadas pelo seu governo, como a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Combustíveis, que pretende zerar impostos federais sobre alguns desses insumos, como o diesel. Além de uma possível redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), atualmente em estudo pela equipe econômica.
“A inflação pesa muito no bolso da população e muito mais no bolso dos mais pobres. Então Bolsonaro está muito mais preocupado com isso do que com o crescimento do PIB”, considera.
Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria, lembra que, tanto a inflação, como a forte alta dos juros, são sintomas de uma desestabilidade macroeconômica que resulta das escolhas do governo, principalmente com relação às contas públicas
“Não é por acaso que o ex-presidente Lula lidera nos principais cenários eleitorais e à medida em que um cenário econômico mais difícil vai se confirmando, essa preferência por nomes distantes ao governo deve ir se cristalizando. Governos mal avaliados ‘premiam’ projetos eleitorais de oposição”, afirma.
Para Cortez, o cenário também é difícil para as candidaturas de “terceira via”.
“As candidaturas de terceira via, em sua maioria – talvez com a exceção do ex-ministro Ciro Gomes – são de direita. Por isso, essas candidaturas, seja de Sergio Moro ou João Doria, têm dificuldade de se distanciar da agenda do governo, pois estiveram ligados em maior ou menor grau a ele. Fazer essa reviravolta não é trivial.”
Se a economia dificulta o projeto de reeleição de Bolsonaro e o sucesso de uma terceira via, também deve impor um grande desafio a quem assumir o governo federal em 2023.
“A agenda econômica vai deixar uma herança difícil, seja para um segundo mandato bolsonarista, seja para um novo governo. Temos uma combinação de vulnerabilidade social, política econômica muito instável e um risco fiscal muito grande.”
“Ter que controlar a inflação, equilibrar as contas do governo e responder às demandas sociais será uma equação muito difícil de ser fechada”, avalia o analista político, sobre os desafios do governo que terá início em 2023.
Fonte: bbc.com