Um casal homoafetivo formado por duas mulheres – uma delas grávida após um procedimento de inseminação caseira – obteve na Justiça de Mato Grosso o direito a registrar a criança junto ao cartório de registro civil no nome de ambas, como ascendentes, sem distinção de ascendência paterna ou materna. O bebê também receberá o nome dos respectivos avós maternos. A decisão é do juiz Gilperes Fernandes da Silva, da 4ª Vara Especializada de Família e Sucessões de Cuiabá, que deferiu tutela de urgência pleiteada pelo casal, que convive em união estável desde janeiro de 2019.
As duas mulheres ingressaram na Justiça com uma ação declaratória de maternidade socioafetiva e registro de parentalidade homoafetiva com pedido de tutela antecipada do nascituro.
Nos autos, relataram que quando se conheceram, de imediato manifestaram o desejo de ter filhos e que esse desejo poderia se realizar mediante inseminação artificial. Destacaram ainda que o desejo de formar uma família com filhos passava também pelo desejo de uma delas de gerar uma criança. Para tanto, a solução seria a inseminação artificial. Contudo, em razão dos altos valores cobrados para esse tipo de tratamento, que tornaria esse desejo inalcançável, elas começaram a pesquisar sobre o assunto e tomaram conhecimento de que muitos casais homoafetivos estavam realizando inseminação caseira, em face do baixo custo de sua realização.
As requerentes aduziram que encontraram um conhecido de ambas, pessoa de confiança, que se prontificou a fazer a doação do material genético, assumindo o compromisso do anonimato, e que já na primeira tentativa ocorreu a fecundação, resultando na gravidez. Elas comemoraram o sucesso do procedimento, tendo em vista poderem concretizar o projeto parental e juntas vivenciarem cada etapa da gravidez, o desenvolvimento do bebê, ou seja, uma gravidez compartilhada.
Elas salientaram que vivenciam diariamente o desenvolvimento do bebê e que o amor delas pode ser visto pela família e amigos, que presenciam a formação de uma família feliz, e que vão oferecer ao filho um lar de afeto e carinho que toda criança precisa ter para crescer e se desenvolver de forma saudável.
Discorreram que é desejo de ambas que o bebê seja registrado com duas mães, porém, é sabido que por não ter sido realizado o procedimento de reprodução assistida formal, em clínica especializada, não há previsão legal que autorize o registro materno com as interessadas, somente para aquela que, efetivamente, gere o nascituro.
Ao analisar o processo, o juiz Gilperes da Silva salientou que, à luz do interesse superior do nascituro – princípio consagrado no art. 100, inciso IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente -, as mães possuem as condições e interesse em criar essa criança que nascerá, “de modo que a melhor medida para garantir a fiel representatividade dos fatos é o registro de nascimento em nome de ambas, a fim de conferir o reconhecimento jurídico do status de filho das requerentes.”
Conforme o magistrado, o artigo 1.593 do Código Civil possibilita que as relações biológica e socioafetiva sejam reconhecidas conjuntamente.
O juiz também determinou que seja realizado um estudo social, com oitiva das partes e de vizinhos, se possível, a fim de constatar os fatos alegados e verificar, in loco, a situação noticiada. Esse laudo deverá ser juntado ao processo em 30 dias.
Lígia Saito
TJMT