O juiz Bruno D’Oliveira Marques, da Vara Especializada em Ações Coletivas, atendeu pedido da Associação Nacional de Juristas Islâmicos (ANAJI) e proibiu o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) de impedir que mulheres mulçumanas tirem foto para obtenção de suas respectivas Carteiras Nacionais de Habilitação (CNH) usando o véu islâmico hijab.
A decisão foi publicada nesta terça-feira (27) no Diário de Justiça do Estado. Nela o magistrado fixou multa de R$ 10 mil em caso de descumprimento.
“JULGO PROCEDENTES o pedido contido na inicial, o que faço para impor ao requerido obrigação de não fazer, consubstanciada na proibição de dar interpretação à Resolução do CONTRAN nº 511/2014 e a que lhe sucedeu (nº 886/2021) em desconformidade com a Constituição Federal e com a Convenção Americana de Direitos Humanos: Pacto de São José da Costa Rica, possibilitando a captura da imagem das muçulmanas com o véu islâmico/hijab para fins de utilização no procedimento de obtenção de suas respectivas Carteiras Nacionais de Habilitação – CNH. Para caso de descumprimento, FIXO multa no valor de R$ 10.000,00 incidente isoladamente em cada ato de descumprimento da obrigação especificada”, diz trecho da condenação.
Na ação, a ANAJI afirmou que entrou com ação devido às diversas denúncias sobre a recusa do Detran em emitir CNH às mulheres mulçumanas que estivessem usando o véu islâmico.
“Afirma ser um afronte às garantias constitucionais, uma vez que “nossa Constituição Federal em seu artigo 5º, veda expressamente qualquer privação de direito a cidadão brasileiro em razão de sua religião, estando essa Carta Magna, acima de qualquer Resolução Administrativa de Trânsito”. Diz que foi enviada notificação extrajudicial ao Departamento de Trânsito de Mato Grosso, contudo não houve resposta. Aduz que além de ser uma vestimenta islâmica, o véu é “expressão da fé, da mesma maneira que outras religiões também o fazem como as freiras cristãs, judias e etc”, diz trecho.
A associação ainda informou que a possibilidade de as muçulmanas não utilizarem o véu/hijab no momento de tirar a foto para a CNH, seria o mesmo que renegarem sua fé, além de ser um ato atentatório à livre expressão de sua crença em razão de uma Resolução Administrativa em conflito com a Constituição Federal”.
“Outras muçulmanas tentaram argumentar com o Detran, demonstrando que em todos os seus documentos de identificação, como identidade (RG) e passaporte (aceito no mundo todo) possuem fotos com o véu/hijab, visto que essas sequer saem de casa sem utilizar o véu”. Assevera que a proibição do uso do hijab na foto da carteira de habilitação configura uma violação à “liberdade de expressão religiosa das muçulmanas de exercerem sua identidade, sendo assim uma injustiça e opressão, bem como violação das garantias constitucionais”.
A defesa do Detran havia argumentado que a proibição estava embasada em lei, de que utilização de qualquer tipo de vestimenta ou acessório que cubra a cabeça ou rosto do interessado, mesmo que parcialmente, na foto da CNH.
No entanto, o magistrado ressaltou que não há lei que discipline tal matéria, havendo apenas resolução, norma administrativa, emitida pelo Conselho Nacional de Trânsito. A resolução em questão é a CONTRAN nº 511/2014 e a que lhe sucedeu (nº 886/2021), “em que suas diretrizes almejam a padronização das fotos a serem utilizadas na confecção de carteira nacional de habilitação, documento utilizado para identificação civil (art. 159 do Código de Trânsito Brasileiro)”, explica a resolução.
Em sua análise, o magistrado deu razão a ANAJI, explicando que a utilização do hábito pelas religiosas não impede o seu perfeito reconhecimento fisionômico. Com isso, ele julgou procedentes os pedidos da Associação e proibiu o Detran interpretar ao cabo a Resolução do CONTRAN estaria em desconformidade com a Constituição Federal e com a Convenção Americana de Direitos Humanos, para permitir que as mulheres mulçumanas no estado capturem as imagens usando o véu para obtenção da CNH.
“A garantia fundamental constitucional insculpida no artigo 5º, VI, da Carta da República não pode sofrer mitigação por norma infralegal, sob pena de manifesto enfraquecimento do sistema de proteção dos direitos fundamentais intergeracionais albergado pelas Constituições modernas. 4. Ademais, a própria norma regulamentar mencionada apresenta balizas para a fotografia a ser utilizada na confecção da CNH com uma única finalidade, a saber: garantir o perfeito reconhecimento fisionômico do candidato ou condutor. A utilização do hábito pelas religiosas não impede o seu perfeito reconhecimento fisionômico”, destacou o magistrado.
Fonte: odocumento.com.br