Enquanto isso, o comando do Hamas continua vivo e os reféns ainda estão sob domínio do grupo
O custo político da campanha militar na Faixa de Gaza vai se avolumando para o governo israelense a medida em que as Forças de Defesa de Israel (IDF) tentam fechar o cerco contra o Hamas em Rafah, na fronteira com o Egito
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu admitiu um “trágico erro” em mais uma operação com resultados catastróficos para civis. A União Europeia, autoridades egípcias e até generais israelenses demonstram cada vez mais incômodo com a ofensiva no sul da Faixa de Gaza.
Ao menos 45 pessoas morreram e 200 ficaram feridas em um ataque aéreo israelense seguido de incêndio em um acampamento de desalojados palestinos em Rafah, no domingo (26).
O ataque, segundo as IDF, resultou na morte de dois comandantes do Hamas que atuam na Cisjordânia, mas que estariam no noroeste da cidade. O simbolismo de desabrigados de bombardeios sendo mortos em um bombardeio aéreo, no entanto, foi mais eloquente do que o reconhecimento do erro pelo primeiro-ministro ou eventuais ganhos militares da ação.
Um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional americano, que pediu para não ser identificado, disse que a cena no acampamento é de “partir o coração”, que Israel tem o direito de perseguir o Hamas, mas “tem de adotar todas as precauções possíveis para proteger civis”
Dois integrantes do governo americano disseram ao site de notícias Axios que a Casa Branca estava discutindo se a ação em Rafah ultrapassa a “linha vermelha” estabelecida pelo presidente Joe Biden, como gatilho para retirar o apoio a Israel.
O presidente francês, Emmanuel Macron, declarou-se “indignado pelos ataques israelenses que mataram muitas pessoas deslocadas”, e acrescentou: “Essas operações precisam parar. Não há áreas seguras em Rafah para civis palestinos”.
O ministro da Defesa da Itália, Guido Crosetto, declarou: “Os palestinos estão sendo espremidos sem consideração pelos direitos de homens, mulheres e crianças inocentes, que não têm nada a ver com o Hamas. Isso não é mais justificável”.
Na reunião mensal de ministros das Relações Exteriores, a União Europeia discutiu recriar a missão de assistência a civis na fronteira entre a Faixa de Gaza e o Egito. Conhecida pela sigla Eubam Rafah, a missão foi interrompida em 2007, quando o Hamas assumiu o poder no território. Além da aprovação dos 27 países-membros, a medida requer ainda a concordância de Israel, Egito e Autoridade Palestina.
O chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, criticou Netanyahu por ter acusado a Corte Internacional de Justiça (CIJ) de antissemitismo. Borrell observou que “qualquer um que faz algo de que Netanyahu não gosta é acusado de antissemitismo”.
O procurador-geral da CIJ, Karim Khan, pediu no dia 20 que o tribunal emita ordens de prisão para Netanyahu e seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, assim como para os três principais líderes do Hamas, por crimes de guerra. O tribunal ainda não anunciou uma decisão.
Borrell havia dito na sexta-feira (24): “Teremos que escolher entre nosso apoio às instituições internacionais e ao domínio da lei ou nosso apoio a Israel. Vai ser bem difícil manter ambas as coisas compatíveis”.
Para tentar assumir o controle sobre a passagem de Rafah, a IDF tem atacado posições do Hamas no Corredor Filadélfia, de 14 km de extensão por 100 metros de largura, que liga a Faixa de Gaza ao Egito. Em uma dessas ações, um soldado egípcio foi morto e outros tiveram de se proteger do tiroteio.
Uma fonte do governo egípcio disse à agência estatal Al-Qahera News que essas ações israelenses criam “uma situação incontrolável, no terreno e psicologicamente, que pode levar a uma escalada”. O funcionário acrescentou: “Alertamos contra comprometer a segurança do pessoal egípcio mobilizado na área”.
Depois de três décadas de estado de guerra, Egito e Israel normalizaram as relações diplomáticas em 1979, como resultado dos Acordos de Camp David, mediados pelos EUA. A ditadura do marechal Abdel Fattah el-Sisi é adversária do Hamas, aliado à sua principal inimiga, a Irmandade Muçulmana.
Até mesmo generais da ativa em Israel estão incomodados com os objetivos maximalistas da campanha na Faixa de Gaza. Segundo o jornalista Henry Galsky, “vários dos principais generais do Exército de Israel já não consideram que faça qualquer sentido seguir adiante com a guerra, defendem um acordo que traga os reféns vivos de volta e entendem que esta não será a última guerra contra o Hamas”.
Netanyahu, no entanto, tornou-se refém de suas fragilidades políticas, que ele já enfrentava antes do ataque do Hamas no dia 7 de outubro. O primeiro-ministro resistia aos maiores protestos da história de Israel por causa de sua tentativa de reforma que tiraria autonomia da Suprema Corte, na qual ele próprio pode ser julgado por corrupção.
A falha de segurança que permitiu as atrocidades do Hamas aprofundou o descontentamento com Netanyahu. Para se contrapor a essas fragilidades, ele optou pela punição coletiva dos palestinos, matando milhares de civis, destruindo a Faixa de Gaza e impedindo o acesso de mais de 2 milhões de pessoas a alimentos, água e outros itens de sobrevivência.
Dos 250 reféns tomados pelo Hamas, quase 130 não foram libertados, e parte deles está morta, inclusive, provavelmente, pelas ações militares israelenses. Sucessivas negociações fracassaram. Mais uma está prevista para começar nesta terça-feira (28).
Enquanto isso, o comando do Hamas continua vivo. Ou seja, Netanyahu não atingiu os principais objetivos da campanha: destruir o Hamas e soltar os reféns. E ainda causou um grande dano à reputação de Israel.
As táticas do Hamas de usar civis e militares israelenses como reféns e palestinos como escudos humanos seriam um desafio para qualquer governo. Mas, como revelou uma pesquisa do Canal 13 de Israel em janeiro, a maioria dos israelenses (55%) sente que Netanyahu coloca seu interesse pessoal acima do país.
Fonte: cnnbrasil.com.br