Juacy da Silva e Márcia Aparecida de Sant Ana Barros
A criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 8 de julho de 1948, foi motivo significativo para desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil e contribuiu muito para o surgimento, mais de meio século depois, do Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador.
A SBPC foi criada por um grupo de cientistas reunidos no auditório da Associação Paulista de Medicina, em um momento histórico marcado pelo fim da Segunda Guerra Mundial, em que as nações tomavam consciência da importância da ciência para o desenvolvimento social e econômico.
O Dia Nacional da Ciência, do Pesquisador e da Pesquisadora visa despertar o interesse da população pela ciência e entender as contribuições que a mesma pode oferecer para a sociedade, para o desenvolvimento do país e a melhoria da qualidade de vida da população.
Em 2001, foi sancionada a Lei 10.221, que estabeleceu o Dia Nacional da Ciência; já, em 2008, por meio da Lei 11.807, foi instituído o Dia Nacional do Pesquisador. Sendo ambas celebradas em 8 de julho, uniram-se as duas comemorações e assim surgiu o Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico.
Como pesquisadora da área de geociências me chama a atenção a data ser nomeada no masculino. É claro, em 1948 as mulheres com raríssimas exceções estavam em casa cuidando das crianças, das lides domésticas e do marido.
Naquela época a presença da mulher em praticamente todas as esferas era bem diminuta. Entretanto graças `as mudanças de mentalidade e a luta das mulheres, hoje nas universidades, nos laboratórios, nas salas de aula de mestrado e doutorado nas mais diferentes áreas do conhecimento, mesmo na área da geociências que anteriormente era um mundo restrito aos homens está repleta de jovens mulheres e diga-se de passagem muitas vezes mais focadas, dedicadas e de excelência, que os homens.
Independente da questão de gênero o Brasil carece de investimentos na área de ciências, da tecnologia e inovação. Estamos ainda na posição de produtor de commodities e exportador de matéria prima bruta por um preço diminuto e continuamos importando tecnologia, contribuindo para a geração de emprego e renda em outros países que estão em estágio de desenvolvimento científico, tecnológico e industrial muito mais avançados do que o Brasil, apesar de que há pouco mais de meio século estavam nos mesmos patamares econômico que o nosso país.
Para que um país seja realmente desenvolvido, soberano, independente e autônomo e ocupe uma posição de destaque no cenário internacional é fundamental que avance em algumas áreas estratégicas como defesa nacional (área militar), incluindo a dimensão aérea e espacial; a produção de energia, de insumos básicos, cibernética, medicina; logística e transporte, agropecuária e produção de alimentos e tenha capacidade de romper as barreiras do conhecimento e dominar novas tecnologias como robótica, inteligência artificial, dentre outras e que tenha uma base industrial forte, capaz de garantir esta autonomia e não ficar dependente de outros países.
No Brasil, temos apenas algumas ilhas de excelência, em se tratando de ciência e tecnologia, como o setor de petróleo; da saúde, da agricultura e pecuária, da indústia aeronáutica, mas continuamos como grande importador de produtos acabados, insumos básicos, enfim, somos exportadores de matérias primas e grande importador e consumidor de tecnologia em todas as áreas, produzida em outros países. Isto torna o Brasil um país extremamente vulnerável, sujeito ao jogo dos interesses geopolíticos dominados pelas grandes e médias potencias e pelos grandes conglomerados , empresas multinacionais e transnacionais.
Os dez produtos brasileiros mais exportados em 2020 foram, nesta ordem: soja, petróleo, minério de ferro, celulose, milho, carne de frango, produtos manufaturados, carne bovina, farelo de soja e açúcar. Este é um reflexo do processo de “desindustrialização’, que vem ocorrendo no Brasil nas últimas três ou quatro décadas.
Os casos do petróleo , do minério do ferro, da bauxita, do nióbio, do alumínio e outros mais, são paradigmáticos. O Brasil é um dos países com grandes reservas de petróleo, no entanto falta-nos refinarias. Assim exportamos o oléo bruto e importamos gasolina, quando poderíamos deter toda a tecnologia de refino ofertando empregos e sendo independentes da flutuação dos preços internacionais.
Da mesma forma somos grandes detentores de minério de ferro mas toda a exportação é feita como apenas matéria prima bruta ou semi beneficiada. A bauxita que fornece o alumínio para a indústria siderúrgica, o Brasil se posiciona no 15º lugar no ranking dos exportadores. Nos falta entretanto tecnologia para não apenas vender o produto in natura mas ampliar nossos pátios de beneficiamento e industrialização.
Com o avanço da tecnologia e a procura pelos Elementos Terras Raras (grupo dos lantanídeos na tabela períodica) para a aplicação em carros elétricos, turbinas eólicas, aparelhos celulares, televisores etc.. o Brasil volta a ter importância mundial uma vez que possuimos uma das maiores reservas desses elementos que ocorrem associados muitas vezes com o Nióbio. O problema é que não temos tecnologia e pesquisa suficiente para extrair os elementos que estão contidos na estruturas dos minerais e assim exportamos o minério bruto principalmente para a China que é hoje praticamente o único país no mundo a beneficiar tais elementos podendo controlar o preço de muitos bens.
