Em 2015, Mauricio Macri se elegeu após terminar o primeiro turno com menos votos; em 22 de outubro, Sergio Massa terminou a disputa à frente
1Para conseguir ser o novo presidente da Argentina, o candidato de extrema direita Javier Milei terá de repetir um feito conquistado somente por Mauricio Macri em 2015: virar a votação no dia 19 de novembro, quando o segundo turno será disputado.
Após surpreender com o primeiro lugar nas prévias argentinas, Milei não repetiu a dianteira na disputa de primeiro turno, em 22 de outubro, e obteve 29,98% dos votos para o cargo, contra 36,68% do líder, o governista Sergio Massa.
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A virada
Há oito anos, a virada de Macri representou não somente a única em eleições presidenciais argentinas desde a redemocratização, em 1983, mas também uma solitária interrupção do peronismo no governo federal nas últimas duas décadas. Essa continuidade é representada pelo atual ministro da Economia.
Enfrentando um representante do governo da época, Daniel Scioli, Macri teve 34,15% dos votos no primeiro turno, contra 37,08% do oponente. Pouco mais de 700 mil votos separaram os candidatos — no domingo, 1,7 milhões de eleitores distanciaram Massa de Milei.
No confronto definitivo, Macri fez 51,34%. Em 2019, novamente contra um peronista (o atual presidente, Alberto Fernández), ele não foi reeleito.
A professora Sara Toledo, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), lembra que havia um “contexto de insatisfação com o discurso de polarização kirchnerista” em 2015. Hoje, o movimento tem na vice-presidente Cristina Kirchner seu principal expoente.
“Macri se elege com muito apoio de moradores de áreas urbanas e jovens cansados de um discurso de divisão, na época muito entoado pelo kirchnerismo”, diz. Para ela, embora a rejeição ou parte dela se reproduza em 2023, Sergio Massa é um candidato menos identificado com esse grupo político.
Segundo no primeiro turno, mas sem segundo turno
Em 2003, Nestor Kirchner se tornou presidente após terminar o primeiro turno atrás de Carlos Menem. Como o líder desistiu da candidatura no segundo turno, contudo, Kirchner não precisou de uma virada para triunfar.
Nos outros pleitos pela Presidência da Argentina, o vencedor se repetiu ou a disputa foi definida em turno único.
A título de comparação, no Brasil, principal democracia da América Latina, não houve virada em pleitos presidenciais desde a redemocratização.
Rejeições pesam
A professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Regiane Bressan, considera este segundo turno “imprevisível”: “Os candidatos vão disputar na unha os eleitores remanescentes”.
“Deve haver novamente muitos votos contra Milei, inclusive de um eleitorado de direita conservador, que se assusta com seu discurso radical; e também muitos votos contra o peronismo de Massa, que é uma bandeira quase onipresente na sociedade argentina”, diz.
Na mesma linha, Arthur Murta, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), projeta a importância de um fenômeno que chama de “não-opção”: “Uma parcela significativa de argentinos estão desinteressados em votar em qualquer um dos dois. O sentimento de rejeição é amplo”.
“A população argentina nutre uma descrença muito grande com relação ao futuro. Existe o sentimento de que os problemas econômicos do país não se resolverão apenas com a escolha de um presidente”, acrescenta Sara Toledo.
Neste cenário, os dois postulantes devem investir justamente nos fatores de rejeição de seu adversário. Massa deverá destacar as propostas mais polêmicas do opositor, como a de liberar o comércio de armas. Por outro lado, o vice-líder deve reforçar as críticas à gestão econômica do atual governo, comandada pelo adversário.
Bressan lembra que, “com uma inflação de 138% ao ano e quase metade da população abaixo da linha da pobreza, a campanha de Milei pode alegar que seu adversário representa a continuidade dessa situação”.
Murta aponta uma “mudança na narrativa” de Milei em busca da virada: “Ele apostou no discurso anti-establishment para se consolidar [até o primeiro turno]. Agora, com uma disputa completamente aberta contra Massa e o peronismo, busca aproveitar o sentimento de rejeição a esse movimento, agravado no atual governo”
A busca para alcançar o feito de Macri tem o apoio de Patricia Bullrich, candidata do campo político do ex-presidente e terceira colocada no pleito inicial, com 23,83% — 6,2 milhões — de votos.
“A urgência do momento nos desafia a não sermos neutros”, disse ela em entrevista coletiva. “A Argentina, do nosso ponto de vista, não pode reiniciar um novo ciclo kirchnerista liderado por Sergio Massa”.
Regiane Bressan diz que esse eleitorado poderá se dividir: “Ela representa um eleitor de oposição ao peronismo dentro de uma política conservadora, de austeridade fiscal, que não é radical como Milei”.
A especialista lembra que, no início de sua trajetória política, Bullrich era peronista: “Ela migrou à direita ao se opor a Massa, e confirmou seu caminho de oposição ao atual governo”.
Para Arthur Murta, os votos da terceira colocada serão “pivotais” e o gesto público é importante para o representante da oposição. Segundo o professor, Sergio Massa não é um candidato “tão à esquerda no peronismo” e, por isso, poderia captar uma fatia desse eleitorado. Com o apoio, “esse movimento pode ser revertido em direção a Javier Milei”.
Fonte: cnnbrasil.com.br