Especialista fala sobre a importância do diagnóstico precoce e das técnicas modernas de cirurgia
O médico Wilson Garcia, especialista em cirurgia oncológica e mastologia, convive há 27 anos em seu consultório com o drama de mulheres diagnosticadas com câncer de mama e que precisam de um procedimento reparador.
Segundo Garcia, as técnicas modernas permitem que as mamas fiquem com o formato às vezes até melhor do que antes da doença.
Mas não é só a boa ciência que precisa estar a favor da paciente. O profissional diz que um dos fatores fundamentais no tratamento é o apoio da família e dos parceiros. Garcia conta que, sem sua experiência médica, já se deparou com mulheres totalmente desamparadas nesta fase crucial de suas vidas.
“Vou te confessar uma coisa muito triste que presenciei nesses mais de 27 anos dedicados ao exercício da cirurgia oncológica. Muitas mulheres vêm ao nosso encontro para fazer o tratamento abandonadas pelos seus maridos. Vejo isso com muito pesar”, lamenta.
No Outubro Rosa, mês dedicado à conscientização sobre o câncer de mama, Garcia recebeu a reportagem do MidiaNews para uma entrevista esclarecedora. Leia abaixo os principais trechos:
MidiaNews – Quando uma mulher o procura para a reconstrução da mama, como está sua autoestima?
Wilson Garcia – Hoje sabemos a importância das mamas na apresentação da mulher. A mama é um órgão de projeção que representa todo o carinho, o amor, a perpetuação da espécie, a lactação, o aconchego, a nutrição de uma nova vida.
E pela nossa região ser extremamente quente, as mamas da mulher estão revestidas de uma alta sensualidade, usando de sua sensualidade com decotes, biquínis, maiôs, rendas e assim por diante.
Hoje toda paciente que recebe diagnóstico de câncer sofre um medo muito grande. Ela vê toda sua existência e seus futuros sonhos ameaçados, associando esse tratamento do câncer com muito sofrimento. Ainda hoje existe aquele tabu de que, se alguém falou que está com câncer, está condenado à morte e isso não é verdade. Insistimos na prevenção porque com ela conseguimos atingir índices de 95% ou mais de cura quando diagnosticado precocemente.
Nós conseguimos hoje, graças à evolução da Medicina, fazer com que a mama operada da paciente fique com um formato até melhor do que de antes do câncer. Quando a paciente se vê a acolhida e seu medo diminuído dessa mutilação física, ela fica feliz. Quando elas vêm com um resultado pós-operatório que gostam, elas se sentem muito confortáveis e a aderência ao tratamento melhora, bem como a autoestima e a alegria de viver.
MidiaNews – Em que momento é necessário que a paciente realize a reconstrução da mama? Quando essa decisão é tomada?
Wilson Garcia – Quando uma mulher é diagnosticada com câncer de mama, em algum momento ela vai ter que retirar sua mama, inevitavelmente. É o tratamento cirúrgico.
O tratamento do câncer de mama hoje tem três grandes pilares. O primeiro pilar é a cirurgia que retira o núcleo do tumor, parcialmente ou totalmente, para evitar que ele se espalhe para o restante do corpo e para propiciar a cura. O segundo pilar é a quimioterapia e a radioterapia. O terceiro pilar são os tratamentos que vêm depois da quimioterapia e da radioterapia. Mas o tratamento cirúrgico é em 100% dos casos de câncer. Em algum momento ele vai aparecer.
A cirurgia reparadora para mulheres que tiveram câncer de mama é um direito. Ninguém vai prestar favor nenhum. É um direito assegurado por lei federal, seja essa paciente tratada pelo SUS, assim como por convênios da medicina privada.
MidiaNews – Como é a cirurgia? É invasiva e quanto tempo dura em média?
Wilson Garcia – Depende muito da cirurgia. Sempre que você puder fazer uma cirurgia conservadora, o resultado será melhor. Há pacientes que têm mamas mais difíceis de serem operadas, aquelas mamas grandes, volumosas. Às vezes uma paciente mais idosa tem uma mama formada basicamente por tecido gorduroso. Então são mamas mais difíceis de serem operadas.
Hoje, em média, quando vou fazer um tratamento cirúrgico de câncer de mama, basicamente eu reservo um período, porque essa cirurgia pode se estender de três horas até sete horas.
