MT: A NOVA “CARA” DA AIDS: “HIV era sentença de morte; hoje toma remédio e fica tudo bem”

MT:   A NOVA “CARA” DA AIDS:   “HIV era sentença de morte; hoje toma remédio e fica tudo bem”
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Ivens Scaff fala sobre tratamento, prevenção e linha do tempo desde o surgimento da doença

O médico Ivens Scaff atende há décadas pacientes com HIV

O médico Ivens Scaff, de 71 anos, é um dos profissionais com maior vivência no tratamento e acompanhamento de pessoas soropositivas de HIV em Mato Grosso. Em sua trajetória de cerca de três décadas, ele ajudou na sobrevida de pacientes, perdeu amigos e viu as terapias evoluírem a ponto de mudar o perfil da doença no Brasil.

Hoje aposentado na rede pública mas ativo em seu consultório, ele lembra com certa tristeza dos momentos iniciais da doença e comemora os avanços obtidos até hoje.

“No início, eram cerca de sete meses entre o primeiro encontro com o paciente e a morte. O diagnóstico era uma sentença de morte total. Hoje em dia, graças a Deus, tomou o remédio e fica tudo bem”, afirmou.

Segundo o médico, com os tratamentos atuais, a doença tem se tornado “invisível”. Ou seja, ao contrário do que ocorria na década de 80, a Aids não tem mais uma “cara”.

Scaff recebeu o MidiaNews em seu consultório para uma entrevista.

Confira os principais trechos:

MidiaNews – O senhor atuou por várias décadas atendendo pacientes soropositivos. Qual o aprendizado que carrega deste período?

Ivens Scaff – O primeiro aprendizado é que nunca vi as condutas e orientações [de tratamento] mudarem tanto como para essa doença. Nós tivemos várias fases. A doença apareceu lá por 1981 e veio chegando atingindo principalmente os grupos de homossexuais, prostitutas, pessoas que vinham do banco de sangue. Quando o primeiro paciente chegou para mim, vindo dos Estados Unidos, me perguntando que exame fazia para detectar essa doença, eu não sabia responder.

O tratamento era somente a base de AZT(azidotimidina). Essa era a época do [cantor] Cazuza, por exemplo, que tomava doses muito fortes desse medicamento e sofreu muito com os efeitos colaterais. Só que o AZT sozinho não conseguia dar conta das resistências que surgiam. Segurava um pouco a doença mas acabava matando o paciente, que ficava fraco e com vírus resistente atacando a imunidade dele.

Quando o primeiro paciente chegou para mim me perguntando que exame fazia para detectar essa doença, eu não sabia responder

O grande marco no tratamento foi em 1996, com a introdução de associação de drogas. Se o vírus ficasse resistente à droga A, a droga B e C davam conta dele. Alguns tinham efeitos colaterais, dores, aumento de triglicérides e etc. Mas os remédios foram melhorando com o passar do tempo, sendo menos tóxicos e com menos efeitos adversos, conseguindo matar o vírus no sangue, alcançando assim a supressão viral.

No esquema mais moderno, a pessoa toma somente três comprimidos, dois de uma droga e um de outra. Chegamos numa medicação que não lesa o rim ou outros órgãos, embora possa engordar.

A gente considera que o paciente de HIV em tratamento, em termos de circulação e artérias, teria 10 anos a mais que sua idade cronológica.

Mas o vírus tem uma capacidade de mutação muito grande. A pessoa que interrompe o tratamento pode dar o azar de o vírus voltar a se multiplicar e se tornar resistente e os três medicamentos citados antes já não dariam conta e necessitaria algo mais agressivo.

MidiaNews – No início, a Aids era muito mais mortal do que hoje em dia. Como era lidar com essa perspectiva de morte dos pacientes?

