O legado do ex-premiê japonês Shinzo Abe

O legado do ex-premiê japonês Shinzo Abe
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Ele esteve mais tempo à frente do governo japonês que qualquer outro. Em 2020, renunciou ao cargo sem conseguir aprovar uma reforma constitucional pela qual lutou toda a sua vida. Abe morreu em um atentado aos 67 anos

Shinzo Abe dividia a opinião pública em seu país. Para seus críticos, ele representava um Japão chauvinista e retrógrado, que minimizou as atrocidades cometidas pelo país na Ásia durante a Segunda Guerra Mundial.

Em um discurso em 2015, quando o Japão completou 70 anos de sua derrota na Segunda Guerra, Abe expressou “profundo pesar” pelas vítimas do conflito, mas não chegou a se desculpar.

Sua promessa de construir um “Japão forte e próspero” lembrava o lema imperialista de “nação rica, exército forte” do período Meiji na segunda metade do século 19. Ele queria revisar a Constituição pacifista, que acreditava ter sido imposta pelos Estados Unidos ao Japão em 1946, em favor de um Estado mais forte. No entanto, nunca foi capaz de realizar seu sonho de reforma.

Já seus partidários o viam como um reformador pragmático que fortaleceu a economia do Japão e a parceria com os EUA “para que o Japão nunca fosse relegado a uma nação de segunda classe”, como ele disse certa vez. Abe relaxou a política monetária, promoveu altos gastos do governo e fechou importantes acordos comerciais com a União Europeia e os países do Pacífico.

Durante seu mandato, o Japão se abriu como nunca antes para trabalhadores estrangeiros, investidores e turistas. Ele evitou reformas estruturais dolorosas, mas seu governo provou que uma economia altamente desenvolvida pode crescer, apesar da diminuição da população.

Luta contra as ambições hegemônicas da China

É provável que um importante legado de Abe tenha sido aproximar o Japão da Ásia. Com sua visão de um “Indo-Pacífico livre e aberto”, o político aumentou a conscientização em toda a Ásia sobre as ambições da China por hegemonia e fortaleceu as relações econômicas entre o Japão e os países da região por meio de uma política ofensiva de investimentos.

“A Índia e o Sudeste Asiático perceberam um Japão mais assertivo como uma influência regional proativa e estabilizadora”, disse Yoichi Funabashi, presidente do think tank Asia Pacific Institute, quando Abe renunciou em 2020. A luta pelo poder entre a China e os EUA, que escalou significativamente durante seu mandato, forçou Abe a caminhar na corda bamba entre as duas superpotências. Por meio de uma interpretação ampliada da Constituição japonesa, ele conseguiu ao mesmo tempo expandir a aliança de segurança com os EUA e proteger o comércio com a China, o parceiro econômico mais importante.

Encontro entre Abe e o presidente chinês, Xi Jinping, em 2018Foto: Getty Images/AFP/Jiji Press

Do ponto de vista dos historiadores contemporâneos, Abe foi o primeiro premiê a representar o novo consenso da elite japonesa para garantir o peso político global de seu país no longo prazo. Esse consenso foi formado depois que o Japão foi substituído pela China como a segunda maior economia do mundo no curso da crise financeira.

A realização dos Jogos Olímpicos de Tóquio, adiados para 2021 devido à pandemia, também pode ser interpretada como um projeto de fortalecimento nacional. Com sua garantia de que a usina nuclear de Fukushima estava sob controle, Abe ajudou pessoalmente a trazer as Olimpíadas para o Japão.

Mas muitos projetos de política externa não se concretizaram, sobretudo o esperado acordo de paz com a Rússia, com Tóquio e Moscou ainda em desacordo sobre o destino das quatro disputadas Ilhas Curilas, e o esclarecimento do destino dos japoneses sequestrados na Coreia do Norte.

Abe deve a duração recorde de seu governo a dois fatores: por um lado, a economia japonesa experimentou vários anos de prosperidade, por outro, a oposição sempre permaneceu fraca.

Descendente de uma dinastia política

O período de 2009 a 2012, no qual pela primeira vez desde 1955 um partido que não o liberal-democrata esteve no poder por um longo tempo, foi caótico devido à inexperiência de seus políticos e ao desastre nuclear e tsunami de 2011. Depois disso, os eleitores não ousaram mais experimentar e permaneceram leais a Abe. Nem mesmo vários escândalos de corrupção mudaram isso.

“A criação de estabilidade política pode ser destacada como seu principal sucesso”, disse o especialista alemão em Japão Sebastian Maslow. Segundo ele, após anos de lutas internas pelo poder e muitos escândalos financeiros, Abe reabilitou os liberal-democratas e os tornou capazes de governar novamente.

Abe não se destacou nem como orador nem como intelectual. O que o levou ao topo da política foi sua descendência de uma família rica, com raízes profundas na política japonesa. Seu tio-avô Eisaku Sato foi primeiro-ministro, assim como seu avô Nobusuke Kishi, e seu pai, Shintaro, foi ministro das Relações Exteriores.

“O elemento definidor de sua carreira foi o revisionismo histórico”, comentou o historiador alemão Sven Saaler, da Universidade Sophia de Tóquio. Como exemplos disso, o historiador cita as representações eufemísticas do passado da guerra japonesa na maioria dos livros escolares e a reintrodução da educação moral.

Shinzo Abe morreu aos 67 anos de idade em 8 de julho de 2022, após ser baleado em um evento de campanha eleitoral.

Fonte:  dw.com


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