O melhor caminho para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recuperar controle sobre o Orçamento será buscar um acordo com os partidos que dão as cartas no Congresso e na distribuição dos recursos bilionários reservados para emendas parlamentares.
A opinião é de petistas que exerceram a função de relator-geral da Comissão Mista de Orçamento do Congresso e conduziram negociações com outros partidos nos dois mandatos anteriores de Lula como presidente e no governo de sua sucessora, Dilma Rousseff (PT)
Para esses veteranos, o novo governo enfrentará dificuldades maiores para formar sua base de sustentação parlamentar se apostar numa interferência do STF (Supremo Tribunal Federal) que enfraqueça os poderes adquiridos pelo Congresso com as emendas nos últimos anos.
“Se houver imposição do Judiciário, o Legislativo encontrará mil outras maneiras de colocar areia na engrenagem do governo”, diz o deputado Arlindo Chinaglia (SP), que presidiu a Câmara por dois anos no governo Lula e foi relator do Orçamento de 2012, com Dilma.
O STF indicou que irá julgar em breve duas ações movidas por partidos de oposição que questionam a legalidade do mecanismo criado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) com seus aliados no centrão para fazer barganhas com o dinheiro das emendas do relator do Orçamento.
O mecanismo deu à cúpula do Congresso poderes para destinar verbas a redutos eleitorais dos políticos com pouca transparência, sem seguir critérios que garantem a divisão equitativa dos recursos reservados para outras emendas orçamentárias previstas pela Constituição.
Os partidos que moveram as ações no STF, e que apoiaram Lula na campanha presidencial, argumentam que a falta de transparência e critérios isonômicos viola princípios constitucionais que exigem publicidade, impessoalidade e moralidade na administração pública.
Na avaliação de petistas envolvidos com a transição para o novo governo, uma decisão do STF que obrigasse o Congresso a mudar o sistema abriria espaço para o presidente eleito negociar um novo arranjo e obter dinheiro para suas prioridades no Orçamento do próximo ano.
Mas é possível também que uma interferência do Supremo acirre tensões ao colocar em xeque as prerrogativas asseguradas pelos líderes partidários no Congresso. Para os ex-relatores petistas, isso poderia atrapalhar o processo de transição para o novo governo.
“É preciso buscar um novo equilíbrio na gestão do Orçamento, que concilie o interesse legítimo dos representantes com o interesse público”, diz o ex-deputado Jorge Bittar (RJ), relator do Orçamento de 2004. “É uma discussão política que não pode ser transferida para o Judiciário.”
O acordo do centrão com Bolsonaro permitiu que o Congresso passasse a definir o destino de uma fatia expressiva do Orçamento, correspondente neste ano a quase um terço dos recursos disponíveis para despesas discricionárias, incluindo obras e outros investimentos
O projeto de lei enviado pelo Executivo com sua proposta para o Orçamento de 2023, ainda em discussão, prevê R$ 19,4 bilhões para emendas individuais e de bancadas estaduais, distribuídas de acordo com critérios equitativos, mais R$ 19,4 bilhões para o relator distribuir.
As emendas do relator tornaram-se essenciais para a sustentação do governo porque podem ser usadas para favorecer parlamentares aliados com mais recursos. O Congresso indica os pedidos que devem ser acolhidos, e cabe ao governo liberar verbas para as despesas.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também conta com as emendas para garantir apoio à sua reeleição no comando da Casa no início da próxima legislatura, em fevereiro. Lula se encontrou com Lira nesta quarta (9) e prometeu não interferir na eleição da Câmara.
Os relatores do Orçamento têm poderes para modificar a proposta do Executivo desde a aprovação da Constituição de 1988. Normas internas aprovadas pelo Congresso ampliaram o alcance das emendas e hoje permitem seu uso para todo tipo de despesa, o que fez os valores se multiplicarem.
Em 2002, quando Lula chegou ao poder pela primeira vez, o escopo das emendas do relator era mais modesto, e o governo tinha maior controle sobre o processo orçamentário. Ele não tinha a obrigação de executar as despesas previstas pelas emendas e podia segurar o dinheiro.
No primeiro mandato do petista, os relatores do Orçamento usaram suas emendas apenas para fazer ajustes técnicos e remanejar recursos para despesas decorrentes de reajustes do salário mínimo, revisão de salários do funcionalismo e créditos devidos a estados, por exemplo.
A partir do segundo mandato de Lula, os relatores começaram a usar as emendas para atender outras demandas, abrindo exceções para projetos de irrigação, obras em estados que sediaram jogos da Copa de 2014 e despesas das Forças Armadas, entre outras iniciativas.
“Havia uma preocupação de conciliar demandas dos parlamentares e políticas de interesse do governo para não pulverizar recursos”, diz o ex-deputado Geraldo Magela (DF), relator do Orçamento de 2010. “Mas era um faz de conta, porque o governo não era obrigado a executar.”
Um levantamento feito por Rodrigo de Oliveira Faria, ex-coordenador do processo orçamentário na Secretaria do Orçamento Federal, mostra que o número de autorizações para despesas programadas pelo relator saltou de 26 para 52 no segundo mandato de Lula.
Essas autorizações, previstas nos relatórios preliminares que definem a cada ano parâmetros para as emendas apresentadas pelos congressistas, aumentaram ainda mais com Bolsonaro. De 2019 a 2021, o Congresso abriu 98 exceções para turbinar as emendas do relator.
Mudanças feitas na Constituição em 2015 e 2019 tornaram obrigatória a execução de emendas individuais e de bancadas, o que tirou do Executivo o poder de segurar a liberação desse dinheiro de acordo com sua conveniência e usar as verbas para premiar os governistas.
No fim de 2021, quando as ações que questionam as emendas do relator chegaram ao STF, a ministra Rosa Weber, que hoje preside o tribunal, cobrou transparência do Congresso e mandou criar um sistema para divulgar os patrocinadores e os beneficiários das emendas.
Outras questões, como os critérios adotados para distribuir o dinheiro, só poderão ser resolvidas quando o mérito das ações for julgado. “Havendo transparência, não há nada de errado num mecanismo que permita ao governo tratar diferentemente aliados e opositores”, opina Chinaglia.
Quando atuou como relator, ele incluiu no Orçamento verbas para ações de saúde em pequenos municípios que submetessem ao Congresso projetos de iniciativa popular. Milhares de cidades foram contempladas com emendas, mas os recursos não foram liberados pelo Ministério da Saúde depois
Fonte: msn.com