O Brasil vai voltar às urnas em 30 de outubro para decidir entre dois projetos que não poderiam ser mais antagônicos: a nostalgia social-democrata do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o extremismo de direita de Jair Bolsonaro.
Com quase 100% das urnas apuradas, Lula obteve neste domingo (02/10) de primeiro turno 48,31% dos votos válidos, contra 43,30% de Bolsonaro.
Apesar de ter lançado nas últimas semanas esforços para vencer no primeiro turno com uma campanha pelo “voto útil”, o petista não conseguiu romper a barreira dos 50% necessários para encerrar a disputa já neste domingo. No final, os resultados indicam que a extrema direita também reagiu com sua própria campanha de “voto útil”.
Na terceira posição, ficou a senadora Simone Tebet (MDB), com cerca de 4%. O ex-ministro Ciro Gomes (PDT), que apostou em uma campanha de ataques a Lula e Bolsonaro, desidratou e amargou o quarto lugar, com pouco mais de 3%.
PT recupera terreno em relação a 2018
Em 2018, quando foi preso e teve sua candidatura à Presidência barrada, Lula atingiu um dos pontos mais baixos da sua longa carreira política. Depois de passar 580 dias na prisão, ele não só obteve anulação das suas condenações como se cacifou como o favorito para vencer à Presidência.
Os mais de 48% obtidos por Lula mostram que o lulismo e o PT recuperaram terreno para a esquerda nas disputas presidenciais. Em 2018, quando os petistas se viram forçados a lançar o petista Fernando Haddad, o partido terminou o primeiro turno com 29,28% dos votos válidos. Bolsonaro terminou à frente, com 46,03%.
Em relação a Haddad no primeiro turno de 2018, Lula obteve 15 milhões de votos a mais. Seu total de 56,8 milhões de votos nesta primeira rodada ficou apenas um milhão abaixo do resultado de Bolsonaro no segundo turno da eleição passada.
Como esperado, Lula venceu em todos os estados da região Nordeste, um reduto petista há duas décadas. Mas Lula também terminou à frente em Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do país, e superou a barreira dos 40% em São Paulo e Rio de Janeiro, uma marca bem acima daquela obtida por Haddad em 2018.
Em São Paulo, o candidato do PT ao governo estadual ficou em segundo lugar, com 35,7% dos votos, e disputará o segundo turno com Tracísio de Freitas (Republicanos). O resultado pode ter sido um banho de água fria para o PT local, já que as pesquisas indicavam o ex-ministro na primeira posição, mas, em relação a 2018, Haddad ampliou a votação estadual do PT em 5,8 milhões de votos.
Bolsonaristas mostram força no Legislativo
Os números demonstraram ainda que Bolsonaro se saiu melhor do que indicavam as pesquisas da véspera, que indicavam que ele estaria 14 pontos atrás de Lula. Na contagem final, o presidente ficou menos de cinco pontos atrás do petista.
O presidente ainda aparece em desvantagem em pesquisas para o segundo turno, mas seu grupo político demonstrou que a “onda conservadora” que varreu as eleições de 2018 não arrefeceu nas disputas para o Legislativo. A extrema direita fincou raízes na Câmara e no Senado e Bolsonaro explicitou que ainda tem influência decisiva como cabo eleitoral.
Bolsonaristas conquistaram várias vagas ao Senado e apareceram entre os deputados federais mais votados de estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná. Em São Paulo, dos cinco deputados federais mais votados, quatro são “bolsonaristas puros”.
Em Minas Gerais, o bolsonarismo garantiu a maior votação do país para um deputado federal com Nikolas Ferreira (PL), que recebeu 1,4 milhão de votos.
Entre os bolsonaristas que foram eleitos estão a ex-ministra Damares Alves (Republicanos), que conquistou uma vaga ao Senado pelo Distrito Federal, e Marcos Pontes (PL), que garantiu a cadeira de São Paulo. No Rio Grande do Sul, o atual vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos), foi o vencedor.
No Rio de Janeiro, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que se notabilizou pela sua atuação desastrosa da pandemia, conquistou uma vaga na Câmara.