A minha opção é sempre fazer as duas mamas no mesmo dia, deixando-as mais simétricas e parecidas, tendo grandes ganhos com isso. São cirurgias maiores e mais difíceis, mas o resultado é fantástico. Não tem preço ver uma mulher vir te abraçar, te agradecer revigorada em sua energia porque ficou satisfeita.
MidiaNews – É considerado um tratamento seguro?
Wilson Garcia – É seguro. É feito um cálculo de risco cirúrgico com exames pré-operatórios de sangue, de imagem, tomografias, avaliação com cardiologista, anestesista. Quando é necessário, em caso de pacientes mais idosas, com comorbidades tipo diabetes, hipertensão, insuficiência cardíaca, podemos usar de uma recuperação pós-cirúrgica em UTI para que possamos usar tudo que há de melhor na medicina para alcançar nosso objetivo, que é curar essa mulher com a menor mutilação possível e com a maior segurança.
MidiaNews – Como é o pós-operatório?
Wilson Garcia – Hoje é fantástico! A medicina está evoluindo muito. Você faz hoje de manhã uma cirurgia de seis, sete horas e no outro dia, antes do almoço, a paciente já recebe alta. Isso é fantástico! Coisa que antes levava dois, três, quatro dias.
Existe cirurgias que são mais dolorosas e outras que são menos, depende da técnica. A paciente vai precisar usar sutiã cirúrgico pós reconstrução por pelo menos dois meses, até seis meses, para fazer uma boa proteção dessas mamas. Ela vai usar dreno para retirar secreções por até duas semanas, mas geralmente dura de 5 a 7 dias. Ela vai usar muitas vezes antibióticos e analgésicos potentes. No início, vai ter algumas limitações para movimentar os braços, pegando na fase inicial um máximo de três quilos, depois com o tempo passamos pra cinco, sete, dez quilos.
Desejamos que já no primeiro mês de pós-operatório essa mulher esteja muito bem e voltando a dirigir, voltando a fazer suas atividades profissionais. Varia um pouco de acordo com a extensão da cirurgia, mas temos um alvo que, dentro de um mês, ela esteja totalmente reabilitada para começar um novo tratamento caso seja necessário.
A mulher tem que estar sempre ciente de que existem as complicações. O nosso alvo é que dê tudo certo, mas 5% ou 10% das pacientes podem ter necrose e infecção. Às vezes, ela faz reconstrução com prótese de silicone e perde essa prótese. Aqui e em todos os grandes centros especializados no tratamento de mama no país e fora. As complicações e os resultados ruins existem e o profissional tem que ser muito honesto e transparente para não oferecer falsos benefícios. Sem dúvida, os ganhos superam e muito essas pequenas adversidades.
MidiaNews – A cirurgia de reconstrução de mama é capaz de reparar todos os danos causados pelo câncer?
Wilson Garcia – Eu não diria que a gente consegue reparar todos os danos, assim como alguns danos são exemplos. As rugas e os cabelos brancos de uma senhora são testemunhas de sua vida, das suas lutas e construções. São marcas que o corpo desenha do nosso viver.
A cirurgia reparadora de mama vem de encontro ao equilíbrio biológico, psíquico, social dessa mulher e ela vai ter uma qualidade de vida muito melhor. Eu não diria que conseguimos reparar todas as cicatrizes, mas que muitas delas, de uma ou outra imperfeição que fique, muitas vezes simbolizam para a mulher aquela lembrança de que ela venceu o câncer.
MidiaNews – Geralmente, qual é a faixa etária das mulheres que sofrem com o câncer de mama?
Wilson Garcia – Hoje, cada vez mais, infelizmente, está acometendo pacientes mais jovens, abaixo de 40 anos, mas o foco é em pacientes entre 50 e 60 anos de idade. É o momento no qual mais se descobre o câncer de mama.
Quanto mais idosa a paciente, maior a tendência de o câncer ser menos agressivo. Nas pacientes jovens, embora sejam lesões menores, a melhor conduta é a retirada total da mama, porque são tumores mais agressivos.
MidiaNews – O senhor considera importante o acompanhamento do parceiro da paciente ao longo do tratamento?
Wilson Garcia – É fundamental. Nos momentos de dor, fragilidade, sofrimento, medo, angústia, estar cercado pelas pessoas que você ama torna esse momento menos difícil. Receber o diagnóstico do câncer e passar pelo tratamento é muito difícil. Então nós, homens, precisamos ter honra e estar lado a lado com essas mulheres.
