Uma carreira chegou ao fim na sala fria e insípida de um tribunal nesta segunda-feira (22/05): o Tribunal de Justiça Desportiva do Rio Grande do Sul (TJD-RS) condenou o lateral Nikolas Farias, do Novo Hamburgo, a 720 dias de suspensão.
Isso é praticamente o fim da carreira de um jogador de futebol, porque depois de dois anos sem jogar é quase impossível retornar à ativa. Além disso, Nikolas ainda terá de pagar uma multa de R$ 80 mil.
O tribunal considerou provado que Nikolas cometeu um pênalti de propósito. Nem o jogador nem o advogado dele compareceram, ainda que fosse interessante conhecer o ponto de vista deles.
Também o Novo Hamburgo não enviou representante. O clube encerrou o contrato com o jogador no fim da temporada e aparentemente não quer ter mais nada a ver com a questão.
O caso é exemplar de como o futebol brasileiro lida com o escândalo do esquema de apostas, que produz manchetes em ritmo quase diário. Os clubes quase não se manifestam, as federações também preferem deixar tudo quieto.
Os atingidos são sobretudo jogadores com baixos salários de campeonatos menores, que, pelo jeito, conseguem dessa maneira melhorar seus rendimentos.
Pelo que se sabe até aqui, eles provocaram expulsões ou pênaltis, nos quais apostadores haviam apostado, em troca de parte do dinheiro ganho com as apostas. Ou apostavam eles mesmos usando nomes de terceiros. Mas também jogadores da segunda e da primeira divisão estão na mira dos investigadores.
Desconfiança generalizada
O historiador Derê Gomes, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), prevê tempos difíceis na relação entre torcedores e jogadores. “Esse escândalo já está gerando uma desconfiança generalizada entre os torcedores e os jogadores dos seus times de coração, especialmente entre jogadores de times de menor expressão, que pagam salários mais baixos”, diz.
Qualquer falha, por menor que seja, passa a ser vista não como um erro, mas com a suspeita de que o jogador possa estar recebendo algum dinheiro. “Somente após o total esclarecimento dessa polêmica e punição dos envolvidos, essa desconfiança generalizada poderá dar lugar a uma relação saudável entre jogadores e torcida novamente”, avalia Gomes.
CPI no Congresso
O esclarecimento do caso está agora com o Congresso. O deputado Felipe Carreras (PSB-PE), que é o relator da CPI das Apostas Esportivas, afirmou, em declaração à DW, que quer “jogar luz nesse escândalo”, que ele chamou de o maior do futebol brasileiro.
Segundo ele, o objetivo é não somente revelar as engrenagens desse esquema, como também punir exemplarmente os envolvidos e promover uma legislação que coíba esse tipo de crime. “Vamos atuar para acabar com essa chaga em todas as divisões e, se necessário, em outras modalidades”, declarou.
Falta de regulamentação
Mas também fora dos círculos políticos e da Justiça procura-se os motivos do escândalo. Gomes vê uma razão na “falta de regulamentação econômica das casas de apostas, o que permitiu um crescimento exponencial e desregulado de dezenas de empresas do ramo, que hoje até mesmo são a maioria dos patrocinadores dos clubes”.
Além disso, com exceção das estrelas de grandes clubes, a grande maioria dos jogadores brasileiros de futebol é mal paga. Nas divisões inferiores, muitos mal recebem o mínimo para sobreviver. “A condição financeira de jogadores e árbitros é um facilitador para o aliciamento dessas pessoas para que cometam as fraudes nas partidas”, diz.
Segundo os dados mais recentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), de 2016, 80% dos jogadores profissionais assalariados recebem até R$ 1 mil. Diante dessa situação, quem tem uma família para sustentar pode balançar diante de propostas imorais.
“Aqui cabe uma responsabilização da própria CBF”, cobra Gomes. Para ele, a entidade faz pouco ou mesmo nada pelo desenvolvimento de um equilíbrio econômico – e isso apesar de o futebol ser “a grande paixão nacional e movimentar bilhões de reais”.
Fonte: dw.com