Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), cassou uma decisão da Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) que mantinha a reintegração de posse de uma fazenda no município de Cláudia (620 km ao Norte), onde há ocupação de mais de 200 famílias. A Associação de Trabalhadores Rurais da Gleba Santo Expedito argumentou que não foram obedecidas as regras de transição em ações deste tipo.
No caso, os autores do recurso afirmaram que foi desrespeitada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828. Esta foi uma medida tomada pelo STF, que estabeleceu a suspensão temporária de reintegrações de posse de natureza coletiva em imóveis que sirvam de moradia, durante a pandemia da covid-19. A medida foi prorrogada até 31 de outubro de 2022 e depois o Supremo deferiu outra decisão instituindo um regime de transição.
A Associação de Trabalhadores Rurais entrou com uma reclamação contra a decisão da Terceira Câmara que deu provimento ao recurso da empresa Industrial Madeireira S/A, autora da ação. Ao analisar o caso a ministra Cármem Lúcia deu razão à Associação.
“Os elementos juntados aos autos revelam que a ocupação do imóvel em litígio se efetivou em 10.11.2006, há mais de 17 anos. Portanto, antecedeu o início da pandemia de Covid-19 e, por isso, esteve abrangida pela ordem de suspensão das reintegrações de posse coletivas vigente até 31.10.2022, devendo submeter-se ao regime de transição estabelecido por este Supremo Tribunal para a retomada dos processos de desocupação”.
A magistrada ainda pontuou que a Procuradoria-Geral da República também teve o mesmo entendimento, considerando ainda que há fundada dúvida sobre a titularidade do imóvel. Ela cassou a decisão da Terceira Câmara, determinando que outra seja proferida em seu lugar.
“Não há indicativo de que tenham sido adotadas as cautelas definidas nas normas de transição impostas por este Supremo Tribunal (…). A exemplo da realização de audiências prévias de mediação, contando com a participação do Ministério Público e da Defensoria Pública”.
O caso
No ano de 2009 a empresa Industrial Madeireira S/A entrou com a ação citando que em novembro de 2006 seu imóvel foi invadido. Houve liminar determinando a reintegração de posse, mas a medida não foi cumprida e, por isso, houve a necessidade de “mandado de revigoramento da liminar”.
Em setembro de 2021, a Segunda Vara Cível Especializada em Direito Agrário de Cuiabá julgou improcedente o pedido de reintegração por entender que não ficou comprovada a exploração da área entre os anos de 1999 e 2006. A Terceira Câmara do TJ, porém, discordou e reverteu esta decisão, autorizando a reintegração.
“[Apesar de] na sentença o julgador […] tenha mencionado que ‘não houve a comprovação da posse do imóvel disputado, a despeito, sequer há comprovação de exploração da área pela recorrente após o período de 1999, […]’, em verdade, a última exploração comprovada no ano de 1999 se deu em pelo fato de a área em questão ter entrado em POUSIO, que é o período destinado para a suspensão da atividade com a finalidade de recuperar a mata”, diz trecho da decisão contestada.
Com isso entendeu que não houve interrupção da posse pela empresa, que inclusive tomou outras providências, até mesmo após a invasão, para reaver o exercício regular da posse.
A Associação, porém, defendeu que “representa mais de 200 famílias que estão ocupando área da Gleba Santo Expedito, que por sua vez, trata-se de área pública que foi arrecadada para criação de Assentamento Rural e destinada para a Associação de Trabalhadores Rurais da Gleba Santo Expedito. No mais, consta com seus lotes de terra na área em litígio 62 famílias que estão exercendo a função social da terra e são, na sua grande maioria, pessoa pobres e tudo o que tinham investiram dentro de seus sítios”.
Fonte: www.gazetadigital.com.br