Economistas acreditam que o recuo nos preços é ditado por fatores pontuais e que ainda há sinais de preocupação
A queda nos preços de combustíveis e energia levou o país a registrar o segundo mês seguido de deflação. Em agosto, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou negativo em 0,36%, embora analistas esperassem um recuo mais intenso nos preços. Ainda assim, o resultado foi suficiente para que o índice acumulado em 12 meses voltasse ao patamar de um dígito, com taxa de 8,73%, o que não acontecia desde agosto do ano passado.
A receita de deflação de julho, baseada no recuo dos preços de energia elétrica e combustíveis, se repetiu no mês passado, mas de forma menos intensa. Em agosto, a energia elétrica teve queda de 1,27%. A gasolina caiu 11,64%, mas no mês anterior registrara recuo de mais de 15%.
Mesmo assim, o mercado já avalia que o índice pode registrar em setembro seu terceiro mês consecutivo de deflação, puxado pelas seguidas quedas nos preços de gasolina e diesel nas refinarias anunciadas pela Petrobras. A redução do ICMS sobre combustíveis, energia e telecomunicações para 17% (ou 18%, dependendo do estado), que entrou em vigor no fim de junho, também deve contribuir para frear o índice fechado deste mês.
Ainda assim, a avaliação dos economistas é que o recuo nos preços é ditado por fatores pontuais e que ainda há sinais de preocupação no IPCA. Um dos indícios que corroboram essa interpretação é o chamado índice de difusão, que mede a proporção de produtos com alta de preços.
Na passagem de julho para agosto, esse indicador voltou a subir e passou de 63% para 65,25%. Pedro Kislanov, gerente da pesquisa de preços do IBGE, avalia que a inflação está menos disseminada, mas a maioria dos itens ainda sobe de preço.
Diante desse quadro, o mercado vê espaço para novo aumento da taxa básica de juros, atualmente em 13,75% ao ano. Caso esse prognóstico se confirme, analistas avaliam que a Selic poderia subir para 14% ao ano.
Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, escreveu em relatório que o cenário de inflação e a sinalização dos principais bancos centrais no mundo justificam uma “calibragem conservadora da política monetária por um período razoável de tempo”. Ele avalia que a deflação em agosto não traz muito conforto e cita como exemplo as pressões na inflação de serviços.
Além disso, acrescenta que, a depender do resultado da prévia da inflação em setembro e da evolução das expectativas de inflação, o Banco Central pode optar por um aumento final de 0,25 ponto na taxa básica neste mês.
Entre os grupos que tiveram alta de preços em agosto, os destaques foram Saúde e cuidados pessoais (1,31%, puxado por itens de higiene pessoal e plano de saúde) e alimentação e bebidas (0,24%, mas com desaceleração em relação ao mês anterior).
O grupo Vestuário subiu 1,69% e representou a maior variação positiva no IPCA de agosto, com aumento dos preços das roupas femininas, masculinas, calçados e acessórios.
“Há uma comemoração pelo segundo mês de deflação, mas tem componentes que continuam resilientes. Vemos uma inflação demorando a conseguir sair desse patamar alto”, afirma Marcela Rocha, economista-chefe da Claritas Investimentos, que destaca como sinais do espalhamento da inflação itens como higiene pessoal, cursos de educação, aluguel residencial e móveis, que acumulam altas de 7% a até 22% em 12 meses.
Apesar das ressalvas, Marcela reduziu sua projeção para o IPCA no ano de 6,3% para 6%. O banco ABC Brasil prevê inflação fechada no ano de 5,85%, mas avalia que a composição do IPCA é “preocupante” e que deve ocorrer nova alta de 0,25 ponto percentual na reunião do Copom.
Preço dos alimentos
O C6 Bank, que reduziu a projeção para o IPCA de 2022 de 6,5% para 6%, pontuou que a inflação de serviços acumula alta de 8,8% e ainda não mostra tendência clara de desaceleração. “A inflação de preços livres (que exclui administrados) deve continuar desacelerando a passos lentos”, disseram os economistas do banco, em relatório.
A dúvida é quando os juros voltariam a cair no ano que vem. Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, disse no início da semana que a instituição não pensa em queda de juros neste momento e que a batalha contra a inflação ainda não está ganha.
Para Mirella Hirakawa, economista sênior da AZ Quest, o resultado do IPCA de agosto não acelera a queda de juros em 2023, que deve ocorrer somente em meados de maio ou junho do ano que vem:
“Ainda é muito cedo pra falar de corte de juros.”
Marcela Rocha, da Claritas, também prevê que o Banco Central possa cortar juros no segundo trimestre do ano que vem, mas pondera que a redução da Selic depende de mais boas notícias:
“Pelos dados de inflação, o cenário esperado seria o Banco Central postergar esses cortes. A chance é demorar mais e ficar para o segundo semestre de 2023.”
Um dos grupos pesquisados pelo IBGE que ainda preocupam o Banco Central é o de alimentos. Houve alta de 0,24% em agosto, ritmo menor que o de julho, quando os preços subiram 1,30%. O leite longa vida, um dos vilões da inflação recente, caiu 1,78% em agosto, mas acumula alta de 60% em 12 meses.
“Estamos nos aproximando do fim do período de entressafra, que começa a ter mais chuvas, melhorando as pastagens e consequentemente a produção [do leite]. Mas o leite subiu 25% em julho, e a redução foi de magnitude bem inferior”, diz Kislanov, do IBGE.
Outros itens importantes na mesa das famílias tiveram alta de preços, como o frango em pedaços, o queijo e as frutas, que subiram entre 1% e 2%.
Entre no canal do Brasil Econômico no Telegram e fique por dentro de todas as notícias do dia. Siga também o perfil geral do Portal iG.
Fonte: economia.ig.com.br