Eleições 2022: ‘Meu maior sonho é uma escola com biblioteca e banheiro que funcione’

Eleições 2022:  ‘Meu maior sonho é uma escola com biblioteca e banheiro que funcione’
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Os sonhos da pequena Ana podem soar modestos. Mas eles expõem a dimensão do desafio da educação básica no Brasil, onde 5,9 mil escolas públicas não têm sequer um banheiro

Na escola pública da periferia de Manaus (AM) onde estuda Ana*, de 14 anos, pias, torneiras, portas e vasos sanitários estão quebrados, a biblioteca foi fechada porque livros foram roubados e a única área de convivência para alunos – uma quadra de concreto nos fundos do prédio – não tem sombra, energia elétrica e está “cheia de cacos de vidro e mato”.

Aluna dedicada, querida por professores e colegas e filha de uma ex-faxineira que criou cinco filhos “lavando banheiro”, Ana tem sonhos que podem soar modestos.

Mas eles expõem a dimensão do desafio da educação básica no Brasil.

“Meu maior sonho é uma escola limpa, com uma biblioteca para poder ler livros, um espaço para aula de ciências, tipo um laboratório de química com microscópio, e um banheiro que funcione”, diz a menina por telefone à BBC News Brasil.

“O único espaco aberto que temos lá está todo abandonado e esquecido. Eu queria que na hora da educação física a gente pudesse ter um lugar mais seguro. E também materiais, mas só tem corda e bola, então a gente só pratica futebol de salão e queimada.”

Em sua escola dos sonhos, Ana poderia “treinar ginástica olímpica. Brincar. Conversar na sombra. Usar aqueles tubos de química. Essas coisas”.

Raio-x da educação básica

A precariedade narrada pela adolescente não está restrita à sua escola ou ao seu Estado e será um dos principais desafios do próximo presidente, governadores e parlamentares em todo o Brasil.

O desafio é imenso. No país, 5,9 mil escolas públicas não têm sequer um banheiro disponível para alunos, professores e funcionários.

No país, 9,6 mil escolas não têm nem acesso à água potável, enquanto 8,5 mil não têm esgoto tratado.

No total, 59,4 mil — ou pouco mais de 4 a cada 10 escolas públicas do país — não oferecem pátios ou quadras cobertas para seus alunos.

Precariedade nas escolas públicas: quase 10 mil escolas não têm nem acesso à água potável, enquanto 8,5 mil não têm esgoto tratado

Os dados oficiais vêm do Censo Escolar 2020, analisados pelo Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB).

A situação não melhora quando o assunto são bibliotecas, como a sonhada pela jovem Ana.

Segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica, menos da metade (45,7%) das escolas públicas de ensino básico – que compreende educação infantil, ensino fundamental e ensino médio – têm bibliotecas ou salas de leitura.

“Falta tudo, falta estrutura e falta apoio para os alunos, os professores e os pais também. Não é só a escola da minha filha, foi assim em todas as escolas em que os meus filhos estudaram”, resume Márcia*, mãe da estudante.

‘Todo mundo sofre’

Mãe e filha contam como é a escola por dentro.

“O banheiro está depredado”, diz a mãe.

“A diretora disse que trocou pias e vasos, mas já estão todos destruídos porque alunos quebraram. As portas estão com defeito. As torneiras não funcionam. São vários alunos que passam ali. A escola funciona de manhã, de tarde e de noite. Falta funcionário para fiscalizar, para chamar atenção”, ela conta.

A filha, que vive a precariedade na prática, concorda.

“Eu queria muito que fosse limpo”, ela diz. “Queria muito.”

Segundo a mãe, a infraestrutura da escola é um dos principais temas em reuniões com professores e a diretoria — que concordam, segundo ela, que a escola está “depredada”.

“A escola está com as janelas e vidros quebrados e a diretoria diz que são os proprios alunos que quebram. Mas ninguém vê? Faltam funcionários e os que estão lá estão sobrecarregados. Então todo mundo sofre.”

Ana sente muita falta de espaços para ler.

“Eu sinto falta demais. A biblioteca fechou por falta de funcionários e porque os livros novos sumiram”, diz.

A mãe completa: “Igual como a sala de ciências. A sala nunca funcionou. Só quando o colégio foi inaugurado, quando estava tudo novo. Depois fechou pra sempre.”

A sombra da violência

A grave falta de infraestrutura no ensino público para crianças e adolescentes não é o único problema, aponta a família manauara.

“A gente tem medo de ir para a escola”, conta Ana.

Ela explica: “Eu já vi gente vendendo e comprando drogas. Nunca vi ninguém usar lá dentro, já encontraram muitos alunos com drogas, com canivete e faca dentro da bolsa”.

