Ela afirma se sentir muito orgulhosa todas as vezes que reencontra um ex-aluno que se formou no Ensino Médio na instituição após receber apoio e ser incentivado a não desistir da escola.
“Os alunos que encontram dificuldades para permanecer na escola precisam de ajuda. E essa ajuda pode vir por meio de uma palavra de incentivo e da elevação da auto-estima, mas às vezes o que faz a diferença são as condições materiais e sociais mesmo”, afirmou a coordenadora à BBC News Brasil.
A escola de Nadi é considerada modelo no combate ao abandono da educação básica e às faltas excessivas de alunos e alunas.
Há menos de sete anos, a escola terminava alguns anos letivos com até 20% de evasão, segundo a coordenadora. Atualmente, a taxa está em menos de 2% e há fila de espera para matrículas.
Para reverter a situação, a coordenadora e os demais funcionários da escola de Ensino Médio seguem, desde 2017, um modelo que combina escuta atenta e individual aos estudantes, diálogo com as famílias e busca por parcerias com outras redes públicas, como de saúde e serviço social, para ajudar a acabar com os obstáculos que mantinham os alunos longe do colégio.
“Fazemos um controle próximo das presenças e quando notamos que um aluno está muito ausente buscamos a família por telefone. Se não conseguimos contato assim realizamos a busca ativa nas casas dos estudantes”, diz Nadi.
“Quando as famílias e os próprios alunos passaram a acreditar mais no seu potencial e perceberam que podiam contar com a escola para ajudar a resolver alguns de seus problemas em casa, houve uma transformação.”
Durante a pandemia de covid-19, a escola forneceu tablets para os alunos que não tinham acesso a computadores ou celulares assistirem às aulas online. “Garantimos que aqueles que não tinham acesso à internet recebessem todas as atividades impressas”, diz.
“E não podemos ver os alunos como apenas números. Mesmo depois que ele retorna, temos que garantir uma educação de qualidade e dar atenção para garantir que ele fique.”
Mas o retrato da educação pública no Brasil como um todo é de crise. Um estudo inédito, realizado pelo Ipec para o Unicef, revela que mais de uma em cada dez meninas e meninos de 11 a 19 anos (11%) não estão frequentando a escola no país.
A porcentagem é equivalente a cerca de 2 milhões de crianças e adolescentes da rede pública de ensino nesta faixa etária.
Essa foi a primeira vez que Unicef e Ipec se juntaram para fazer a pesquisa e, portanto, não há números de outros anos para comparação. Dados da Pnad Educação de 2019, porém, indicam que naquele ano quase 690 mil crianças e adolescentes entre 11 e 17 anos estavam fora da escola.
“O país está diante de uma crise urgente na educação. Há, pelo menos, 2 milhões de meninas e meninos fora da escola, somente na faixa etária de 11 e 19 anos. Se incluirmos as crianças de 4 a 10 anos, o número certamente é ainda maior. E a eles se somam outros milhões que estão na escola, sem aprender, em risco de evadir. É urgente investir na inclusão escolar e na recuperação da aprendizagem”, afirma Mônica Dias Pinto, chefe de Educação do Unicef no Brasil.
Realizada em agosto deste ano, ouvindo crianças e adolescentes de todas as regiões do país, a pesquisa divulgada pelo Unicef nesta quinta-feira (15/9) mostra que a exclusão escolar afeta principalmente os mais vulneráveis. Na classe AB, 4% dos entrevistados não estão frequentando a escola e, na classe DE, o percentual chega a 17% – ou seja, quatro vezes maior.
Entre quem não está frequentando a escola, metade (48%) afirma que deixou de estudar “porque tinha de trabalhar fora”.
Dificuldades de aprendizagem aparecem em segundo lugar, com 30% afirmando que saiu “por não conseguir acompanhar as explicações ou atividades”. Em seguida, 29% dizem que desistiram pois “a escola não tinha retomado atividades presenciais” e 28% afirmam que “tinham que cuidar de familiares”.
Aparecem na lista, também, temas como falta de transporte (18%), gravidez (14%), desafios por ter alguma deficiência (9%), racismo (6%), entre outros.
Mesmo entre os estudantes que estão na escola atualmente, a evasão é um risco real. Segundo a pesquisa, nos últimos três meses, 21% de quem está na escola pensou em desistir dela. Entre os principais motivos está o fato de não conseguir acompanhar as explicações ou atividades passadas pelos professores — item citado por 50% dos que pensaram em desistir.
Mônica Dias Pinto chama atenção ainda para a desigualdade que está refletida em alguns dos dados coletados pela pesquisa.
“Observamos que normalmente as taxas de abandono, evasão e repetência têm maior recorrência em determinadas populações, entre elas de quilombolas e indígenas, em áreas rurais ou entre pessoas com deficiência”, diz.
Dias Pinto cita ainda a necessidade de abordar as desigualdades raciais e regionais quando são elaboradas soluções para o problema da evasão escolar.
