Em 2021, 80 processos da Primeira Vara da Infância de Cuiabá de conflitos familiares e de relacionamentos foram encaminhados para o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Infância e Juventude. Cerca de 240 pessoas foram atendidas em Círculos de construção de paz, uma média de três pessoas por encontro. O que possibilitou que essas famílias conversassem para construir consensos (acordos), restabelecessem laços familiares e encerrassem a disputa judicial.
Entre os atendidos está o advogado J.A.F.S, 57 anos. Na adolescência, a filha dele, que sofre com problemas psicológicos, ficou grávida e teve um menino, hoje com sete anos. O pai da criança morreu. Preocupado com a criação do neto, o advogado conseguiu na Justiça a guarda do menor, que é compartilhada com a ex-esposa, avó do menino. A mãe da criança ingressou com ação de modificação de guarda.
Percebendo que o conflito familiar não cessaria mesmo com decisão judicial, a Justiça propôs um novo caminho, baseado na Justiça Restaurativa, e encaminhou a família para a prática de Círculos de construção de paz. “Foi uma experiência extremamente valiosa. A facilitadora teve habilidade para que todos os envolvidos estabelecêssemos um diálogo construtivo, contornando discussões inúteis e desavenças pessoais em beneficiado da criança”, avaliou o avô.
J.A.F.S conta que durante os encontros foram definidas questões que envolvem a criança e divisão de responsabilidades, desde horários de sono, tipos de alimentação adequada, até dias em que a criança fica na casa de quem. “A avó paterna, que se sentia excluída do processo também participou do círculo e agora também possui a guarda compartilhada. Durante a semana, de segunda a sexta ele fica na casa da avó paterna. E nos finais de semana, de forma alternada, ele fica com o avô e com a avó maternos”, conta.
Esta família participou de três encontros virtuais, por meio da plataforma Teams, devido às restrições impostas para se evitar o contágio do Coronavírus. “Neste período de pandemia, os atendimentos não pararam, tudo continuou sendo realizado de forma virtual. Em cada um desses atendimentos, as partes têm oportunidade de falar e ouvir, com respeito, num ambiente seguro, e há possibilidade de gerar consensos, de acordo com a necessidade e construção feitas pelas próprias partes, com o acompanhamento de um facilitador ou mediador, conforme o caso, devidamente qualificado”, explica a gestora do Juizado Especial da Infância e Juventude de Cuiabá, instrutora e facilitadora do NugJur, Claudete Pinheiro.
“A pandemia ainda não acabou e a vida em sociedade não para. É fato que as audiências presenciais têm seu valor, o ‘olho no olho’, mas não havendo esta possibilidade, a videoconferência foi uma solução muito inteligente, senão sabe-se lá quando teríamos uma solução para essa questão”, reflete o avô.
A facilitadora do círculo da família de J.A.F.S foi Sirley de Oliveira Campos, 50, credenciada para a função desde 2018. Além de facilitadora, Sirley também é qualificada como mediadora e precisou recorrer de algumas fermentas para obter o sucesso do círculo. Desde o início da pandemia está em Brasília, a adesão das videoconferências possibilitou que ela continuasse prestando o trabalho para o TJMT. “O fato do círculo ser feito de forma remota não muda em nada. Aliás, por envolver tantas pessoas, uma equipe grande, facilita o encontro de todos, cada um de sua casa em frente ao computador comprometido em formar consensos em prol da criança”, aponta.
As práticas restaurativas são estimuladas pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) que tem na sua estrutura o Núcleo Gestor de Justiça Restaurativa (NugJur) e Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Infância e Juventude de Cuiabá (Cejusc da Infância e Juventude), que atuaram em parceria com facilitadores voluntários.
“O Tribunal de Justiça investiu em tecnologia, capacitação e soluções para continuar prestando serviço de qualidade para a sociedade durante a pandemia. A Justiça Restaurativa é um serviço diferente daquele que as pessoas estão acostumadas, mas se mostra muito eficaz”, definiu o juiz coordenador do NugJur e do Cejusc da Infância e Juventude, Túlio Duailibi Alves Souza. “Devemos esse resultado ao incansável trabalho de facilitadores, que são voluntários, ou seja não recebem um centavo pelo serviço que prestam com tanta qualidade a sociedade. A eles o meu muito obrigado”, agradeceu o magistrado.
Alcione dos Anjos
TJMT