Falta de uma política fiscal mais clara e uma meta de inflação ambiciosa são pontos destacados por especialistas
O Brasil continua sendo o país com um dos juros reais mais altos do mundo. Para especialistas, a atual meta de inflação do país, somada às expectativas de gastos por parte do novo governo explicam a continuidade de uma Selic maior.
O ranking de juros liderado pelo Brasil foi elaborado pela gestora Infinity Asset Management, que acompanha um grupo das 40 principais economias globais.
“A sinalização do início do corte [dos juros] já estava programada para o meio do ano. Só que aí vem o papel do governo, que tem o potencial de desancorar as expectativas ao emitir sinais ruins fiscais. A permanência da taxa não é um efeito de política monetária, nem de inflação, é um efeito de deterioração de expectativas e o governo deve gerenciar isso”, afirma Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset.
Os juros reais são a taxa de juros corrente descontada a inflação. Em fevereiro, eles ficaram em 7,4% em fevereiro no Brasil, depois que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) manteve a Selic em 13,75%, o maior nível desde 2016.
O comentarista de Economia da CNN Aod Cunha diz que as sinalizações do governo são importantes para facilitar o trabalho do BC de reduzir a taxa Selic. Para o economista, algo que ajudaria a dar início ao arrefecimento da taxa seria uma política fiscal clara.
“Política fiscal objetiva, uma âncora ou um regramento fiscal objetivo que sinalize, não só uma meta para o controle da dívida, mas um tipo de controle para o crescimento do gasto público. Se o governo fizer isso de maneira clara e objetiva, vai abrir espaço natural para uma redução da taxa de juros”.
O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, também leva em consideração as perspectivas com relação à política fiscal brasileira e a maneira como tem sido conduzida ao longo dos anos. A partir de um quadro de política expansionista, no sentido de aumento de gastos, a política monetária do BC tem sua eficiência “minada”, causando assim uma necessidade maior de permanecer com taxas de juros mais altas por mais tempo.
“Temos no Brasil uma política fiscal que é sempre expansionista pelo lado do custeio, nunca pelo lado do investimento. Se fosse pelo lado do investimento seria bom, pois teríamos retornos em médio e longo prazos. Como sempre é pelo lado do custeio, significa que o governo sempre gasta muito e gasta mal. Essa expansão fiscal vai minando a eficiência da política monetária do BC”.
A lista dos maiores juros reais é liderada por outros países latinos que vêm logo na sequência do Brasil: no México, a taxa descontada da inflação está em 5,5%, no Chile é 4,7% e, na Colômbia, 3%.
Já é o quarto levantamento em que o Brasil se mantém na dianteira dos juros reais globais, de acordo com a Infinity, que renova o ranking a cada reunião do Copom. Os encontros são realizados a cada 45 dias com o presidente e os diretores do BC para definir a taxa Selic.
Paulo Gala, economista-chef do Banco Master, coloca outro ponto sob perspectiva. O de que a meta da inflação de 3,25% para este ano, e a de 3% para 2024, foi definida em um contexto pré-pandêmico e quando o IPCA estava baixo.
Segundo ele, após a pandemia e a guerra na Ucrânia que geraram um contexto inflacionário no mundo todo, as atuais metas são difíceis de serem perseguidas pelo BC.
“Com o choque da pandemia, o BC reagiu com muita força e fomos para esse nível excessivamente elevado. Contudo, não devemos mudar a meta agora. Mudar agora vai dar a impressão de descontrole da inflação e para o governo novo isso é muito ruim”, disse Gala.
Agostini, concorda com a meta de inflação ambiciosa do Brasil frente à capacidade de alcançá-la.
“Temos uma meta de inflação muito ambiciosa. Estamos falando de uma meta muito parecida, ao olharmos o centro da meta, com países desenvolvidos como os Estados Unidos e nações da Europa. É muito ambiciosa para um país que não tem uma infraestrutura que dê ganho de produtividade, ganho de escala, que dê competitividade para o Brasil”, disse.
Crédito
Em sua última reunião, o Comitê de Estabilidade Financeira (Comef), órgão do Banco Central, destacou a questão dos juros no país na avaliação do cenário econômico e financeiro.
O Comef apontou que houve desaceleração no ritmo de concessão de crédito tanto para empresas como para o consumidor pessoa física. O dinheiro mais caro, com juros subindo para o cliente, diz o Comitê, apesar de a taxa Selic estar estacionada desde agosto do ano passado em 13,75%, também faz com que as instituições fiquem mais criteriosas para a concessão de crédito.
Aod Cunha avalia que a continuidade do atual patamar da taxa de juros deve gerar uma situação desafiadora no mercado de crédito.
“A permanência de uma taxa elevada, o prolongamento dessa taxa, evidentemente, em algum momento, iria gerar uma situação de restrição de crédito mais aguda. Precisamos reduzir a taxa de juros. Precisa ser feito de maneira correta, para que uma redução mal feita depois não nos leve a uma subida adicional de juros e uma restrição de crédito maior”, explica.
Em relatório enviado aos clientes nesta semana, a consultoria Verde Asset apontou que existem sinais incipientes de uma possível crise de crédito atingindo a economia brasileira e que, por isso, será necessário “boas políticas públicas” para administrar a situação.
Na vida prática das empresas, os juros altos indicam a necessidade de se ter mais dinheiro para pagar dívidas, muitas vezes, contraídas num cenário em que a taxa estava perto da mínima, como era em 2021.
Emprego
Em um cenário de juros altos, o mercado de trabalho deve engatar em um processo de desaceleração ao longo de 2023, disseram analistas à CNN.
A expectativa deriva de projeções de baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) que, embora tenha avançado 2,9% ao longo de 2022, recuou 0,2% no último trimestre do ano, segundo informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no início de março.
“Ao olhar o resultado do PIB no quarto trimestre, já dá para entender de onde o pessimismo vem. Os juros altos já começaram a incidir sobre a economia, embora o ‘pacote eleitoral’, com estímulos fiscais e de consumo no ano passado, tenha ajudado a reduzir o impacto nos dados”, afirma Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre).
De acordo com o especialista, os efeitos da taxa Selic, em trajetória ascendente desde março de 2021 e estacionada em 13,75% ao ano desde agosto do ano passado, demoram a aparecer na atividade do país. É por isso que, agora, o impacto começa a ressoar com mais força.
“Eles ainda não estão impactando com todo o potencial, mas estarão. A Selic alta como ferramenta de controle da inflação tem o ônus de desacelerar a economia, e isso influencia diretamente na geração de empregos.”
Fonte: cnnbrasil.com.br