Os gastos militares globais continuam a aumentar. Principalmente por causa da guerra de agressão russa contra a Ucrânia, eles deram um salto de 3,7% em 2022 em relação ao ano anterior, considerando a inflação. Chegaram ao patamar de 2,24 trilhões de dólares (R$ 11,3 trilhões), conforme o novo relatório anual do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri), um dos principais think tanks globais de segurança, divulgado nesta segunda-feira (24/04).
Assim, pelo oitavo ano seguido as nações do mundo gastaram mais dinheiro com suas forças armadas do que no ano anterior. Sem considerar a inflação, o aumento seria de 6,5%.
Os EUA continuam liderando a lista, com ampla vantagem, seguidos por China e Rússia. A Alemanha vem em sétimo lugar.
Alta de 13% na Europa
O maior aumento nos gastos ocorreu na Europa, que registrou alta (ajustada pela inflação) de 13%, o maior crescimento anual na era pós-Guerra Fria. Isto deveu-se principalmente ao salto das despesas militares na Rússia e na Ucrânia. A ajuda militar a Kiev e as preocupações com o aumento da ameaça da Rússia, de acordo com Sipri, também influenciou as decisões de gastos de muitos outros países.
Muitos países do antigo bloco oriental mais do que dobraram seus gastos militares desde 2014 – o ano da anexação da Crimeia pela Rússia. Em 2022, os países da Europa Central e Ocidental gastaram um total de 345 bilhões de dólares em defesa. Com isso, superaram, considerando a inflação, pela primeira vez os valores de 1989, quando a Guerra Fria terminou.
“A invasão russa da Ucrânia em fevereiro de 2022 afetou diretamente as decisões desses países. Foi o que demonstraram, por exemplo, em planos plurianuais de aumento de gastos”, disse o especialista em Sipri, Diego Lopes da Silva. Como resultado, podem ser esperados novos aumentos nos próximos anos.
“Independentemente de as economias estarem indo melhor ou pior do que o esperado, os militares estão absorvendo mais recursos financeiros do que nos anos anteriores ou mesmo mais do que nunca na história”, disse à DW Nan Tian, pesquisador sênior do Sipri e um dos autores do relatório.
Preocupação com segurança
Os gastos com defesa entre os membros da Otan, a aliança militar da qual muitos países europeus fazem parte, vem aumentando desde pelo menos 2014. Foi quando a Rússia atacou a Ucrânia pela primeira vez, anexando ilegalmente a península da Crimeia e apoiando separatistas na parte oriental do país. Os membros da Otan concordaram em atingir uma meta de gastos com defesa de 2% do PIB nacional até 2024, e muitos deles estão lentamente chegando lá.
Os governos estão respondendo a uma sensação crescente de deterioração da segurança e, assim, contribuindo para o aumento dos gastos com defesa. Ao mesmo tempo, no entanto, os dados do Sipri mostram que a onda de gastos pode não ser tão pronunciada quanto as manchetes e os formuladores de políticas às vezes fazem parecer.
Embora os gastos reais tenham aumentado, chegando a 2,2 trilhões de dólares combinados em 2022, como parcela do PIB, eles são 0,1% menores do que em 2013. Isso ocorre apesar dos aumentos de dois dígitos na última década em muitos países, incluindo Estados com armas nucleares e aqueles conhecidos por priorizar suas forças armadas, como China (63%), Índia (47%) e Israel (26%).
Mais gastos também devido à inflação
Em cada um desses lugares, no entanto, os gastos com defesa diminuíram como porcentagem da produção econômica nacional.
A discrepância sugere que a expansão econômica ultrapassou os orçamentos nacionais para áreas como defesa, mesmo que os números em dólares possam parecer impressionantes; e a inflação rápida e recorde forçou os governos a gastarem mais.
Em outras palavras, eles perderam o poder de compra. Um ministério da defesa enfrenta pressões de preços semelhantes ao comprar um esquadrão de caças a jato que uma família normal enfrenta ao comprar uma caixa de ovos.
Os países que procuram não apenas manter, mas aumentar ou atualizar suas forças armadas, precisam gastar ainda mais, é o que reflete o relatório do Sipri. “Apesar dos países terem aumentado os gastos em 15%, em termos nominais, se você ajusta a inflação, eles até diminuem, dependendo do caso”, diz Nan Tian.
A inflação tem sido um problema político, particularmente na Alemanha, que no início do ano passado prometeu 100 bilhões de euros em verba adicional para suas forças armadas, em resposta à agressão russa, depois de anos enfrentando críticas por não gastar o suficiente.
A soma, que é adicionada ao orçamento regular de defesa da Alemanha, não está incluída nos dados do Sipri, porque esse dinheiro ainda não estava disponível para ser gasto no ano passado. Mesmo quando os fundos começarem a fluir, a Alemanha ainda pode ficar aquém dos objetivos da Otan, de acordo com uma análise do Instituto Econômico Alemão no final do ano passado.
Gastos militares não cobrem só armas
Os estabelecimentos de defesa nacional são instituições em expansão, empregando milhões de milhares de civis e militares, às vezes em lugares distantes e hostis, a um grande custo. Essas pessoas precisam ser alimentadas e vestidas, e ter uma administração para gerenciá-las.
Mais gastos, portanto, não se traduzem necessariamente em mais armas e forças de combate atualizadas. Embora a indústria bélica esteja crescendo e sob pressão para atender à demanda, os ministérios da defesa também estão pagando para manter as luzes acesas e os banheiros limpos, como em qualquer escritório.
O aumento ano a ano também se reflete na ajuda militar, que teve um aumento excepcional devido à guerra da Rússia na Ucrânia. Só os Estados Unidos contribuíram com mais de 47 bilhões de dólares para a defesa da Ucrânia, de acordo com o Instituto para Economia Mundial, de Kiel, na Alemanha.
A parcela dos gastos que vai diretamente para ferramentas de morte e destruição varia de acordo com o país e pode ser difícil avaliar com que eficácia. Isso ocorre porque há um “efeito de atraso”, segundo Nan Tian.
Sistemas de armas são grandes e complexos e podem levar anos para serem desenvolvidos, depois adquiridos e colocados em serviço. Muitas das aeronaves, baterias de mísseis e veículos blindados considerados de primeira linha, e que a Ucrânia pressionou para receber dos membros da Otan, têm décadas.
Alguns dos gastos mais recentes, observa o Sipri, estão indo para a modernização das forças nucleares que a maioria espera que nunca sejam usadas.
EUA assumem 39% dos gastos globais
Os EUA, que sempre é de longe o líder em produção militar, continua na ponta em 2022, com um orçamento oficial de defesa de 877 bilhões de dólares, segundo o relatório. Isso representa 39% dos gastos militares globais.
Esses gastos com defesa são menores, como porcentagem do PIB dos EUA, do que em 2013, e estão muito longe do recorde alcançado na Guerra Fria de quase 10%.
A China está em um distante segundo lugar, gastando 292 bilhões de dólares no ano passado. Apesar da diferença entre as duas maiores economias do mundo, muitas autoridades americanas e analistas de segurança alertam que a China está ganhando vantagem militar.
Na medida em que isso é verdade, pode ter a ver com a área em que esse dinheiro está sendo gasto. Enquanto a China está exercendo sua força militar em sua parte do Pacífico, os EUA parecem decididos a manter sua pegada de segurança em todo o mundo – uma tática que mantém desde a Segunda Guerra Mundial.
Fonte: dw.com