Considerada ‘nova Belo Monte’, ferrovia que corta Amazônia é criticada por ambientalistas e povos indígenas
O ministro dos Transportes, Renan Filho, classificou a Ferrogrão como um investimento arrojado e disse que o governo vai seguir com o projeto da ferrovia caso o STF (Supremo Tribunal Federal) resolva o atual impasse jurídico.
Em viagem à Alemanha para participar do Fórum Internacional de Transporte, o ministro afirmou que, após autorização legal, haverá uma avaliação ambiental aprofundada sobre a obra —que vem sendo contestada por ambientalistas e representantes dos povos indígenas. “Se a decisão do Supremo for no sentido de seguir, nós vamos seguir. Se for no sentido de alterar, nós vamos alterar o que precisa alterar. Isso aconteceu agora com a Petrobras e com vários outros segmentos do governo”, disse Renan Filho, em referência à recente negativa do Ibama para que a estatal explore petróleo na foz do rio Amazonas.
Obra monumental na região Amazônica, a Ferrogrão é considerada um dos projetos antiambientais do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), chamada inclusive de “nova Belo Monte”.
Com cerca de 1.000 km de extensão e um custo orçado em R$ 20 bilhões, a obra escoaria grãos, sobretudo soja e milho, de uma das principais regiões produtoras do país, o Mato Grosso, pelo chamado Arco Norte, na Amazônia. Teria uma ponta em Sinop (MT) e outra no porto de Miritituba (PA), no rio Tapajós.
A mobilização contrária envolve alertas sobre os impactos de uma ferrovia que atravessa a floresta amazônica e margeia terras indígenas.
Situado no meio do trajeto da Ferrogrão, o Parque Nacional Jamanxim precisaria ter sua área alterada para que a ferrovia pudesse ser feita.
Os limites da floresta chegaram a ser mudados durante o governo Michel Temer (MDB), mas, em março de 2021, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a lei em liminar. A definição sobre o caso está marcada para 31 de maio, no STF.
Segundo Renan Filho, a Ferrogrão tem este primeiro desafio jurídico e depois um ambiental.
“Espero que, juridicamente, a gente tenha condição de avançar e, entendo, vamos fazer uma discussão aprofundada do ponto de vista ambiental, para que tenhamos o melhor projeto para a região, e que melhore a eficiência para transportar a carga produzida no Brasil central, especialmente de grãos”, disse.
O ministro afirmou que a obra é uma das mais arrojadas do tipo, mas defende que é possível fazer este tipo de investimento com sustentabilidade.
“A gente não defende —e eu nunca vi o presidente [Lula] defendendo isso— não ter investimentos para melhorar a competitividade nacional por conta dessas outras questões [ambientais]. Mas é óbvio que o contrário também é falso”, afirmou.
A Ferrogrão é vista por ambientalistas como um dos empreendimentos de maior potencial de impacto no país, junto com a exploração de petróleo na foz do Amazônia e o asfaltamento da BR-319 —rodovia que corta o bioma.
Em julho de 2021, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) enviou uma carta à Internacional Progressista, entidade que reúne lideranças globais de esquerda, alertando sobre os impactos do projeto no ecossistema da região.
“O projeto da Ferrogrão só pode ser comparado a catástrofes humanitárias e ambientais como a rodovia Transamazônica e a usina hidrelétrica de Belo Monte”, diz carta.
No governo Lula 3, a Ferrogrão tem sido motivo de embate entre ministérios. Enquanto a pasta dos Transportes quer tirar a obra do papel, a titular do Ministério dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, atua no sentido contrário.
Na semana passada, a ministra pediu à AGU (Advocacia Geral da União) que se manifestasse junto ao STF contra a mudança nos limites do Parque Nacional Jamanxim.
Questionado sobre a divergência interna do governo, Renan Filho disse ser natural haver posições distintas.
“Cada pasta tem seu interesse e tem as suas atuações mais determinadas. É óbvio que a gente vai ter que conversar com o Ministério dos Povos Originários e com a área ambiental do governo, mas isso precisa ocorrer no momento apropriado. Agora nós estamos aguardando a decisão do Supremo”, afirmou.
“Mas a posição central é garantir os investimentos em infraestrutura que permitam o Brasil avançar e gerar riqueza com sustentabilidade. Esse é o equilíbrio que o presidente Lula visa buscar”, acrescentou.
Demanda antiga do agronegócio, a Ferrogrão ganhou celeridade durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL). Para tirar a ferrovia do papel, o governo buscou apresentá-la como ambientalmente sustentável, o que envolveu, inclusive, assinatura de memorando com a CBI (Climate Bonds Initiative), que certifica obras com uma espécie de “selo verde”.
Um dos principais articuladores, à época, foi o então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, hoje governador de São Paulo. O argumento sustentável se baseia na promessa de reduzir a emissão de toneladas de carbono —graças à redução esperada de 90% no fluxo de caminhões na BR-163, que hoje leva a soja mato-grossense para o porto no Tapajós.
Apesar de ganhar tração no governo Bolsonaro, o projeto havia sido defendido anteriormente pelo PT, e chegou a constar de uma versão do PIL (Programa de Investimentos em Logística), anunciado pelo governo Dilma Rousseff, em 2015. Mas nunca foi adiante.
Agora, a obra tem apoio do próprio presidente. A Ferrogrão pode azeitar a relação de Lula com o agronegócio, setor que apoiou massivamente a reeleição de Bolsonaro e que ainda tem uma relação conflituosa com o petista.
Fonte: diariodecuiaba.com.br