Enquanto parte dos pré-candidatos ainda não expôs de forma clara quais as suas propostas caso sejam eleitos, a BBC News Brasil procurou especialistas de diversas áreas para que eles apontassem quais são os principais problemas do Brasil que o vencedor ou vencedora das eleições presidenciais deste ano terá que enfrentar nos próximos quatro anos.
Os especialistas indicaram desafios em cinco áreas: economia, saúde, educação, segurança pública e meio ambiente. As áreas coincidem parcialmente com a hierarquia de preocupações indicadas pelos brasileiros em pesquisas de opinião pública.
O relatório mais recente divulgado pelo Datafolha sobre o assunto, em março deste ano, mostra que as maiores preocupações da população são: saúde (22%), violência e economia (15%), desemprego (12%), inflação (10%), e educação (9%).
Na área econômica, os principais desafios apontados foram o combate à chamada estagflação, (recessão associada a inflação alta), redução do desemprego e aumento da rede de proteção social. Na educação, os principais problemas são a melhoria da qualidade da aprendizagem no ensino fundamental e médio, combate à evasão escolar e aumentar o engajamento do aluno com a escola. Na área ambiental, o desafio é a redução das taxas de desmatamento na Amazônia
O consenso entre os especialistas ouvidos é de que os desafios apontados são urgentes e, se não forem enfrentados por quem quer que esteja no comando do Palácio do Planalto a partir de 1º de Janeiro de 2023, o Brasil sofrerá consequências no curto, médio e longo prazos.
Economia: estagflação, desemprego e redução da desigualdade
Em 2019, o produto interno bruto (PIB) cresceu 1,2%. Em 2020, ano em que teve início a pandemia de Covid-19, o PIB caiu 4,1%. Em 2021, houve uma recuperação e a economia cresceu 4,6%, mas ainda menos do que a média mundial, que foi de 5,7%, segundo estimativa da consultoria Austin Rating.
Para 2022, a estimativa não é otimista. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) espera um crescimento de 1,1% enquanto o Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central, estima um aumento de apenas 0,7%. Os dois índices são menores que a estimativa de crescimento do PIB do planeta segundo o Banco Mundial, que é de 4,1% em 2022.
Ao mesmo tempo em que a economia demonstra dificuldade para crescer, a inflação segue em alta. Em 2021, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou em 10,06%, pior número desde 2015.
E enquanto isso, a taxa de desemprego no Brasil registrada pelo governo é de 11,2%, o que equivale a pouco mais de 12 milhões de pessoas.
Para o economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o principal desafio que o próximo presidente da República enfrentará nos próximos anos é a combinação de recessão ou crescimento baixo e inflação em alta, conhecida como estagflação.
“Esse fenômeno é um dos principais problemas que quem quer que assuma a presidência em 2023 vai ter que enfrentar. No mundo, estamos vendo esse cenário de inflação e desemprego altos, mas no Brasil isso é pior, especialmente entre os mais pobres”, afirma o economista.
Na avaliação do economista, a tendência é que o desemprego fique ainda maior uma vez que o Banco Central tem aumentado a taxa de juros básica da economia como uma forma de conter o avanço da inflação.
“Esse aumento da taxa de juros freia a economia, o que pode gerar ainda mais desemprego no futuro”, explica.
Para o sociólogo e professor visitante da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, Marcelo Medeiros, a dificuldade em reverter este cenário cria um novo desafio a quem vencer as eleições: ampliar a rede de proteção social para a população mais vulnerável.
“Há uma tendência de aumento do trabalho informal no Brasil e isso precisa ser enfrentado criando uma rede de proteção social que não seja tão vinculado às contribuições trabalhistas. Hoje, a maior parte dessa rede é financiada por quem está no mercado de trabalho formal. É preciso criar novas formas de financiar essa rede e ampliá-la”, explica o sociólogo.
Segurança pública: polícias, facções e milíO pesquisador Renato Sérgio de Lima diz que reestruturar as carreiras policiais é uma das medidas mais urgentes a serem tomadas
Segundo o Atlas da Violência divulgado em 2021 e produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Ipea, houve 45.503 homicídios no ano de 2019, uma queda de 22,1%.
Apesar disso, a violência é o terceiro problema que mais preocupa os brasileiros, de acordo com o Datafolha.
Na avaliação do pesquisador Renato Sérgio de Lima, que faz parte do FBSP, mesmo diante da tendência de queda na taxa de homicídios no Brasil, quem assumir o governo em 2023 terá três grandes desafios na área da segurança pública: reestruturar as carreiras policiais e aumentar a integração dos órgãos que atuam no setor; conter o crescimento de facções e milícias; e enfrentar a violência contra mulheres.
