Apesar de viver bom momento, setor teme decisão do STF que impede aplicação aérea de agrotóxicos no Ceará
Os registros de drones para pulverização agrícola deram um salto nos últimos meses após a Anac (agência de aviação civil) flexibilizar as regras de uso dos equipamentos para esse tipo de atividade.
O otimismo do setor com o bom cenário regulatório, no entanto, divide espaço com um dessossego: a proibição de pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará, confirmada pelo Supremo.
O temor é que a barreira se espalhe por outros estados.
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De acordo com um levantamento feito pela reportagem com base em dados públicos fornecidos pela Anac, o número de drones registrados como “pulverização agrícola” subiu de ao menos 675, no começo deste ano, para aproximadamente 2.270 cadastros, em agosto.
É possível haver subnotificação, já que é o usuário quem descreve a atividade para a qual o equipamento será utilizado. Alguns deles indicam que os drones serão usados no ramo aeroagrícola, por exemplo, mas não especificam para qual atividade.
O pesquisador da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e especialista em drones agrícolas Vicente Conargo aponta para um outro fator: a falta de registros. “A gente ainda tem um passivo muito grande de equipamentos que estão em operação, mas não estão cadastrados.”
De maio para cá, os registros para pulverização vêm crescendo em um ritmo mais acelerado. Para o setor, o movimento reflete a flexibilização das regras para utilizar a tecnologia.
Vigente desde maio, uma resolução da Anac determinou que todas as RPAs (aeronaves remotamente pilotadas) destinadas à aplicação de produtos como agrotóxicos e fertilizantes estejam classificadas em um grupo mais simples de drones —antes, restrito aos equipamentos que tinham peso máximo de decolagem de até 25 kg. Para tal, o equipamento precisa estar em um voo abaixo de 400 pés.
Na prática, a mudança deixou de requerer alguns documentos e outras exigências, como o porte de certificado de aeronavegabilidade, que, antes, eram obrigatórios para drones com mais de 25 kg.
“Este é o ano do drone agrícola. Muitas mudanças aconteceram”, afirma Josué Andreas Vieira, agente de desenvolvimento regional do Sindag (Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola). Ele explica que a tecnologia chegou ao país como um produto comercial nos meados da última década, mas ainda sem disposições técnicas bem definidas.
“A RPA para uso agrícola normalmente tem um porte maior, se você comparar com os drones para uso recreativo. Essa emenda simplifica muito as exigências que um piloto e uma aeronave têm que ter para poder voar em um campo agrícola”, diz Vieira.
Há à frente, porém, a preocupação de que os estados aprovem leis que proíbam a prática de pulverização aérea de agrotóxicos.
Após o Ceará proibir a atividade em 2019 por meio de uma lei estadual, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu manter a barreira, em julgamento realizado neste ano que analisava uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) ajuizada pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
“Ficou uma confusão, porque qualquer estado pode falar agora que vai proibir pulverização aérea, e o drone está nesse meio. Os motivos seriam que contamina o meio ambiente, as pessoas, mata abelha, essas coisas de sempre”, diz Pedro Estevão, vice-presidente da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio).
Em outros estados e até em âmbito federal, existem projetos de lei que preveem a proibição da pulverização aérea para aplicação de agrotóxicos. Para o deputado federal João Daniel (PT-SE), autor de um desses projetos, a recente decisão do Supremo pode dar força à tramitação, mas entidades do agronegócio devem continuar pressionando.
“É possível que a vitória no STF dê um novo gás à nossa luta. Não há muita diferença nos equipamentos. Claro que o drone é mais direcionado, mas atinge também áreas de ecossistemas que provocam os mesmos problemas”, afirma Daniel.
Em São Paulo, a câmara municipal de São Carlos, no interior do estado, aprovou um projeto de lei que proíbe a dispersão de agrotóxicos por aviões e outras aeronaves tripuladas. Os drones estão liberados da regra, desde que tenham asa rotativa e peso máximo de decolagem de até 101 kg.
Depois da aprovação, o prefeito Airton Garcia (União Brasil) vetou o projeto –decisão que ainda será analisada pela câmara do município. Anteriormente, a PGM (Procuradoria-Geral do Município) havia considerado o projeto inconstitucional.
Para o autor, o vereador Djalma Nery (PSOL), a proposta trata de direito ambiental. “O STF confirmou por unanimidade a constitucionalidade da lei do estado do Ceará. Já tem um precedente jurídico confirmando que não há nada de inconstitucional nesse tipo de privação”, diz.
Segundo Ulisses Rocha Antuniassi, professor da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp (Universidade Estadual Paulista), o agronegócio vem impulsionando o mercado de drones no Brasil. Ele explica que, em regiões como a Ásia, o drone substitui tarefas manuais em pequenas propriedades, de forma a proteger o agricultor de contaminações, por exemplo.
“Isso é na Ásia. Se você vem para o Brasil, o drone se encaixa muito mais em um aspecto operacional. Ele deve estar fazendo essas aplicações localizadas, na qual você faz a imagem e aplica, porque elas têm menos dano ao ambiente e são mais econômicas. Aqui, o drone substitui outros métodos de aplicação por causa das vantagens.”
Na esteira das mudanças nas regras dos drones agrícolas, a Anac aprovou no fim de agosto o primeiro projeto de drone para pulverização agrícola no país. O modelo em questão é o XAG P30, da empresa chinesa XAG, representada no Brasil pela Megadrone. O equipamento precisou passar por testes de operação com a presença de técnicos da autarquia.
Diferente do registro, essa autorização atesta que o modelo foi submetido a uma certificação da agência reguladora. Segundo a Anac, o objetivo é garantir que o projeto do equipamento é seguro.
Fonte: diariodecuiaba.com.br