O governo federal anunciou, no último dia 28 de junho, o Plano Safra para o período 2023/2024. Com um aumento substancial dos recursos disponibilizados no ano passado, o programa deste ano também beneficiará produtores que adotarem práticas sustentáveis, além de prever linhas de crédito específicas para o investimento em armazenagem das colheitas – um dos gargalos da produção brasileira. Por outro lado, especialistas ouvidos pela DW citam a falta de atenção ao seguro agrícola como uma das falhas do Plano Safra atual.
O programa anual de incentivos à agropecuária brasileira por meio de linhas de crédito a juros menores que os praticados pelo mercado terá, nesta edição, uma oferta total de R$ 435,8 bilhões, 27% a mais que no período 2022/2023. Desse valor, R$ 364,2 bilhões são destinados à agropecuária empresarial – também 27% a mais que os R$ 287,15 bilhões do ano passado – e R$ 71,6 bilhões para a agricultura familiar, um aumento de 34% nos recursos disponibilizados.
Para a agricultura familiar, são juros de 3% ao ano para produção de orgânicos, 4% para a produção de alimentos e 5% para investimento em máquinas e equipamentos. Já a agricultura empresarial terá linhas de crédito para custeio, comercialização e investimentos que variam de 7% a 12,5% ao ano, dependendo do programa e da dimensão da produção.
Dos R$ 435,8 bilhões, o governo subsidiará R$ 13,6 bilhões de todo o crédito do Plano Safra 2023/2024, utilizando R$ 8,5 bilhões para equalizar as taxas aos agricultores familiares e R$ 5,1 bilhões para o setor empresarial. O crédito é disponibilizado por diversas instituições financeiras, com a principal delas sendo o Banco do Brasil, que financiará praticamente a metade do valor total do programa. Cooperativas de crédito, bancos regionais, a Caixa Econômica e o BNDES também anunciaram recursos.
Para Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV-EESP, embaixador especial da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) e ex-ministro da Agricultura no primeiro mandato de Lula, o montante disponibilizado no Plano Safra 2023/2024 é positivo, mas há gargalos.
“O setor cresceu muito, é muito grande hoje em dia, e é praticamente impossível colocar à disposição dele toda a demanda de recursos que ele tem. Dito isso, eu considero um bom valor. Não acreditava em um valor 27% maior que no ano passado, acho que é uma conquista do ministro [Carlos Fávaro]”, afirma Rodrigues, que, no entanto, vê os juros ainda como altos para a prática da agricultura.
“Tem uma vantagem, que não são mais altos que no ano passado, mas é uma atividade que tem dificuldade para juros acima de 4% ou 5%. É um setor que não tem essa margem”, explica ele, citando os médios produtores, que também se enquadram nos juros oferecidos à agricultura empresarial.
Estoques e armazenagem
O ex-ministro da Agricultura também vê como avanço o aumento nos recursos disponibilizados para a armazenagem de grãos, ponto reforçado pela economista Cristina Helena de Mello, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
“Parte dos silos e armazéns não são de agricultores nacionais, são de corporações internacionais. Oferecer recursos para que os fazendeiros possam construí-los internaliza um ganho que antes estava indo para fora, permite que essa agricultura faça uma gestão melhor de preços, ficando menos exposta à precificação”, explica Mello.
De acordo com dados da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio, a cadeia produtiva brasileira perderá cerca de R$ 30,5 bilhões com a desvalorização de milho e soja por causa da falta de silos. Sem armazenagem, os grãos precisam ser vendidos, o que aumenta a oferta, reduzindo os preços e causando perdas aos produtores. O problema é ainda mais grave diante da previsão de safra recorde em 2023, com alta de 13,3%, segundo o IBGE.
Para 2023/2024, o Plano Safra terá um aumento de 81% para construção de armazéns de até 6 mil toneladas e de 61% para silos de maior capacidade. O valor total disponibilizado será de R$ 6,6 bilhões. “Nossa agricultura tem uma estratégia de comercialização da produção diferente de outros países, porque aqui a taxa de juros é muito alta e construindo silos de armazenagem o agricultor ganha tempo”, diz a professora da ESPM.
Para Cristina Helena de Mello, o Plano Safra é coerente com a atividade econômica. “Potencializa o crescimento, a geração de emprego, melhora o acesso a preços, a renda real. Vejo associado a isso uma possibilidade de esses recursos também terem impacto na indústria de máquinas e equipamentos, na indústria verde que apoie a tecnologia. Acho que está muito bem desenhado e endereçado”, resume.
Capacidade de impactar nos preços
Segundo o economista Lucílio Alves, pesquisador do centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea-Esalq) da USP, os recursos do Plano Safra voltados para a agricultura familiar mostram que o governo está dando opções para que características diferentes de produtores possam ter a capacidade de investir – desde o assentado, passando por recursos direcionados para a mulher que comanda o campo, e também para produtos orgânicos, agroecológicos e assim por diante.
Alves lembra que há iniciativas federais, como compras governamentais e aquisição de alimentos da agricultura familiar para cesta básica e refeições nas escolas que são importantes para evitar perdas no setor. No entanto, ele não vê um papel de regulação do governo como algo necessário – e até possível – por meio de mecanismos como os estoques de grãos.
“Não é papel do governo, o que tem que regular os preços internacionais são oferta e demanda internacional. Os preços no Brasil devem ser parâmetro. Se o preço internacional estiver melhor que o preço no Brasil, que se favoreça a exportação. Por outro lado, se está mais barato no Brasil, que os agentes possam ir lá e comprar”, diz. “Em momento de preço alto, é importante uma ajuda do governo para esses agentes, senão vão sofrer na mão de intermediários. Mas são questões pontuais”, afirma o economista da USP.
Ele lembra que o Plano Safra vem no sentido de possibilitar ao produtor condições de adotar tecnologias disponíveis e produzir ao menor custo possível. “Mas é importante que se tenha opções de gerenciamento de risco, para lidar com questões climáticas. No caso dos pequenos produtores, já há possibilidades. Mas para os médios e grandes é importante a opção do seguro, para variações climáticas adversas e variações de renda. É muito mais barato para o governo investir nesse tipo de ação que fazer alguma intervenção específica”, diz Alves, pontuando que há um cenário de incertezas, com secas no hemisfério norte que podem impactar nos preços e nos estoques.
Em abril, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) anunciou a liberação de R$ 1 bilhão para o seguro rural. Para Roberto Rodrigues, da FGV, esse valor ainda é insuficiente, e deveria ser três vezes maior. “É um defeito [do Plano Safra] que é preciso sanar, a inexistência de recursos de bom tamanho para o seguro rural”, conclui.
Fonte: dw.com