Lima defende que reestruturar as carreiras policiais é uma das medidas mais urgentes a serem tomadas. Ele diz que essa reestruturação passa tanto pela valorização financeira das carreiras na área de segurança quanto na escolha de um formato mais adequado para as polícias funcionarem.
“É preciso discutir a possibilidade de unificar carreiras das polícias ou de encontrar formas para que os diferentes órgãos atuem de forma conjunta. Hoje, a gente observa que há, cada vez mais, uma atuação isolada. Cada um cuida das suas atribuições e a integração é baixa”, explica.
O pesquisador afirma que a reestruturação das carreiras policiais também é urgente porque há demandas represadas dessas categorias como regras para salários, punições e promoções que, no passado, já resultaram em motins como o da PM do Ceará, em 2020.
Lima diz, também, que a redução na taxa de homicídios não pode tirar de foco a necessidade de conter o avanço de facções criminosas e das milícias. Segundo ele, esses grupos estão penetrando cada vez mais em setores da economia e ganhando força econômica e política.
“As facções e as milícias entraram em uma nova fase de atuação. Talvez, não haja mais tanta violência e mortes, mas elas estão se tornando cada vez mais poderosas porque começam a controlar segmentos da economia. Há facções controlando redes de postos de gasolina, indícios de que estão indo para garimpos de ouro na Amazônia”, diz o especialista.
Para conter esse crescimento, Lima diz que é preciso haver ações integradas focadas no estrangulamento financeiro dessas organizações. “É preciso usar inteligência financeira e investigação para seguir a rota do dinheiro e evitar que elas se expandam ainda mais”, diz o pesquisador.
Lima também diz que é importante que a próxima gestão preste atenção à violência contra a mulher. Dados preliminares divulgados pelo FBSP em março deste ano indicam uma ligeira queda (2,4%) no número de feminicídios em 2021 em relação ao ano anterior. Mesmo assim, 1.319 mulheres foram vítimas desse crime no ano passado.
Além disso, houve um aumento de 3,7% no número de estupros contra mulheres em 2021 na comparação com 2020. No ano passado, foram registrados 56.098 estupros contra pessoas do gênero feminino. Isso significa quase seis estupros por hora.
“A gente vem observando um aumento significativo nesses casos que se intensificou durante a pandemia. Há uma crença de que o Estado não tem muito o que fazer nesses casos, mas a criação de campanhas contra esse tipo de prática mostra que há muito espaço para o poder público atuar”, explica.
Saúde: epidemias, investimentos e retomada
Para o médico sanitarista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Armando Massuda, alguns dos principais desafios a serem enfrentados na área de saúde são, em parte, derivados ou efeitos colaterais dos estragos causados pela pandemia de covid-19.
Na avaliação dele, os três principais desafios são: recuperar o padrão de atendimento do Sistema Único de Saúde e lidar com a demanda reprimida causada pela covid-19; enfrentar o possível surgimento de epidemias que antes estavam controladas; e ampliar as fontes de recursos destinadas para a saúde pública.
Segundo ele, a pandemia gerou uma redução drástica na capacidade do SUS de lidar com outras questões de saúde pública. Milhares de pessoas deixaram de fazer consultas, cirurgias eletivas ou serem atendidas. Um estudo publicado recentemente na revista Lancet mostra que, entre 2019 e 2020, houve uma redução de 25% na quantidade de procedimentos médicos no SUS.
“Isso gerou uma demanda reprimida grande e vai ser um enorme desafio lidar com isso. É preciso preparar o sistema de saúde para aumentar os níveis de produção do SUS e atender a esse público que deixou de ser atendido. Isso gerou consequências graves para a população”, explica.
Massuda explica que já havia uma tendência de queda no número de procedimentos realizados pelo SUS antes mesmo da pandemia.
Ele diz que outro problema a ser enfrentado é a possibilidade do surgimento de novas epidemias de doenças que antes estavam sob controle no Brasil como o sarampo.
Dados compilados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostram que a a cobertura contra a tríplice viral, que inclui o sarampo, caxumba e rubéola, caiu de 93,1%, em 2019, para 71,49% em 2021. A cobertura contra a poliomielite caiu de 84,2%, em 2019, para 67,7%, em 2021.
“Esse (ressurgimento de epidemias) é um cenário com o qual o próximo gestor, qualquer ele que seja, vai ter que lidar. É preciso ampliar os investimentos em ações de prevenção como a vacinação para evitar que isso ocorra”, explica Massuda.
O sanitarista diz ainda que para lidar com a demanda reprimida no sistema de saúde e evitar o ressurgimento de doenças controladas anteriormente será necessário ampliar e qualificar os investimentos na área de saúde.
“Não se faz tudo isso sem recursos. É preciso que a gente encontre novas formas de financiar o SUS e, principalmente, que isso não dependa de emendas parlamentares. É preciso um compromisso firme do Estado em relação a isso”, defende Massuda.