“Eu nunca sofri violência, mas muitos alunos já. É muito frequente briga. Já teve gente roubada dentro da escola, mochila, objeto de valor”, Ana diz.

Faltam dados nacionais sobre violência em escolas brasileiras. Só no estado mais rico do país, São Paulo, 8 a cada 10 alunos relataram saber de episódios de violência dentro da escola. Mais da metade dos professores afirmaram terem sido alvo de algum tipo de agressão – os dados são de pesquisa feita pela Associação dos Professores do Estado, em 2019.

“Eu fico muito preocupada”, diz Márcia. “Como mãe, digo que não tenho mais coragem de deixá-los circular sozinhos. Não só eu, mas muitos pais na reunião dizem que ficam preocupados”.

“Eu vou deixar e buscar todos os dias. A gente procura conversar muito para eles não se envolverem nessas situações. Qualquer hora pode acontecer alguma coisa: uma briga, de repente um aluno tirar uma faca e furar o outro. Ou alguém entrar com uma arma escondida. Não é só na escola da minha filha, a maioria das escolas é assim. Depois que eles passam o portão, só Deus para guardar”, prossegue a mãe.

Em junho deste ano, a Comissão de Educação do Senado organizou uma audiência pública para debater a segurança nas escolas.

Na opinião dos especialistas ouvidos, “o aumento da evasão escolar durante a pandemia-19, o atraso nos conteúdos, a violência em geral na sociedade, o aumento do desemprego e a volta da fome ao patamar dos anos 1990 são alguns dos fatores que impactam também no aumento das tensões em sala de aula de acordo” – aponta a agência Senado.

Tony Marcelo, da Comissão do Plano de Urgência para Paz nas Escolas Públicas do DF, afirmou que “a escola nada mais é que o reflexo de uma sociedade que apresenta problemas agudos”.

“O aumento da fome é claro que nós sabemos que essa fome atinge no processo educativo e atinge também no processo de violência, não só escolar”, ele disse. “Fortalecer o papel social da escola neste momento é criar vínculos.”

Já para Igor Pipolo, especialista em segurança pública nas escolas, “segurança é prevenção e a prevenção não está necessariamente ligada a questões policiais, mas a um contexto de infraestrutura e de acolhimento”.

“As escolas precisam oferecer condições mínimas para receber as crianças de forma adequada. Equipe mal preparada, ambiente que não é adequado e até o posicionamento geográfico da região da escola podem influenciar”, disse Pipolo no encontro.

Líder nas pesquisas de intenção de voto para presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) promete em seu programa de governo “voltar a investir em educação de qualidade, no direito ao conhecimento e no fortalecimento da educação básica, da creche à pós-graduação, coordenando ações articuladas (…), retomando metas do Plano Nacional de Educação e revertendo os desmontes do atual governo”.

O petista promete ainda “criar um programa de recuperação educacional concomitante a educação regular para alunos que ficaram defasados devidos às inúmeras limitações, materiais, pedagógicas ou tecnológicas, durante a crise sanitária”.

Lula diz que vai “fortalecer a educação pública universal, democrática, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada, laica e inclusiva, com valorização e reconhecimento público de seus profissionais”.

Já o presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo lugar nas pesquisas, promete “priorizar investimentos na educação básica, aliando ensino presencial e à distância, analisando e considerando peculiaridades de cada região”.

Ele também diz que vai “fortalecer o Sistema Nacional de Educação, para aprimorar gestão e governança da rede pública, com melhores critérios de redistribuição de recursos visando mais qualidade e redução das desigualdades”.

Se reeleito, Bolsonaro diz que quer “melhorar a posição brasileira em diversos rankings, como o Pisa” e “ampliar o combate à violência institucional contra crianças e adolescentes, sob a premissa de que os pais são os principais atores na educação das crianças e não o Estado”.

Sua história pode virar reportagem na BBC News Brasil

*Ana, que teve o nome alterado nesta reportagem, procurou a BBC News Brasil para compartilhar sua história — o nome da mãe também foi alterado para preservar a privacidade da família.

A mensagem enviada pela menina chamou atenção da reportagem, pela sinceridade e pelos detalhes compartilhados.

“Nossa escola, assim como muitas outras escolas de bairro, sofrem com a falta de infraestrutura e segurança. A escola possui uma quadra que há muito tempo não é reformada, o espaço não possui iluminação, nem forro. Quando chove tudo fica molhado e sujo. A escola também sofre com alunos envolvidos com drogas e a escola não tem muitos materiais porque foram roubados”, ela escreveu.

Você também pode ter sua história pessoal transformada em reportagem nessas eleições.

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