Ivens Scaff – Quando a gente descobria, porque mal tinha exame, o paciente já estava apresentando infecções chamadas oportunistas, que não causariam muito mal em pacientes sem imunodeficiência, mas neles causavam. Hoje, as pessoas conseguem detectar mais cedo.

No início, eram cerca de sete meses entre o primeiro encontro com o paciente e a morte. O diagnóstico era uma sentença de morte total. Hoje em dia, graças a Deus, tomou o remédio e fica tudo bem.

O diagnóstico precoce é muito importante.

MidiaNews – E hoje as pessoas quando recebem o diagnóstico, estão cientes de que é possível controlar a doença?

Ivens Scaff – Muitos já estão. A primeira consulta tem que ser uma coisa bem demorada para explicar tudo, para o paciente sair mais tranquilo.

Hoje em dia, meus pacientes vêm aqui duas vezes por ano, fazem exame da carga viral e de colesterol e triglicérides para monitorar os efeitos adversos. E só. Estão sentindo algo? Nada. Está todo mundo bem e trabalhando normalmente.

O paciente que toma o remédio corretamente e consegue a supressão viral, isto é, o vírus indetectável no sangue, não transmite mais o vírus. Isso é uma das poucas certezas da Medicina.

Vírus indetectável no sangue, ele não transmite mais o vírus. Isso é uma das poucas certezas da medicina.

Com dois meses de medicação o paciente já pode ficar indetectável.

Isso facilitou muito a vida de casais por exemplo, que agora podem pensar em gravidez sem nenhum risco ao bebê. O homem soropositivo com o vírus indetectável não transmitirá à mulher soronegativo, que assim não transmitirá ao feto.

MidiaNews – Sente-se realizado pelo trabalho que fez sendo importante e ajudando tantas pessoas em um momento de dificuldade?

Ivens Scaff – Na verdade, não gosto de pensar muito, principalmente naquela época [décadas anteriores]. É muito triste, eu perdi vários amigos pessoais e muita gente conhecida. Tinha os pacientes que a gente se apegava, para mim só me dá tristeza aquela época. Realização me dá agora que tem o tratamento e controle.

MidiaNews – Atualmente, a Aids é menos falada do que no passado, quando estava com mais frequência no noticiário e nos debates. A que atribui essa mudança de status?

Ivens Scaff – Porque hoje o paciente do HIV não tem mais uma “cara” da doença. Lembra do Cazuza? Aquele rosto do Cazuza, que perdeu todo o tecido gorduroso, que caiu cabelo, que estava esquelético, isso você não se vê mais hoje em dia nos pacientes. Agora ela ficou “invisível”. Uma pessoa que descobre a doença não conta para ninguém e ninguém percebe também, porque ainda há preconceito. Diminuiu, mas não acabou.

MidiaNews – Esta geração, nascida no final do século passado e neste século, têm plena consciência dos riscos do HIV?

Ivens Scaff – Acho que sim. Houve certo aumento de casos entre jovens, mas nada acima do esperado, nada grave, não é como se a epidemia tivesse voltado. O ultimo diagnóstico que fiz foi há dois meses. Antes, já atendi um por semana. É importante que se previnam sempre e se testem.

MidiaNews – Hoje em dia muita gente tem feito uso de antirretrovirais chamados Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e Pós-Exposição (PEP). Há um superabuso desses medicamentos?

Ivens Scaff – Não acho que haja. Além disso, é menos ruim usar essa medicação com certa frequência do que adquirir o vírus.

Essas medicações, porém, só previnem para o HIV e não para outras ISTs. Então, não podem ser usadas como argumento para não usar preservativo.

MidiaNews – No ano passado, foi anunciado um caso de cura do HIV, que seria o quarto caso no Mundo. Acha que estamos perto da cura definitiva desta doença?

Ivens Scaff – A cura é algo muito difícil, deve demorar. O vírus se instala nas células do sangue, mas também fica dormente nas chamadas células dendríticas, que ficam geralmente em órgãos do trato digestivo, como o intestino. É muito complicado matar todos os vírus principalmente os instalados nessas células.

