Os chefes de Estado reunidos na cúpula da Otan, na capital dos EUA, além de discutirem a aprovação de um novo pacote de ajuda militar para a Ucrânia, também debatem sobre como lidar com o apoio da China à Rússia.
Em uma entrevista à mídia americana antes da cúpula, o secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg, descreveu a China como “o principal facilitador da guerra da Rússia contra a Ucrânia”.
Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, disse à DW em uma reunião de ministros das Relações Exteriores em Praga, em maio, que o apoio da China é “um grande divisor de águas neste momento no campo de batalha”. Ele acrescentou que o fato da China buscar melhores relações com os países da Europa e, ao mesmo tempo, alimentar a maior ameaça à segurança europeia “não faz sentido”.
Pequim tem negado repetidamente o fornecimento de armas a Moscou. No entanto, a Otan acusou a China de alimentar a máquina de guerra russa fornecendo componentes essenciais.
De acordo com a avaliação dos EUA, a China é o principal fornecedor de máquinas-ferramentas, microeletrônica e nitrocelulose – essenciais para a fabricação de munições e propulsores de foguetes, entre outros itens que Moscou usa para aumentar sua base industrial de defesa.
O comportamento da China durante a guerra na Ucrânia está sendo visto pelos países da Otan como prova de que a Europa não pode se dar ao luxo de ignorar o desafio que Pequim representa.
De acordo com um alto funcionário do Departamento de Estado dos EUA, a aliança está agora “direcionada como um laser no relacionamento entre a China e a Rússia”.
A China é um problema para todo o sistema de alianças dos EUA?
Essa é uma mudança e tanto para a Organização do Tratado do Atlântico Norte, que tradicionalmente tem se concentrado na segurança da área transatlântica. Até o final de 2019, a China não havia sido mencionada em documentos públicos de alto nível da Otan. Mas, em seu mais recente conceito estratégico, acordado em Madri em 2022, a aliança descreve as ambições de Pequim como um desafio à sua segurança.
“Houve uma mudança”, diz à DW, Liselotte Odgaard, do instituto conservador Hudson, de Washington. Essa mudança começou com o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, e “decolou na Europa”.
Odgaard ressalta que os EUA consideraram a China a principal ameaça aos seus interesses de segurança por um longo tempo. “E eles convenceram e pressionaram a Europa a enxergar que a China também é um problema para os europeus e para todo o sistema de alianças dos EUA”, explica.
Muitos na Europa agora reconhecem que os aliados dos EUA na Ásia e na Europa enfrentam alguns dos mesmos desafios. “E, à medida em que a Rússia e a China cooperam, é necessário espelhar essa cooperação, fortalecendo a cooperação europeia com os parceiros asiáticos”, acredita Odgaard.
O que dizem as nações do Indo-Pacífico?
Diante de uma China mais assertiva e agressiva, alguns países da Ásia também parecem estar convencidos da necessidade de mais cooperação.
Quando o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, discursou em uma sessão do Congresso dos EUA em abril deste ano, ele falou sobre a invasão russa na Ucrânia: “A Ucrânia de hoje pode ser o Leste Asiático de amanhã”, disse aos legisladores americanos.
Em junho, o conselheiro de segurança nacional da Coreia do Sul, Chang Ho-jin, disse em coletiva de imprensa, que Seul analisa a possibilidade de fornecer armas à Ucrânia, após os líderes da Coreia do Norte e da Rússia assinarem um pacto comprometendo-se com a defesa mútua em caso de guerra.
Novos projetos conjuntos com parceiros do Indo-Pacífico
A Otan tem colaborado com parceiros do Indo-Pacífico desde o início dos anos 2000, mas a guerra da Rússia contra a Ucrânia e os desafios de segurança impostos pela China levaram a um envolvimento mais profundo.
A aliança vê esses países, que compartilham a região com a China e trazem novas percepções, como parceiros para combater as tentativas da China e da Rússia de desafiar a ordem global.
Líderes do Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia foram convidados a participar do encontro em Washington. Essa já é a terceira cúpula com a participação deles.
Antes da reunião, o chefe da Otan, Stoltenberg, disse que a aliança e seus parceiros do Indo-Pacífico “desenvolverão nossa cooperação prática com projetos pioneiros sobre a Ucrânia, cibernética e novas tecnologias”. Eles também querem trabalhar mais de perto na produção industrial de defesa.
Japão ficou sem escritório de ligação
Os países membros da Otan ainda estão divididos quanto à abordagem da região do Indo-Pacífico. No ano passado, a França bloqueou um plano da Otan de abrir um escritório de ligação no Japão, insistindo que a aliança está geograficamente confinada ao Atlântico Norte.
A Alemanha reconhece a importância da região, mas Berlim ainda considera a China – apesar de suas políticas cada vez mais restritivas – como um parceiro essencial para enfrentar os desafios globais.
A Hungria também coopera intensamente com a China, por exemplo, na área de veículos elétricos.
A Otan pode piorar as coisas?
Alguns observadores acreditam que o envolvimento da Otan no Indo-Pacífico pode não ser bem recebido por todos. “É uma região muito volátil. Mas não há guerras acirradas no momento”, diz Shada Islam, conselheiro independente da UE em Bruxelas, à DW.
“A maioria dos países com os quais falo, seja a Indonésia, a Malásia ou mesmo a Índia, não quer que essa potência estrangeira chegue à região e talvez piore as coisas”, conta Islam.
Portanto, ser mais duro com a China e estabelecer laços mais estreitos com parceiros no Indo-Pacífico continuará sendo um ato de elasticidade política difícil para a Otan.
“É um ato de equilíbrio, pois envolve o risco de escalar o conflito”, diz Liselotte Odgaard, do Instituto Hudson, à DW.
Segundo ela, se os países da Otan pressionarem demais, a China pode querer cooperar ainda mais com a Rússia, a Coreia do Norte e o Irã. E isso, claro, não interessa a Otan.
Fonte: dw.com