A industrialização em geral e a agroindustrialização contribuiriam para gerar empregos e distribuir renda, principalmente nas regiões mais pobres do Brasil, como o Nordeste e a Amazônia, elevando o padrão de vida de milhares de brasileiros, dando oportunidades para crianças e jovens terem um futuro digno que mude a trajetória de miséria de seus pais.
Porque não temos indústrias para beneficiamento desses bens minerais e dos produtos oriundos do agronegócio? A EMBRAPA contribuiu sobremaneira para o avanço da produção agropecuária brasileira, no entando quem domina a produção e comercialização dos insumos (inseticidas, herbicidas, fungicidas e sementes) são as grandes “traders”, empresas multinacionais.
Agora vamos pensar um pouco na área de fármacos e medicina. O Brasil com sua diversidade de Biomas detém uma das maiores biodiversidade do Planeta, inúmeras espécies de plantas que podem gerar medicamentos para a cura das mas diversas doenças do planeta, razão mais do que suficiente para combatermos o desmatamento, as queimadas que destroem essas riquezas da biodiversidade, principalmente no Cerrado e na Amazônia.
Da mesma forma que na agricultura e pecuária, na área da industria farmacêutica o Brasil é totalmente dependente da importação dos insumos e praticamente toda esta área é dominada por empresas multinacionais, que nos impões clausulas leoninas e afetam os preços dos medicamentos.
Fora a área das ciências exatas e da medicina, as ciências sociais carecem de pesquisa que ampliem as formas de ensino para a alfabetização em massa. Vemos que os editais de pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq praticamente concentram-se nas áreas de tecnologia desprezando. a área das ciências humanas, embora saibamos que um povo excluido, explorado, sem raízes culturais torna-se frágil diante das intempéries da vida. É importante e primordial a pesquisa na área das ciências humanas. Incentivar a literatura, através da pesquisa de nossos grandes mestres da poesia, dos contos e romances; de nossos historiadores.
A simbologia dessa data não pode ser esquecida quando do episódio da COVID-19 , tão recente. A falta de educação em ciência e saúde, levou uma parcela da população ao negacionismo desprezando o trabalho dos guerreiros cientistas em todo o mundo que as pressas conseguiram uma vacina para salvar a humanidade.
Um belo exemplo foi uma carta da Faculdade de Saúde Pública que, defendia a ciência como instrumento para salvar vidas. È assim que podemos perceber o papel do(a) cientista e do pesquisador (a). Salvar vidas. Se avançamos na criação de vacinas e medicamentos, se avançamos na criação de mecanismos de produção de energia limpa, na produção de nossos próprios bens é para salvar vidas, é para diminuir as diferenças de classe social, é para democratizar o acesso a saúde, `a educação e ao bem estar.
Uma das formas de fortalecer a importância da ciência e sua repercussão na sociedade são as parcerias estabelecidas pelas universidades com o poder público e com a iniciativa privada. Isto foi observado durante a Covid-19 e o quanto esta parceria gerou sucesso.
A relação entre ciência, tecnologia e sociedade é muito mais complexa do que a pergunta simplória sobre qual seria a utilidade prática da produção científica. Ela passa por uma série de questões, tais como: de que forma a ciência e as novas tecnologias afetam a qualidade de vida das pessoas e como fazer com que seus efeitos sejam os melhores possíveis? Quais são as condições sociais que limitam ou impulsionam a atividade científica? Como ampliar o acesso da população aos benefícios gerados pelo conhecimento científico e tecnológico? Em que medida o progresso científico, tecnológico e as inovações contribuem para mitigar ou aprofundar as desigualdades socioeconômicas? Em face das novas tecnologias, cada vez mais capazes de substituir o ser humano nas suas atividades repetitivas, como será o trabalho no futuro? Essas são questões cruciais para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia nos dias de hoje.
Quando celebramos o Dia Nacional da Ciência, da pesquisadora e do pesquisador, não podemos deixar também de refletir sobre a inserção do Brasil no cenário ou contexto internacional, na dinâmica da geopolítica.
Para que um país atinja um patamar de conhecimento que permita desenvolver autonomamente a ciência e criar novas tecnologias, inovar, é fundamental investir muito e por um longo prazo, pelo menos duas ou tres décadas em educação, em todos os níveis, mas, principalmente no ensino fundamental e médio, principalmente em matemática, ciência e, também, em linguagem.
Esses aspectos são avaliados por várias instituições internacionais que elaboram anualmente ou com alguma outra periodicidade o desempenho de estudantes. Um desses rankings é a Competitividade internacional; outro é o PISA. Em ambos rankings, o Brasil tem apresentado resultados preocupantes, para não dizer ridículos e vergonhosos.