Se você acha uma vacina que sirva para o vírus hoje, talvez já não sirva para o mesmo vírus já mutado daqui a alguns meses. Esse é o desafio.

Agora se encontrarmos o ponto do vírus que não muda, um segmento do RNA que não mude com as mutações, aí sim poderemos ter uma vacina. É possível.

Os casos de cura, se não estou enganado, foram em pacientes que tinham outras doenças, como a leucemia. Então, sofreram tratamento para esvaziar a doença de todas as células e depois receberam um transplante. Na hora que matou essas células matou também as que tinham o vírus do HIV, por isso a “cura”.

MidiaNews – O senhor trabalhou por muitos anos no serviço público atendendo pacientes soropositivos. O sistema público consegue atender bem essas pessoas?

Ivens Scaff – Nessa área sim e muito bem. O sistema público oferece o teste rápido, que em 15 minutos a pessoa sabe se tem ou não [o HIV], teste da carga viral, para ver o quanto de vírus há no sangue e também a contagem de linfócitos T CD4. Além do fornecimento da medicação.

É tudo que precisamos, e de graça. Tratando ali, essas pessoas não vão nem precisar ir a um hospital. Só de não superlotar ainda mais os hospitais já foi uma coisa muito boa.

Nessa área sim e muito bem […] É tudo que precisamos, e de graça.

O SUS tem o problema do tempo, mas no caso do HIV e da hepatite, por exemplo, esse tempo não é prolongado. No mesmo dia que você faz o teste rápido e dá positivo, você já é encaixado para uma consulta no primeiro médico que tem lá e já sai com a medicação em mãos.

Funciona e deixa o paciente mais seguro.

MidiaNews – Qual a importância do acompanhamento psicológico para pessoas diagnosticadas com a doença?

Ivens Scaff  Precisa muito! Grande parte dos pacientes passa por algumas fases depois do diagnóstico. Primeiro é a negação, depois a revolta, seguida da promessa [fé] e por fim a aceitação.

O acompanhamento psicológico se faz essencial, porque ajuda no tratamento, para o paciente seguir nos cuidados normalmente e viver uma vida normal.

MidiaNews – O senhor foi servidor efetivo da Prefeitura e se aposentou há poucos anos. Hoje, fala-se muito das terceirizações no setor. Como enxerga as terceirizações na Saúde de Cuiabá?

Ivens Scaff – Se houver uma terceirização com uma boa fiscalização, não há problema nenhum. Mas o que a gente vê é que na maior parte dos lugares que tem uma empresa de saúde assumindo, infelizmente, há muita corrupção.

MidiaNews – Além de médico, o senhor é um dos principais nomes da literatura de Mato Grosso. Está escrevendo algum livro neste momento?

Ivens Scaff – Eu tenho um livro pronto, que na verdade é uma trilogia, ou seja são três livros. A parte do texto está pronta e estamos esperando a terceira capa ficar pronta pelo ilustrador. Chama-se ‘Além Tordesilhas’.

Nela trato sobre dois fatos, sobre o primeiro homem branco que pisou aqui em Cuiabá, Antônio Pires de Campos, que vem com seu pai aos 12 anos e subiu o Rio Cuiabá, sendo muito bem tratado pelos indígenas. Quarenta anos depois, ele volta e destrói essa mesma aldeia que o tinha acolhido. Peguei esses dois fatos verídicos e adicionei ficção. São livros voltados principalmente para adolescentes.

Tem um livro infantil também chamado ‘O Menino Chorão e o Morro que era Vulcão’, ilustrado por ninguém menos que Gervane de Paula, um grande artista que nunca havia ilustrado.

E mais um chamado ‘Assim Também já é Demais’, que conta a história de um menino que vai pescar no Pantanal e encontra o Minhocão. Esses dois estão prontos.

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Fonte:  midianews.com.br


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