“O Dia em que Vi Dalton Trevisan” – Cláudio Ribeiro

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“Um Encontro com o Vampiro na Garoa de Curitiba”

Não me recordo com precisão o dia, mas sei que fazia frio. A brisa úmida de Curitiba insinuava-se pelas ruas como se carregasse consigo histórias esquecidas. Eu estava na livraria do Chaim, um refúgio de papel e tinta, onde os livros pareciam conspirar para revelar segredos a quem ousasse abrir suas páginas. Foi lá que o improvável aconteceu.

De relance, vi a figura ao meu lado. Tão real, tão inesperada, quase um espectro materializado. Hesitei. Olhei para o amigo livreiro, meio sussurrando, meio incrédulo:
— É ele?

O livreiro, sem tirar os olhos do livro que manuseava, apenas assentiu com a cabeça. Era ele. Dalton Trevisan. O homem recluso, o contista genial que dava voz a Nelsinho, o cafajeste irremediavelmente curitibano, o “vampiro” que eternizou a cidade em sombras e neblinas literárias. Suas páginas respiram o desespero e a simplicidade de personagens que, mesmo ordinários, tornaram-se universais — funcionários públicos desiludidos, lojistas encurralados pela rotina, prostitutas de olhos opacos, donas de casa que escondem dores em travessas de arroz e feijão.

Tudo isso atravessou minha mente em um instante fugaz. O homem ali, parado, era ao mesmo tempo uma incógnita e um monumento. Uma estátua viva, mas que parecia preferir o silêncio à reverência.

Encorajado por um impulso que só poderia ser descrito como desatino, aproximei-me. Não sei se tremia de frio ou de nervosismo, mas soltei:
— Bom dia, mestre.

Ele me olhou. Aquele olhar por trás dos óculos, como quem enxerga muito além da superfície. Por um breve momento, juro que sorriu. Não um sorriso largo, mas um vestígio de cumplicidade, quase um segredo compartilhado. E então, sem aviso, murmurou um “bom dia” antes de sumir pela porta, como se a garoa que caía tivesse vindo buscá-lo.

Fiquei ali, estático, tentando absorver o que acabara de acontecer. Foi como um encontro com o próprio mito. Dalton Trevisan, o vampiro de Curitiba, não precisou de palavras além do essencial. Sua presença bastava para preencher o silêncio com a densidade de mil histórias.

E naquela manhã fria, ao lado de uma prateleira qualquer, compreendi que alguns encontros são como as melhores narrativas: concisos, misteriosos e inesquecíveis.

Fonte:  brasilcultura.com.br


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