A Espanha, a Irlanda e a Noruega reconheceram oficialmente um Estado palestino nesta terça-feira (28/05), em uma decisão criticada por Israel como uma “recompensa” para o Hamas, após mais de sete meses da devastadora guerra em Gaza.
Os planos foram revelados na semana passada em um anúncio coordenado pelos primeiros-ministros dos três países, que afirmaram acreditar que a iniciativa tem um forte impacto simbólico e que provavelmente incentivará outras nações a seguirem o exemplo, impulsionando uma solução de dois Estados.
Todos os três países disseram reconhecer um Estado palestino com base nas fronteiras estabelecidas antes da guerra de 1967, com Jerusalém como capital de Israel e de um Estado da Palestina.
Na Noruega, o reconhecimento já entrou em vigor nas primeiras horas do dia, conforme confirmou o Ministério do Exterior norueguês. Poucas horas depois, a Espanha anunciou a entrada em vigor do reconhecimento oficial espanhol de um Estado palestino. A Irlanda também anunciou seu reconhecimento após a divulgação de um comunicado.
Ao entrar na reunião de seu gabinete para aprovar formalmente a medida, o primeiro-ministro irlandês, Simon Harris, disse que esse é “um momento importante” e que envia “um sinal para o mundo de que há ações práticas que podem ser tomadas como país para ajudar a manter viva a esperança de uma solução de dois Estados”.
“O reconhecimento do Estado da Palestina não é apenas uma questão de justiça histórica”, disse o primeiro-ministro espanhol Pedro Sanchez antes de se reunir com seu gabinete. “É também um requisito essencial para que todos nós possamos alcançar a paz.” A medida, segundo ele, “não é contra ninguém, muito menos contra Israel”.
“É a única maneira de avançar em direção à solução que todos nós reconhecemos como a única maneira possível de alcançar um futuro pacífico – o de um Estado palestino vivendo lado a lado com o Estado de Israel em paz e segurança.”
Em um pronunciamento, feito em espanhol e inglês, Sánchez lembrou que há mais de 140 países que já reconhecem a Palestina como Estado. Sánchez explicou que isso não implica um reconhecimento de fronteiras além do estabelecido nas resoluções da ONU sobre a matéria e da posição mantida pela União Europeia (UE), sem alterações “que não sejam acordadas pelas partes” em relação aos limites de 1967.
Sanchez também disse que a decisão reflete a “rejeição total da Espanha ao Hamas, que é contra a solução de dois Estados” e cujos ataques de 7 de outubro levaram à guerra de Gaza.
“A decisão que a Espanha adota hoje baseia-se no respeito pelo direito internacional e na defesa da ordem internacional”, afirmou, ressaltando que “a Espanha defenderá sempre os propósitos e princípios contidos na Carta das Nações Unidas”. “Com o passo que damos hoje, assumimos a nossa responsabilidade na busca da paz, segurança e prosperidade para todos os povos”, acrescentou.
Em um comunicado sobre o reconhecimento, a Irlanda concordou em estabelecer relações diplomáticas plenas entre Dublin e Ramallah. Segundo Dublin, um embaixador da Irlanda no Estado da Palestina será nomeado juntamente com uma embaixada completa da Irlanda em Ramallah.
Paralelamente, os irlandeses pediram novamente um cessar-fogo imediato em Gaza, a libertação dos reféns israelenses e o acesso irrestrito à ajuda humanitária.
“Essa decisão da Irlanda é para manter viva a esperança. Trata-se de acreditar que uma solução de dois Estados é a única maneira de Israel e a Palestina viverem lado a lado em paz e segurança”, disse o premiê da Irlanda, Simon Harris.
Atrito com Espanha
A decisão provocou irritação no governo de Israel e exacerbou ainda mais as tensões diplomáticas, principalmente com a Espanha.
Na semana passada, uma vice de Sanchez, Yolanda Diaz, saudou a medida dizendo: “Não podemos parar. A Palestina será livre do rio ao mar“, o que o enviado de Israel em Madri denunciou como um “claro apelo à eliminação de Israel”.
O slogan se refere às fronteiras do mandato britânico da Palestina, que se estendia do rio Jordão até o Mediterrâneo antes da criação de Israel em 1948.
Na terça-feira, o ministro do Exterior de Israel, Israel Katz, foi ainda mais longe. “Sanchez, enquanto você não demitir sua vice e reconhecer um Estado palestino, você estará participando do incitamento para cometer genocídio e crimes de guerra contra o povo judeu”, escreveu ele na plataforma X.
Discordância na UE
O reconhecimento de um Estado palestino provocou uma forte discordância dentro da União Europeia. Durante décadas, o reconhecimento formal de um Estado palestino foi visto como ponto final de uma paz negociada entre israelenses e palestinos.
Washington e a maioria das nações da Europa Ocidental disseram que estão dispostas a um dia reconhecer o Estado palestino, mas não antes de chegar a um acordo sobre questões espinhosas, como o status de Jerusalém e as fronteiras finais.
O derramamento de sangue em Gaza reavivou os apelos para que os palestinos tenham seu próprio Estado. Cada vez mais países europeus estão expressando o desejo de fazer isso, embora outros permaneçam reticentes.
A França, por exemplo, acredita que não é o momento certo para fazê-lo. Outros países, como a Alemanha, mantêm vínculos com a Autoridade Nacional Palestina (rival do Hamas), mas só querem reconhecer um Estado palestino quando Israel fizer o mesmo.
Com a decisão de terça-feira, 145 dos 193 Estados-membros das Nações Unidas agora reconhecem a condição de Estado palestino.
Os países da UE que reconhecem a Palestina
A decisão da Espanha e Irlanda de oficializar o reconhecimento quebra um jejum de dez anos dentro da UE. O último país do bloco a tomar uma decisão nesse sentido havia sido a Suécia, em 2014.
Dentro da UE, são principalmente os países da Europa Central e Oriental que reconhecem um Estado palestino. Nestes casos, o reconhecimento remonta ao período comunista, no qual havia uma proximidade ideológica com Yasser Arafat, antigo líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Hoje na UE, países como Polônia, Hungria, Eslováquia, República Tcheca, Romênia e Bulgária passaram a reconhecer a Palestina em 1988, ainda na época da Cortina de Ferro.
Depois do fim do comunismo, alguns desses países, especialmente a República Tcheca e a Hungria, agora se encontram mais alinhados com Israel, embora continuem a manter relações diplomáticas plenas com os palestinos.
A falta de mais apoios contrasta com outras regiões do globo. Na América do Sul, por exemplo, todos os países reconhecem a Palestina como um Estado soberano. O Brasil oficializou essa posição em 2010, no segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Fonte: dw.com