Cenário parecido se repetiu em São Paulo, onde Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro e o ex-ministro Ricardo Salles apareceram entre os deputados mais votados.
Bolsonaro ainda emplacou aliados em disputas pelo segundo turno em vários estados, notadamente em São Paulo, onde o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos) se saiu melhor do que o captado pelas pesquisas e vai disputar nova rodada com Haddad (PT).
Até mesmo grupos rivais da direita, como os representantes da Lava Jato garantiram vitórias expressivas. O ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) foi eleito senador pelo Paraná, graças, em grande parte, à sua estratégia de cortejar o eleitorado bolsonarista e apostar no discurso antipetista. No mesmo estado, o ex-procurador Deltan Dallagnol (Podemos) foi o deputado federal mais votado. Até mesmo a mulher de Moro, Rosângela (União Brasil), garantiu uma vaga de deputado federal por São Paulo.
Os resultados devem reforçar entre o bolsonarismo a percepção de que a estratégia de “radicalização” do presidente, que fez uma campanha de extrema direita sem fazer concessões à moderação, colhe resultados. Ao longo da campanha, Bolsonaro evitou ceder aos pedidos de políticos aliados do Centrão, que defenderam que o presidente procurasse uma abordagem mais convencional para conquistar fatias mais centristas do eleitorado.
Lula x Bolsonaro
Apesar de contar com 11 candidatos, a campanha à Presidência já caminhava há mais de um ano para um duelo entre Bolsonaro e Lula.
Com quatro anos de atraso, os dois vão finalmente disputar um segundo turno. Em 2018, Lula chegou a aparecer com 40% das intenções de voto no início da campanha antes de ter sua candidatura barrada, sendo impedido de disputar a Presidência diretamente com Bolsonaro, que, na ausência do petista, acabou sendo catapultado para o Planalto.
Em relação ao seu resultado no primeiro turno de 2018, Bolsonaro chegou até mesmo a ampliar sua votação em 1,5 milhão.
Ele pode ter surpreendido com sua votação acima da captada pelos principais institutos de pesquisa, mas sua tarefa de virar a eleição na segunda rodada se choca com o histórico das eleições presidenciais brasileiras. Nunca, desde a redemocratização, um segundo colocado no primeiro turno de uma disputa presidencial conseguiu ultrapassar o mais votado. Contra Bolsonaro, ainda pesa sua alta rejeição, que chega a 52% entre o eleitorado e é especialmente expressiva entre mulheres e negros.
Nas semanas que antecederam o primeiro turno, Bolsonaro fez falas ameaçadoras sobre o processo eleitoral, indicando que pode não aceitar uma derrota. Ainda nesta semana, ele disse acreditar que ganharia no primeiro turno com pelo menos 60% dos votos. Como sua radicalização trouxe resultados para diminuir a desvantagem de Lula, não seria surpreendente se o presidente continuasse a insistir no discurso golpista.
O comportamento do presidente vem levantando temores de que pode estimular uma ofensiva semelhante àquela lançada pelo seu ídolo, o ex-presidente americano Donald Trump, que em janeiro de 2021 instigou a invasão da sede do Congresso americano por uma turba de apoiadores radicais – tudo com o objetivo de tentar impedir a oficialização da sua derrota e a vitória do democrata Joe Biden.
Para Lula, o desafio deverá ser atrair os votos do eleitorado de Ciro Gomes e Simone Tebet, que receberam juntos cerca de 7% dos votos válidos e devem ser os fiéis da balança no segundo turno.
O resultado da senadora tem sido pintado como uma pequena vitória, já que ela era desconhecida em grande parte do país antes de lançar sua candidatura. No entanto, sua dificuldade de romper até mesmo a barreira dos 5% também demonstrou as limitações da terceira via nestas eleições.
Para Ciro, o resultado pode ser considerado uma humilhação, levando em conta que ele obteve mais de 12% dos votos no primeiro turno de 2018. Sua insistência na estratégia de pintar Bolsonaro e Lula como equivalentes não teve apelo para os eleitores e ele desidratou nas pesquisas da reta final.
Fonte: dw.com