JUACY DA SILVA
“Mensagem de Sua Santidade Papa Francisco, para a Celebração do Dia Mundial de Oração pelo Cuidado com a Criação.01 de setembro de 2022 Queridos irmãos e irmãs! «Escuta a voz da criação» é o tema e o convite do «Tempo da Criação» deste ano.
O período ecumênico começa no dia 01 de setembro com o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação e termina em 4 de outubro com a festa de São Francisco. É um momento especial para todos os cristãos, a fim de orarmos e cuidarmos, juntos, da nossa casa comum. Inspiração originária do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, este «Tempo» é uma oportunidade para aperfeiçoarmos a nossa «conversão ecológica», uma conversão encorajada por São João Paulo II como resposta à «catástrofe ecológica» pressagiada por São Paulo VI já em 1970.
Se se aprende a escutá-la, notamos uma espécie de dissonância na voz da criação. Por um lado, é um canto doce que louva o nosso amado Criador; por outro, é um grito amargo que se lamenta dos nossos maus-tratos humanos.
Esta canção doce, infelizmente, é acompanhada por um grito amargo. Ou melhor, por um coro de gritos amargos.
Primeiro, é a irmã e Mãe Terra que grita. À mercê dos nossos excessos consumistas, geme implorando para pararmos com os nossos abusos e a sua destruição. Depois gritam as diversas criaturas.
À mercê dum «antropocentrismo despótico» (Laudato si‘, 68), nos antípodas da centralidade de Cristo na obra da criação, estão a extinguir-se inúmeras espécies, cessando para sempre os seus hinos de louvor a Deus.
Mas gritam também os mais pobres entre nós. Expostos à crise climática, sofrem mais severamente o impacto de secas, inundações, furacões e vagas de calor que se vão tornando cada vez mais intensas e frequentes.
E gritam ainda os nossos irmãos e irmãs de povos indígenas. Por causa de predatórios interesses econômicos, os seus territórios ancestrais são invadidos e devastados por todo o lado, lançando «um clamor que brada ao céu» (Francisco, Exortação apostólica, pós-sinodal Querida Amazonia, 9).
Enfim gritam os nossos filhos. ameaçados por um egoísmo míope, os adolescentes pedem-nos ansiosamente, a nós adultos, que façamos todo o possível para prevenir ou pelo menos limitar o colapso dos ecossistemas do nosso planeta.
Durante este «Tempo da Criação», rezemos para que as cimeiras (Conferências do clima e da biodiversidade) COP27 e COP15 possam unir a família humana (cf. ibid., 13) para enfrentar decididamente a dupla crise do clima e da redução da biodiversidade.
Recordando a exortação de São Paulo para nos alegrar com os que se alegram e chorar com os que choram (cf. Rm 12, 15), choremos com o grito amargo da criação, escutemo-lo e respondamos com os fatos para que nós e as gerações futuras possamos ainda alegrar-nos com o canto doce de vida e de esperança das criaturas.” (Parte da Mensagem do Papa Francisco, `a Igreja espalhada pelo mundo todo, inclusive a Igreja no Brasil, sobre o Dia Mundial de Oração e abertura do Tempo da Criação. Vaticano, 16/07/2022)”.
Há pouco mais de 7 anos, no dia 24 de Maio de 2015, o Papa Francisco publicou a Encíclica LAUDATO SI (DEUS SEJA LOUVADO), escrita com apoio e assessoramento de Bispos, Cardeais, cientistas, leigos, leigas, religiosos e religiosas, tentando englobar em uma mesma publicação, a Encíclica, um cabedal de conhecimento, reflexões e exortações quanto ao que está acontecendo com a “nossa Casa Comum”, ou seja, com o Planeta Terra.
Mesmo antes do surgimento da Laudato Si, em várias partes do mundo, inclusive no Brasil tanto a Igreja Católica quanto algumas evangélicas e também outras religiões não cristãs, como o islamismo, o budismo, o induísmo, outras seitas e grupos religiosos, vinham chamando a atenção da opinião pública em geral e dos fiéis em particular, sobre as razões pelas quais o planeta, todos os ecossistemas e biomas vinham e continuam sendo degradados, destruídos, gerando ou agravando uma série de problemas ambientais como mudanças climáticas, aquecimento global, poluição do ar, dos mares/oceanos, solo e das águas, desertificação, extinção da biodiversidade, desmatamento, queimadas, derretimento das calotas polares e das geleiras, aquecimento e elevação do nível do mar e aumento de catástrofes naturais, tudo isto tendo como origem a forma predatória e irracional das relações da humanidade com a natureza e também em decorrência de modelos sócio-econômicos e culturais que não respeitam, de um lado os limites do planeta e de outra a falta de respeito `a dignidade humana, principalmente em relação aos trabalhadores.