Precisamos ter paciência, tolerância e como o próprio Deus nos ensinou e às vezes juramos na igreja: estar lado a lado na saúde e na doença. Não tenho dúvida que o companheiro tem que ser o porto seguro dessa mulher, amparando e caminhando junto em um momento de grande fragilidade.
Vemos que quando essa mulher vai amparada pelos familiares, o caminho dela se torna menos difícil. No tratamento, às vezes, pode haver um desinteresse sexual, e o homem tem que saber entender os efeitos colaterais emocionais da quimioterapia. É comum a mulher não ter cabeça, não estar preparada para ter um sexo de qualidade.
É necessário ter muita compreensão, muita parceria, acolher a mulher de forma integral, amparar seu sofrimento e suas dúvidas. Isso fortalece a relação.
Vou te confessar uma coisa muito triste que presenciei nesses mais de 27 anos dedicados ao exercício da cirurgia oncológica. Muitas mulheres vêm ao nosso encontro para fazer o tratamento abandonadas pelos seus maridos. Eles largam as mulheres na forma física e, muitas vezes, até com separação judicial. Vejo isso com muito pesar.
MidiaNews – Existe possibilidade do câncer voltar depois da cirurgia de reconstrução?
Wilson Garcia – Existe a possibilidade do câncer voltar para a mama, bem como a chance de dar a metástase. Mas não é a cirurgia reparadora de mama que vai aumentar as chances disso acontecer.
Quanto mais precoce for o câncer, menor as chances desse tumor “esparramar” pelo corpo, como é dito popularmente. Por isso nossa luta é voltada para que a mulher faça esse diagnóstico precoce. Vai facilitar muito a vida dela.
Quando você faz um diagnóstico precoce, as suas chances de cura são enormes e hoje, mesmo com todo o avanço da quimioterapia, da radioterapia, das imunoterapias e hormonioterapias não oferecem um ganho de vida e de cura tão grande quanto o diagnóstico precoce.
MidiaNews – O que é considerado um diagnóstico precoce para câncer?
Wilson Garcia – O câncer é considerado inicial até atingir um centímetro. Para alcançar esse tamanho, ele leva nove ou dez anos em 70% das mulheres e, nesse estágio, é indetectável pelo apalpamento, sendo perceptível apenas com o exame de mamografia.
Com o aumento da prevenção do câncer de mama, nós pretendemos identificar as lesões pré-câncer, que são lesões com potencial de se tornarem câncer ao longo dos anos e que você diagnostica antes de ser um câncer. Uma pequena cirurgia cura essa mulher.
Nesse estágio de pré-câncer, não é necessária a cirurgia de retirada da mama, porque são lesões muito pequenas. Existe um subgrupo que a mulher tem um monte dessas manchas em toda a mama. Aí você tem que retirar todas elas para curar essa paciente, porque, se você tira só um pedaço, as outras vão se desenvolver, mas é exceção.
MidiaNews – Os tratamentos do câncer podem prejudicar de alguma forma a recuperação após a cirurgia?
Wilson Garcia – Sim. O que mais entra em conflito é que existe uma relação adversa entre o resultado estético e a radioterapia.
A radioterapia está melhorando muito, mas às vezes os efeitos colaterais causados por ela pioram o resultado estético, mas essa piora precisa ser colocada na balança com os benefícios de fazer o tratamento, que são infinitamente maiores do que essa possibilidade de não fazer.
Nós nunca abortaremos um tratamento tipo cirurgia, quimioterapia, radioterapia, que vai ajudar na cura dessa mulher só porque traz uma perda do resultado estético. Temos que saber que é uma mão de duas vias. O fundamental é estabelecer todas as técnicas de boa conduta para estabelecer a cura e tudo o que for possível para beneficiar o resultado estético, a autoestima e a imagem corporal dessa mulher.
MidiaNews – O resultado estético da cirurgia é satisfatório na maioria das vezes?
Wilson Garcia – É interessante porque fazemos um questionário para a paciente sobre o nível de satisfação dela de zero a dez. É muito interessante que a nota que eu me dou como cirurgião é muito inferior a nota que ela se dá. Às vezes dou nota cinco e a paciente dá nota oito. Existe um ganho de satisfação da mulher. Isso é comum.
Toda mulher que faz um tratamento de câncer de mama tem pavor de ficar com as mamas feias ou sem mama. Os nossos resultados e os da literatura mundial é que a satisfação das mulheres é muito grande. É fantástico porque vem de encontro ao que ela precisa.
Fonte: www.midianews.com.br