É quase impossível tratar uma enfermidade como a doença misteriosa que está se espalhando na República Democrática do Congo, também conhecida como “doença X”. Os médicos não sabem nem mesmo se é uma infecção viral ou bacteriana.
O país africano já registrou 406 casos do mal, os mais graves, entre pessoas gravemente desnutridas. A doença causou ainda 31 mortes, a maioria de crianças.
A disseminação está atualmente concentrada no distrito de Panzi, na província de Kwango, localizada a cerca de 700 quilômetros da capital, Kinshasa. O distrito de Panzi é remoto, com estradas de difícil acesso e infraestrutura de saúde quase inexistente.
As autoridades de saúde dizem ser mais provável que a enfermidade seja uma doença já conhecida, embora eles ainda não saibam qual é. “Relatos de surtos com fatalidades surgem vários lugares do mundo várias vezes por ano. Quase todos acabam sendo uma infecção já conhecida com consequências globais limitadas”, explica Paul Hunter, epidemiologista da Universidade de East Anglia, no Reino Unido.
Qual a causa mais provável do surto?
Jake Dunning, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, afirma que chamar o incidente de surto da “doença X” pode ser enganoso e contraproducente. “Doença X só deve ser realmente usada quando há uma doença infecciosa com potencial epidêmico ou pandêmico e um novo patógeno foi identificado ou há fortes suspeitas. Seria mais apropriado dizer que, atualmente, esse é um evento de morbidade e mortalidade não diagnosticado”, ressalta.
A doença não diagnosticada causa sintomas semelhantes aos da gripe, como febre, dor de cabeça, tosse e anemia.
É por isso que a Organização Mundial da Saúde (OMS) também acredita que o mal não identificado provavelmente será rastreado até causas já conhecidas. Com base nos sintomas, pneumonia aguda, gripe, covid-19, sarampo e malária estão sendo considerados como possíveis causas.
Mas também pode ser uma mistura de doenças que está causando o surto, incluindo outras doenças transmitidas por mosquitos, como malária dengue e chikungunya. “A malária é uma doença comum na área e pode estar causando ou contribuindo para os casos”, informou a OMS neste domingo (08/12).
Hunter diz que a doença é provavelmente uma infecção respiratória. Como alguns pacientes relataram anemia como sintoma, o especialista suspeita que a bactéria Mycoplasma pneumoniae pode estar por trás do surto. “Mas é muito cedo para fazer um diagnóstico definitivo. Mais análises são necessárias”, pondera.
África investiga com autoridades locais e OMS
O Centro Africano de Controle e Prevenção de Doenças (Africa CDC) enviou uma equipe multidisciplinar de especialistas em ciência e saúde para apoiar a OMS e o Ministério da Saúde da RDC na investigação em andamento.
“Testes laboratoriais estão em andamento para determinar a causa exata”, informou a OMS.
Enquanto isso, eles estão realizando testes de diagnóstico e implementando medidas de controle de doenças considerando a possibilidade de que mais de uma doença seja responsável pelas infecções. No entanto, é provável que a equipe enfrente dificuldades para detectar a causa devido ao afastamento da área afetada e às barreiras logísticas.
A cobertura limitada de telefonia móvel e internet em toda a região tem dificultado o envio das equipes. Devido à estação chuvosa que afeta as estradas, a viagem de carro até o centro de saúde mais próximo, em Kinshasa, leva dois dias.
Por que doença é um mistério?
Os especialistas em saúde acreditam que as causas do surto são desconhecidas devido à capacidade limitada de testes na região.
Os laboratórios clínicos no distrito de Panzi só podem fazer testes para patógenos comuns. A detecção de patógenos mais raros geralmente exige que as amostras sejam enviadas a laboratórios especializados. Os cientistas desses laboratórios usam técnicas que não estão disponíveis em áreas remotas, como o sequenciamento de genes, para descobrir quais patógenos estão causando a disseminação de uma doença.
Isso pode fazer com que a RDC tenha que enviar as amostras ao exterior para testes, aumentando os atrasos. “A RDC tem ótimos clínicos, cientistas e laboratórios, todos bem versados em surtos e infecções emergentes, mas a RDC é um país enorme e, sem dúvida, continua com recursos limitados e um ambiente complexo”, explica Dunning.
A falta de informações sobre a doença torna mais difícil para as autoridades de saúde locais avaliarem com precisão a ameaça que enfrentam. As equipes internacionais de saúde estão investigando a chamada dinâmica de transmissão e procurando ativamente por outros casos, tanto nas unidades de saúde quanto na comunidade.
“É vital que esses casos sejam investigados prontamente, para que o tratamento adequado e as medidas de controle possam ser implementadas”, alerta Hunter.
O vice-governador de Kwango, Remy Saki, disse à DW que a província havia implementado medidas para evitar a propagação do surto. Essas medidas incluem a limitação da circulação de pessoas e o registro da entrada e saída de indivíduos em vilarejos vizinhos, assim como o uso de máscaras.
Fonte: dw.com.br