Tais modelos tem levado a um consumismo sem limites, a uma enorme concentração de renda, riqueza, propriedade e capital em poucas mãos, uma minoria, não mais de que 5% da população mundial, e, de outro a exclusão de mais de 60% da população que a cada dia ficam mais excluídos, tendo que conviver com a fome, com a miséria, com a insegurança alimentar e nutricional e todas as demais formas de violência.
Desta forma, é importante que no período de 01 de Setembro até 04 de Outubro, o chamado TEMPO DA CRIAÇÃO, possamos refletir mais profundamente como está o “CUIDADO COM A NOSSA CASA COMUM”, ou seja, a partir de nossa realidade mais próxima, nossas comunidades, nossos municípios, nossas cidades, nossos Estados e nosso País, qual é a realidade socioambiental, quais os principais problemas ambientais, ecológicos que nos ameaçam?
Em relação a Mato Grosso, por exemplo, vemos que a cada dia continuam o desmatamento do cerrado, do pantanal, da amazônia; as queimadas, a grilagem de terra, as invasões dos territórios indígenas, a destruição das nascentes e a morte dos rios, a morte anunciada do Pantanal, os garimpos e a mineração que deixam um imenso passivo ambiental, a falta de saneamento básico que acaba aumentando a poluição e a morte de nossos córregos e rios; o uso indiscriminado de agrotóxicos que acabam envenenando os alimentos e os biomas, destruindo e extinguido nossa rica biodiversidade, o consumismo, o desperdício, a falta de uma educação ambiental/ecológica que denota a falta de uma consciência em relação aos cuidados com a natureza e a falta de compromisso com as futuras gerações.
Aliado a todas essas mazelas, podemos também apontar a falta de políticas públicas voltadas para a preservação e conservação do meio ambiente e da mesma forma, a falta de articulação e interação entre as ações governamentais nos três níveis de governo: União, Estados e Municípios e desses com o setor produtivo e a sociedade em geral.
Este TEMPO DA CRIAÇÃO, cujo tema em 2022 é “Ouça a Voz da Criação”, representa uma ótima oportunidade para refletirmos e também agirmos procurando ouvir esta voz, como nos exorta o Papa Francisco na Laudado Si (que é o Evangelho da Criação) dizendo “o clamor/gemido da terra é também o clamor dos pobres”.
No contexto tanto enfatizado de que “tudo está interligado, nesta Casa Comum”, Francisco chama a nossa atenção para a repercussão que a destruição e degradação de qualquer parte dos ecossistemas geram impactos além fronteiras, pois só existe um planeta terra e ao destruímos este planeta não temos para onde ir. Esta é a catástrofe sempre anunciada que a cada dia se torna mais grave e urgente a evitar.
Falando neste sentido da urgência em relação a uma mudança radical de paradigma tanto em relação aos sistemas e modelos econômicos e sociais quanto a um estilo de vida extremamente materialista, fica bem claro que precisamos também, como pessoas, famílias e consumidores mudarmos, radicalmente, nosso modelo consumista, perdulário que gera cada vez mais rejeitos, lixo e poluição. Este é o cerne da proposta do Papa na “Economia de Francisco e Clara” e em seus tres “Ts”: Terra, teto e trabalho.
Na Laudato Si, O Papa Francisco chama nossa atenção dizendo “O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família human a na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar” (Laudato Si, 13).
Esta é a dimensão de esperança que precisamos nutrir, cultivar, principalmente neste TEMPO DA CRIAÇÃO, reconhecendo que “todo o universo material é uma linguagem de amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água (as nascentes, os rios, os mares), as montanhas (a biodiversidade): tudo é carícia (e criação ) de Deus” (Laudato Si, 84). Por isso devemos respeitar cada vez mais e não destruirmos irracionalmente como está acontecendo, as obras da criação.
Para finalizar esta reflexão, gostaria de transcrever o parágrafo final de um artigo magistral do Arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira Azevedo, atualmente Presidente da CNBB, escrito em 17 de Julho de 2015, pouco mais de 2 meses após a publicação da Encíclica Laudato Si, intitulado “O Evangelho da Criação”.
Vejamos, o que dizia Dom Wlamor, “É preciso acolher as diferentes luzes que podem indicar no fim do túnel a abertura de nova etapa para a humanidade, especialmente no que se refere ao modo de viver na “casa comum”. Indispensável é a luz da fé em diálogo com o pensamento filosófico, que produz força de sustento no processo de cultivar a paz, a justiça e a prática efetiva da solidariedade. Nesse sentido, a fé cristã tem contribuições muito significativas e indispensáveis para promover o cuidado com a natureza. A fé desperta a consciência de cada pessoa a respeito de seu próprio lugar no conjunto da criação, a partir da obediência amorosa ao seu Criador. A força da fé, indubitavelmente, alcança mais resultados que protocolos mesquinhamente boicotados no escondido das sombras, formadas pela ambição sem limites e por descasos humanitários tão frequentes. Todos estão convocados ao conhecimento das convicções fundamentais da fé cristã para qualificar o exercício da cidadania com tudo o que é único, próprio e indispensável do Evangelho da Criação.”.
