George Santos: o que pode acontecer com o filho de brasileiros eleito nos EUA após mentir sobre biografia

George Santos: o que pode acontecer com o filho de brasileiros eleito nos EUA após mentir sobre biografia
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George Santos deve ser empossado em 3 de janeiro

Graduado em uma das universidades mais prestigiadas de Nova York. Ex-funcionário de bancos de investimentos. Dono de 13 imóveis. “Orgulhoso judeu americano”, neto de judeus ucranianos que fugiram da perseguição nazista primeiro para a Bélgica e depois para o Brasil durante a 2ª Guerra Mundial. Fundador de um ONG de proteção a cães e gatos…

É longa a lista de predicados de George Santos, de 34 anos, filho de imigrantes brasileiros que, nascido em Nova York, entrou para a política para “combater a esquerda radical” que ameaça “o sonho americano”. Com esse discurso, ele ganhou uma vaga na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil) pelo Partido Republicano, do ex-presidente Donald Trump, nas últimas eleições, em novembro.

Mas tudo não passava de alegações falsas que ele próprio inventou, segundo a imprensa americana.

As revelações foram trazidas a público pelo jornal New York Times, após Santos, o primeiro republicano gay assumido a ser eleito para o Congresso, ganhar a vaga pelo 3º Distrito Congressional de Nova York, que cobre partes dos distritos de Long Island e Queens.

A eleição de Santos ajudou o Partido Republicano a retomar o controle da Câmara dos Representantes. O partido do ex-presidente Trump tem agora ligeira maioria sobre o Partido Democrata, do atual presidente Joe Biden, o que pode representar um desafio para seu mandato.

Santos será empossado no próximo dia 3 de janeiro e, apesar das críticas, inclusive de membros de seu partido, não planeja renunciar ao cargo.

Em entrevista ao jornal New York Post, ele pediu desculpas após admitir que mentiu sobre sua formação educacional e profissional.

“Meus pecados aqui estão floreando meu currículo. Sinto muito”, disse ele ao diário.

Santos insistiu que “não era um criminoso” e disse que a polêmica não o impediria de cumprir seu mandato de dois anos no Congresso.

Mas o que pode acontecer com Santos?

Segundo a imprensa americana, é uma situação “verdadeira sem precedentes”, escreveu a revista online Slate.

Não é a primeira vez que um candidato mente ao público na história dos EUA. Mas é comum que essas farsas sejam normalmente reveladas durante a corrida eleitoral e, exploradas por seus opositores, acabem levando à derrota do mentiroso.

Foi o caso, por exemplo, do candidato republicano JR Majewski, que mentiu sobre ter sido enviado ao Afeganistão enquanto servia na Força Aérea.

Já o também republicano Herschel Walker, que concorreu ao Senado pelo estado da Geórgia, supostamente mentiu durante sua campanha sobre pagar por vários abortos femininos, servir nas Forças Armadas e ter sido um agente do FBI, a polícia federal americana.

Mas nem Majewski nem Walker foram eleitos.

As falsas alegações de Santos foram usadas por ele como credenciais para servir no Congresso e se provaram essenciais para o sucesso de sua campanha (ler mais abaixo).

E o que o Congresso pode fazer sobre isso?

Santos é admirador de Trump e se elegeu pelo Partido Republicano, do ex-presidente

Não muito, e certamente nada até que Santos seja empossado em uma semana, segundo a imprensa americana.

O comitê de ética da Câmara e do Senado normalmente investiga os legisladores por ações executadas enquanto servem como parlamentares — não pelo que fizeram antes de iniciar seus mandatos.

Houve algumas exceções, como em 2017, quando o ex-democrata de Nevada Rubén Kihuen foi investigado por “avanços indesejados” a uma funcionária durante sua campanha. Naquela época, o comitê de ética do Congresso concluiu que Kihuen se envolveu em comportamento impróprio e assédio sexual — mas ele não renunciou. Em vez disso, Kihuen optou por não buscar a reeleição em 2018.

Ainda não está claro o que o Congresso vai fazer sobre Santos. Assim que for empossado, ele provavelmente será alvo de investigações éticas.

Mentir não é crime, mas, segundo a imprensa americana, Santos pode ter problemas reais se ele infringir qualquer lei de financiamento de campanha.

E há motivos para suspeitar disso: em sua declaração de bens de sua fracassada campanha de 2020, Santos declarou quase nenhum patrimônio e um salário anual de US$ 55 mil (cerca de R$ 290 mil em valores atuais).

Já em sua campanha de 2022, sua declaração de bens apontava um salário anual de U$ 750 mil (R$ 4 milhões) e vários milhões em ativos — mas nenhuma documentação explica esse salto. Não há detalhes públicos sobre a Devolder Organization, sua suposta “empresa familiar” que alegadamente administrava US$ 80 milhões (R$ 424 milhões) em ativos, o que poderia ser uma violação da lei federal que exige a divulgação de qualquer compensação superior a US$ 5 mil (R$ 27 mil) de uma única fonte.

A Câmara dos Representantes só pode impedir candidatos de ocupar cargos se eles estiverem mentindo sobre sua residência no estado, idade e cidadania, de acordo com um caso já julgado pela Suprema Corte.

E os membros podem ser expulsos após assumirem o cargo por qualquer má conduta se dois terços da Câmara apoiarem a expulsão.

Nesta quinta-feira, a promotoria do condado de Nassau, no estado de Nova York, anunciou a abertura de uma investigação contra Santos, mas isso não será o suficiente para impedir sua posse.

Entenda o caso

Em uma reportagem publicada em meados deste mês após a eleição de Santos, o New York Times afirmou que ele havia mentido sobre grande parte de sua biografia.