Entre as crianças e adolescentes que estão na escola, 46% disseram ter se sentido despreparadas para acompanhar as atividades escolares no retorno para o presencial após a pandemia de covid-19, contra 44% que disseram discordar da afirmação.
Mas quando comparadas as respostas de alunos negros e brancos, 39% das crianças e adolescentes brancas disseram sentir despreparo, enquanto 50% das negras concordaram com a afirmação.
A pesquisa mostra também que ainda há escolas fechadas, apenas ofertando aulas remotas, no país. Enquanto 92% dos estudantes dizem que sua escola só tem aulas presenciais, ainda há 5% que afirmam ter aulas presenciais e remotas, e 3% que têm apenas aulas remotas.
A região Norte é a que apresenta o cenário mais desafiador, com apenas 82% das escolas totalmente presenciais e 11% apenas com aulas remotas.
Mas mesmo depois do longo período de fechamento por conta da pandemia, estar na escola é um fator de esperança, segundo a pesquisa. Entre quem está frequentando a escola, 84% dizem estar interessados nos estudos, 71% se sentem animados e 70% estão otimistas com o futuro.
Saúde e renda
Na escola Mestre Júlio Sarmento, Nadi identificou que os dois principais obstáculos que afastam os estudantes da escola são os problemas de saúde e as dificuldades socioeconômicas, que obrigam os adolescentes a trabalhar.
Uma estudante auxiliada pela coordenadora, por exemplo, faltava pelo menos quatro dias todos os meses. Após um estudo do caso, a escola percebeu que as faltas coincidiam com o período em que ela estava menstruada.
“Ela sentia dores, tinha um fluxo muito intenso e tinha vergonha e medo de se sujar”, conta Nadi. “Conversei com a mãe sobre a situação e encaminhamos a família para um ginecologista. Quando ela começou a se sentir confortável para discutir o assunto e passou a ter acompanhamento médico, voltou à escola e se formou.”
Já para os alunos que enfrentavam dificuldades socioeconômicas em casa e sentiam a necessidade de contribuir financeiramente com a família, a escola lançou um projeto de empreendedorismo que auxilia os estudantes com a renda ao mesmo tempo em que ensina conceitos importantes como finanças e organização.
“O projeto auxilia especialmente os alunos maiores de idade, que são os que mais desistem da escola por precisarem trabalhar”, diz a coordenadora.
“Uma de nossas alunas, por exemplo, voltou para a escola e começou a vender bombons saudáveis”, relata. “Ela se formou e recentemente a encontrei por acaso na rua. Ela me deu um abraço grande e me agradeceu. Fiquei orgulhosa.
Nenhum a menos
Histórias de sucesso como a da Escola Cidadã Integral Mestre Júlio Sarmento em Sousa se repetem em outros estados e cidades pelo país, em um exemplo de que os desafios não são impossíveis de serem superados.
Na Comunidade do Coração, nos arredores da capital do Amapá, Macapá, a Escola Municipal Goiás atende tanto estudantes da zona rural quanto urbana. A instituição também conseguiu reverter uma situação preocupante de evasão escolar com um projeto focado na busca ativa dos alunos.
“Se a criança falta três dias seguidos e nenhum responsável aparece na escola para justificar as faltas, o professor entra em contato imediato com a família para questionar os motivos”, explica Agnaldo da Silva Silveira, ex-coordenador pedagógico da escola que atualmente trabalha na Secretaria de Educação do Amapá.
A ação é parte do projeto “Nenhum a Menos”, iniciativa criada pela escola em 2015 que conseguiu reduzir de 11% para menos de 5% os casos de abandono escolar.
“Em casos mais graves explicamos aos pais qual a sua responsabilidade com a educação dos filhos e deixamos claro que, se a criança continuar a faltar, precisaremos acionar o Conselho Tutelar”, diz Agnaldo. “Mas felizmente tivemos que fazer isso poucas vezes, quase sempre resolvemos na conversa.”
O coordenador explica que muitos dos alunos atendidos pela escola são filhos de agricultores, pescadores e trabalhadores informais da região rural de Macapá que enfrentam dificuldades financeiras e de locomoção.
“Especialmente no período de chuvas, que vai de dezembro a maio, muitas crianças faltam porque fica praticamente impossível sair de casa por conta de alagamentos e muita lama”, diz. “Aqueles que vêm chegam sujas e molhados, o que dificulta o aprendizado.”
Quase metade das meninas e meninos da Escola Goiás usa o transporte coletivo escolar, mas em algumas comunidades mais afastadas as peruas ainda não estão disponíveis.
“Não são apenas problemas de saúde ou renda que afastam os alunos e temos que pensar em tudo isso para garantir o direito das crianças de estudarem”, afirma Agnaldo.
“Ainda temos muito a fazer e nosso objetivo é chegar à evasão zero. Mas estamos satisfeitos com o nosso progresso.”
– Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62922370
Fonte: bbc.com