Ao encerrar este artigo/reflexão, destaco que durante os 34 dias do Tempo da Criação (de 01 de setembro até 04 de Outubro), existem diversas datas comemorativas que, direta ou indiretamente, nos remetem `a ecologia integral e ao cuidado com a “casa comum”. Assim, imagino que, como nos recomenda o Papa Francisco, em todas as Igrejas Cristãs, no caso da Igreja Católica, nas Arquidioceses, nas dioceses, paróquias e comunidades, seria de bom alvitre que houvesse um momento de reflexão sobre as “obras da criação”, sobre o que podemos e devemos realizar para enfrentarmos os desafios socioambientais que nos cercam, dentro da máxima “pensar globalmente e agir localmente”.
Aproveito esta reflexão para relacionar algumas dessas datas comemorativas do mês de setembro e os primeiros dias de outubro. 03 de Setembro – Dia do biólogo; 05 Dia da Amazônia; 07 Independência do Brasil (como andam as questões socioambientais/ecológicas em nosso país, quando vamos comemorar 200 anos de nossa independência, o que nos reserva o futuro em termos de crise socioambiental?); 07 Dia Internacional do ar limpo (combate `a poluição do ar); 11- Dia Nacional do Cerrado; 13 – Dia do Eng. Agrônomo/Enga. Agrônoma; 16- Dia Internacional para a preservação da camada de ozônio; 21 – Dia da Árvore ( como andam o desmatamento e a arborização urbana em nossas cidades?); 22 – Dia da Primavera (a estação da esperança); 22 – Dia mundial sem carros (vamos reduzir a poluição decorrente do uso de combustíveis fósseis?); 22- Dia Nacional de Defesa da fauna; 01 Outubro – Dia Mundial do vegetarianismo (como mudar nossos hábitos alimentares e preservar o meio ambiente?); 02 outubro – Dia Mundial do Habitat e, Dia 04 de Outubro – Dia de São Francisco de Assis; Dia da Natureza e Dia dos Animais.
Como podemos perceber, ao longo do “Tempo da Criação”, devemos refletir mais profundamente sobre alguns aspectos no que concernem a um melhor cuidado com a “Casa Comum”, como disseram os Bispos Japoneses (referência na Laudato Si, 85) “Sentir cada criatura que canta o hino de sua existência é viver jubilosamente no amor de Deus e na esperança”. Por isso, este Tempo da Criação nos exorta a “ouvir a voz da criação”.
Oxalá, cristãos e não cristão possam comungar de um pensamento comum, e ações concretas, pois precisamos salvar o planeta, a ecologia integral enquanto é tempo. E este tempo é agora, amanhã, pode ser tarde demais.
Aproveite este TEMPO DA CRIAÇÃO e junte-se a tantas pessoas que estão se mobilizando para salvar os nossos rios, nossas florestas, nossos biomas, principalmente o Pantanal. DIGA NÃO ao consumismo, `a economia do descarte,`a todas as formas de degradação ambiental, não ao desperdício, não ao uso dos agrotóxicos, não `a poluição, diga não `a morte de nossos rios, `as barragens que impedem os rios de continuarem vivos, diga não `a destruição da biodiversidade, diga não aos combustíveis fósseis que provocam mudanças climáticas e o aquecimento global.
DIGA SIM `a ecologia integral, simn `a sustentabilidade ecológica; sim `a agroecologia, sim `a economia solidária, sim`a economia de Francisco e Clara; sim `a economia circular; sim a reciclagem, sim `a partilha, sim `a fraternidade e a `a solidariedade, sim `a economia verde; sim `as fontes renováveis e limpas de energia, Sim `a água e comida para todos, sim a um novo estilo de vida mais saudável, justo e realmente humano.
Diga sim `a esperança de um mundo novo, onde possamos viver em paz, com qualidade de vida, em harmonia, onde o bem comum possa substituir a egoismo, a fraternidade substitua a ganância e o apego aos bens materiais. Onde a verdade substitua a mentira; onde o amor substitua o ódio e a violência.
Enfim, DIGA SIM `A VIDA em plenitude E NÃO `A MORTE e todas as formas de violência.
Este é o real significado do TEMPO DA CRIAÇÃO e o sentido do EVANGELHO DA CRIAÇÃO.
JUACY DA SILVA, professor titular e aposentado da UFMT, Sociólogo, Mestre em Sociologia, Articulador da Pastoral da Ecologia Integral na Arquidiocese de Cuiabá e em Mato Grosso. Email profjuacy@yahoo.com.br