Intitulada “Quem é o deputado eleito George Santos? Seu currículo pode ser em grande parte ficção”, o jornal escreveu que “Santos, um republicano de Nova York, diz que é a ‘incorporação do sonho americano’. Mas ele parece ter adulterado vários destaques de sua carreira”.

Na ocasião, um advogado de Santos reagiu às alegações de que ele mentiu, descrevendo-as como “difamatórias” e uma “saraivada de ataques”.

Durante sua campanha, Santos disse que trabalhou no Goldman Sachs e no Citigroup, dois grandes bancos de investimento.

Em entrevista concedida ao New York Post após a reportagem do New York Times, ele acabou confessando que “nunca trabalhou diretamente” para nenhuma das empresas, admitindo que foi uma “má escolha de palavras”.

Santos alegou que, na verdade, trabalhou em uma empresa chamada Link Bridge, como vice-presidente, onde fez negócios com os dois gigantes financeiros.

Ele também admitiu que não foi para a faculdade, apesar de afirmar anteriormente ter se formado no Baruch College, uma prestigiosa instituição de ensino de Nova York, em 2010.

“Não me formei em nenhuma instituição de ensino superior. Estou constrangido e arrependido por ter enfeitado meu currículo”, disse. “Admito isso… Fazemos coisas estúpidas na vida.”

Seu oponente democrata, Robert Zimmerman, tuitou que Santos admitiu ser um mentiroso e disse que deve ser responsabilizado pelo Departamento de Justiça por suas ações.

Em outro tuíte, ele também sugeriu que Santos deveria “renunciar e concorrer contra mim em uma eleição especial” e “enfrentar os eleitores com seu passado real”.

Santos disse ao New York Post: “Fiz campanha falando sobre as preocupações das pessoas, não sobre meu currículo… Pretendo cumprir as promessas que fiz durante a campanha.”

Apoiador do ex-presidente Donald Trump, Santos já posou com Eduardo Bolsonaro (PL-SP), defendeu cloroquina como medicamento eficaz contra a covid (não há comprovação científica) e se posicionou contra a chamada “ideologia de gênero”.

Veja as principais alegações feitas por Santos:

Educação: Santos admitiu que não se formou em nenhuma instituição de ensino superior depois de inicialmente afirmar que se formou no Baruch College em 2010.

Carreira profissional: durante sua campanha deste ano, Santos afirmou que teve passagens pelos gigantes financeiros Citigroup e Goldman Sachs, mas agora admite que isso não é verdade, e disse ao The New York Post que seu trabalho como vice-presidente da LinkBridge Investors lhe permitiu trabalhar com essas empresas, mas não diretamente para elas, culpando uma “má escolha de palavras”.

Registro criminal: O New York Times relatou ter encontrado documentos judiciais no Brasil mostrando que, quando ele tinha 19 anos, confessou à polícia que preencheu cheques (incluindo para comprar um par de sapatos) com um talão de cheques roubado, embora Santos negue. Ele disse ao New York Post: “Não sou um criminoso aqui — nem aqui ou no Brasil ou em qualquer jurisdição do mundo.”

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o dono da pequena loja em Niterói, no Rio de Janeiro, que denunciou Santos por estelionato em 2008, afirmou que ele, então com 19 anos, comprou R$ 2.144 em roupas. “Eu lembro porque tive que pagar esse valor do meu bolso”, disse Carlos Bruno Simões.

Imóveis: Santos afirmou anteriormente que ele e sua família têm 13 propriedades, mas agora admite que não tem nenhuma propriedade em seu nome.

Ação de despejo: O New York Times afirmou que Santos foi alvo de processos de despejo. Depois de negar inicialmente as acusações, Santos confirmou que um juiz realmente ordenou que ele pagasse mais de US$ 12 mil a um ex-proprietário em Sunnyside, Queens. Segundo Santos, isso aconteceu pois ele estava com dívidas médicas após a luta de sua mãe contra o câncer.

Casamento com uma mulher: O site de notícias The Daily Beast relatou que Santos, o primeiro republicano abertamente gay a ganhar uma cadeira na Câmara, deixou de revelar um casamento anterior com uma mulher durante sua campanha, embora agora diga ao NY Post que é um homem gay casado e feliz e confortável com sua sexualidade.

Antecedentes familiares: O site de sua campanha dizia que seus avós maternos eram “imigrantes belgas que fugiram da devastação da 2ª Guerra Mundial na Europa”, mas eles nasceram no Brasil.

Santos disse em uma entrevista em vídeo que há muito ouvia a história de seus avós serem refugiados do Holocausto, embora diga que nunca afirmou ser judeu (ele se identifica como católico), alegando que a herança judaica de seus avós maternos o tornou “judeu”.

Funcionários mortos na boate Pulse: Santos afirmou, durante sua campanha, que quatro de seus funcionários foram mortos quando um atirador abriu fogo na boate gay Pulse, em Orlando, na Flórida, em 2016. Mas não há evidências de ligações de nenhum dos mortos com o comitê de campanha de Santos. Posteriormente, Santos afirmou que as quatro pessoas estavam “em processo de contratação”.

“Perdemos quatro pessoas que viriam trabalhar para a empresa que eu estava abrindo em Orlando”, disse ele.

ONG: Santos afirmou que fundou a ONG Friends of Pets United de 2013-2018 e afirmou ter resgatado mais de 2.400 cães e 280 gatos, embora o New York Times tenha relatado que não há nenhum documento oficial do Fisco americano que aponte para a existência dessa instituição. Santos alega agora que apenas ajudou a encontrar lares adotivos para os animais.

Fonte:    bbc.com


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