Em competitividade Internacional, que reflete a qualidade da educação, em 2022 o Brasil figurou na penultina posição entre 63 países com as maiores economias, no desempenho em educação. No ranking do PISA de 2020, da OCDE – União Européia, que mede o desempenho de estudantes do ensino médio em matemática, ciência e linguagem, entre 79 países, o Brasil figurou entre os 20 paises com pior desempenho, ocupando a 59ª posição, sendo que este desempenho é o mesmo que em 2009. Isto significa que estamos estagnados e em alguns aspectos até mesmo regredindo..
Ciência, tecnologia e a Geopolitica Internacional, este é um tema sempre atual, estratégico e super importante. Vamos refletir um pouco sobre isso? Apenas para termos uma idéia, o Brasil, incluindo os setores publico e privado, em 2022, investiu 2,3% do PIB em Ciencia, tecnologia e inovação; totalizando US$44 bilhoes de dólares.
O Brasil ocupa a 16ª posiçao no ranking dos países em termos percentuais de investimento em ciência e tecnologia (R&D) em relação ao PIB, e a 9ª posição em termos de valor total.
Enquanto isso os EUA investiram 3,5% de seu PIB, o que representou US$660 bilhões de dólares nesta área; e a China (segunda economia do Planeta, abaixo apenas dos EUA) 2,4% do PIB, nada menos do que US$556 bilhões de dólares. Juntos EUA e China investiram US$ 1,216 trilhões de dólares.
Conclusão, o Brasil investiu apenas 3,6% do total dos investimentos daqueles dois países. Qual o cenário que podemos construir a partir desses dados? que o Brasil continua no mesmo estágio de quando era colônia há quase 450 anos. Exportando matérias primas, minérios, madeira e produtos primários não industrializados e importando tecnologia desenvolvida pelos países que avançaram em educação, ciência, tecnologia e inovação. Isto demonstra a mediocridade de nossos governantes e setores empresariais. Continuaremos sendo colônias tecnológicas e estaremos abdicando de nossa soberania e do papel que o Brasil pode desempenhar no cenário geopolitico internacional
Todavia, também não podemos deixar de mencionar que um país, cujos governantes e suas lideranças nos mais diversos setores não valorizam o desenvolvimento científico e tecnológico, que não investem em educação pública de qualidade e inclusiva, para despertar a capacidade crítica e criadora dos alunos, que não valorizam o conhecimento científico e sucateiam suas universidades públicas, mercantilizando o ensino, a saúde, privatizando e destruindo irracionalmente os recursos naturais, destruindo suas florestas e sua biodiversidade, utilizando as estruturas públicas para benefício de uma minoria, definindo políticas públicas que concentram renda, riqueza, oportunidades e excluindo grandes massas populacionais, que vivem de migalhas públicas ou privadas, um pais assim, está condenado a perder o bonde a história, a permanecer dependente e um verdadeiro pária no contexto internacional.
Tente descobrir como está a educação no Brasil, do ensino infantil até a Universidade, a pós-graduação, a área de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico, a valorização da ciência e do conhecimento, do trabalho de pesquisadores e pesquisadoras, qual o papel da ciência e da tecnologia no contexto da geopolítica internacional.
Existe diferença entre independência e autonomia científica e tecnológica em um país que seja apenas um grande consumidor de tecnologia importada, dependente de outros países, sem gerar conhecimento nacional?
Tente descobrir por que alguns países conseguiram romper com as amarras do subdesenvolvimento, da miséria, do atraso, do analfabetismo, do analfabetismo funcional, do analfabetismo político, da dependência científica e tecnológica e na atualidade estão na vanguarda da ciência, do conhecimento e do desenvolvimento científico.
A trajetória de alguns desses países como a Coréia do Sul; da China, da Índia ou mesmo de países que desde o final de século 19, durante o século 20 e ainda hoje continuam investindo na geração do conhecimento, em pesquisas em todas as áreas, no desenvolvimento científico, tecnológico e na inovação como o Japão, o Canadá, a Alemanha, os EUA e os demais do G-7 continuam garantindo a soberania nacional, a autonomia e ainda estão na vanguarda.
Quando se fala em ciência, tecnologia e inovação, surge uma pergunta crucial: Será que o Brasil tem um projeto de país de longo prazo? Para os próximos dez ou vinte anos? Com objetivos e metas que norteiam a definição de políticas públicas? A quantas andam nossas políticas, estratégias e planos nacionais, inclusive na área da ciência, tecnologia e inovação?
Essas são algumas das reflexões que gostariamos de ver como balizadoras neste Dia Nacional da Ciência, do Pesquisador e da Pesquisadora.
Márcia Aparecida de Sant Ana Barros, Professora titular, aposentada UFMT, pesquisadora, Doutora e pos-Doutora em Geociências.
Juacy da Silva, Professor Titular aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, Articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy whats apps 65 9 9272 0052