Educação: qualidade e mercadoBrasil tem desafios da educação básica ao ensino superior
A co-fundadora e presidente-executiva da organização não-governamental Todos Pela Educação, Priscila Cruz, diz que é preciso diminuir as taxas de evasão escolar, melhorar a qualidade da aprendizagem e aumentar o engajamento do aluno com a escola.
“Os dados indicam que houve um aumento da evasão escolar durante a pandemia. Isso é ruim porque nós já tínhamos índices altos. Trazer o aluno de volta pra sala de aula e tirar esse atraso causado pela pandemia é um dos desafios mais urgentes”, explica Priscila.
A melhoria da qualidade também apontado por ela como um problema urgente para quem assumir o comando do país.
“A qualidade do ensino é um gargalo conhecido na educação brasileira e melhorar isso é fundamental se a gente quiser dar um salto nesse quesito. Felizmente, hoje há soluções que já foram testadas em vários lugares do Brasil e que a gente sabe que funciona. Basta dar escala a elas”, diz Priscila.
Em relação ao ensino superior, o sociólogo Marcelo Medeiros afirma que o grande desafio do próximo governo será ampliar a oferta de cursos superiores de qualidade numa proporção que acompanhe o crescimento da população que completa o ensino médio.
“Nos últimos anos, a gente viu um aumento dos jovens que completam o ensino médio e querem ingressar no ensino superior. Até agora, essa demanda foi absorvida, na sua maioria, por cursos privados de baixíssima qualidade. Isso gera problemas no mercado de trabalho. O desafio é absorver esses jovens e oferecer educação superior de qualidade”, defende Medeiros.
O economista Marcelo Neri diz ainda é que preciso aproximar a educação no Brasil das demandas do mercado de trabalho.
“A gente conseguiu muitos avanços na educação nos últimos anos, mas sem consequências econômicas significativas. Agora, o desafio é potencializar esses ganhos educacionais e encontrar formas de aproximar esse jovem do mercado de trabalho. Precisamos recuperar o atraso”, diz o economista.
Meio Ambiente: desmatamento, quadrilhas e mudanças climáticasCerrado é um dos biomas mais ameaçados do Brasil
Poucas áreas do governo brasileiro chamam tanto atenção da comunidade internacional quanto a ambiental. Nos últimos anos, o avanço do desmatamento no Brasil fez com que personalidades nacionais e estrangeiras se manifestassem sobre o assunto.
Os dados mostram que o cenário a ser encontrado pelo próximo presidente (ou por Bolsonaro caso ele seja reeleito) é complexo. As taxas de desmatamento na Amazônia vêm se mantendo altas ao longo dos últimos anos.
Desde 2019, a taxa anual de desmatamento se manteve acima dos 10 mil quilômetros quadrados, algo que não acontecia desde a primeira década dos anos 2000. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), houve um crescimento de 22% no desmatamento entre 2020 e 2021 (dado mais recente). No ano passado, foram desmatados 13 mil quilômetros quadrados de floresta amazônica.
O problema, porém, não se concentrou apenas no bioma amazônico. O desmatamento também cresceu no Cerrado.
Junto com ele, o Brasil também vem observando o avanço de garimpeiros ilegais em áreas protegidas como nas terras indígenas Yanomami (em Roraima e no Amazonas) e Munduruku, no Pará.
Para a pesquisadora sênior do Observatório do Clima Suely Araújo, os principais desafios do Brasil na área ambiental serão: reduzir as taxas de desmatamento ilegal em todos os biomas, fortalecer e reestruturar os órgãos de proteção ambiental e acelerar o processo de transição para uma nova matriz energética mais limpa e menos dependente dos combustíveis fósseis.
“Não vamos conseguir reduzir as taxas de desmatamento sem fortalecer os órgãos de controle. Hoje, nós temos verdadeiras quadrilhas operando nos garimpos, na extração de madeira ilegal e na grilagem de terras públicas. Isso vai requerer um esforço muito grande do próximo governo, se isso for uma prioridade para ele”, afirma Suely.
A pesquisadora afirma que é preciso que a questão ambiental faça parte de todas as agendas do governo e não fique restrita apenas a um ministério. Segundo ela, também é urgente que o governo reveja sua política energética. Segundo ela, o Brasil está indo na contramão do mundo ao abrir mais áreas de exploração de petróleo em vez de passar a investir, cada vez, em fontes de energia renováveis e limpas.
“O Brasil parece querer se tornar o último vendedor de petróleo do mundo. Nós temos que acelerar o processo de descarbonificação da nossa economia e diminuir nossa dependência do petróleo como fonte de energia. Esse é um desafio urgente”, explica.
Fonte:: bbc.com