Brasil envelhece como a Europa

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País atingiu uma proporção inédita de idosos na população em 2022: 10,9%. Para especialistas, Brasil avança de maneira acelerada na transição demográfica rumo ao cenário europeu

“É preciso pensar hoje em um futuro em que os idosos serão a maioria. Envelhecer é um direito e um processo natural da vida”, diz Luciana Lima

Os dados do Censo de 2022 revelaram uma nova configuração da população brasileira: a proporção de idosos com 65 anos ou mais atingiu o recorde de 10,9%, enquanto a de crianças e jovens até 14 anos caiu para 19,8%. Com isso, o país avança na transição demográfica rumo ao envelhecimento populacional que já é observado em países europeus, onde 21% da população tem mais de 65 anos.

A pirâmide etária brasileira, que apresentava uma base larga, encurtou e assumiu a forma de gota com a ampliação do topo. Em 12 anos, a parcela de idosos na população passou de 14 milhões para 22 milhões de habitantes. Em 2010, eles somavam 7,4% da população. Em 1980, esse número era ainda menor: apenas 4% dos brasileiros tinham 65 anos ou mais. Enquanto isso, o total de jovens até 14 anos encolheu em 5,8 milhões de indivíduos. No Censo anterior, somavam 24,1% da população.

A combinação de redução nas taxas de fecundidade e de mortalidade levou ao aumento no número de idosos, seja no Brasil ou na União Europeia. O gerente de Estimativas e Projeções de População do IBGE, Márcio Minamiguchi, explica que o resultado era esperado, mas a velocidade surpreendeu. “O Censo reflete esse contexto de diminuição no número de nascimentos e aumento da parcela idosa. A tendência é que esse processo venha a se acentuar no curto prazo”.

Transição demográfica

No continente europeu, com a Revolução Industrial, a melhora nas condições sanitárias e os avanços medicinais e farmacêuticos derrubaram os índices de mortalidade geral e de mortalidade infantil. Por outro lado, a urbanização, a universalização do ensino, o aumento da renda da população, a emancipação de mulheres no mercado de trabalho, o adiamento da decisão de ter filhos e estratégias de planejamento familiar impulsionaram o declínio da fecundidade.

Enquanto isso, no Brasil, as condições socioculturais e econômicas que levam ao envelhecimento populacional ocorreram de maneira concomitante e são observadas desde os anos 1960. Nessa década, começou o processo de industrialização da economia, que atraiu trabalhadores para as cidades. Somam-se a isso a melhora nas condições de nutrição e saneamento básico e a ampliação do acesso a serviços de saúde e medicamentos

Isso acarretou uma mudança nas causas de morte: doenças relacionadas ao envelhecimento, como câncer, doenças cardiorrespiratórias e crônicas, passaram a ser as maiores causas de óbito, ultrapassando as mortes por doenças infecciosas, respiratórias e parasitárias. Desse modo, a taxa de mortalidade geral caiu pela metade em apenas 20 anos: foi de 20,9 óbitos por mil habitantes, em 1940, para 9,8 em 1960. Em 2015, ela ficou em 6,08. Já a expectativa de vida, que era de 45,5 anos em 1940, chegou a 75,5 em 2022 para ambos os sexos.

As campanhas de vacinação em massa, programas de pré-natal e aleitamento materno, por sua vez, corroboraram com a redução da mortalidade infantil. O índice de óbitos de crianças até um ano era de 146 mortes para cada mil nascidas vivas em 1940. Em 2015, o indicador de era de 14 para cada mil. Em 2021, foi de 11,2.

Outro fator que impulsionou o envelhecimento populacional foi a queda na fecundidade, que o IBGE atribuiu à maior escolarização das mulheres. Desde os anos 1960, o acesso à educação foi ampliado com a massificação do ensino universitário. Além disso, houve a disseminação de métodos anticoncepcionais, como a pílula, e as mulheres passaram a adiar a maternidade.

A fecundidade no Brasil passou de 6,28 filhos por mulher, em 1960, para 1,9 filho por mulher em 2010, e 1,76 em 2021. Em 50 anos, a queda dessa taxa foi de 70%, segundo o IBGE.

“Há uma mudança de mentalidade em relação a quantos filhos se quer ter. Havia um ideal de família numerosa, agrária na década de 1950, em que era preciso ter muitos filhos para ajudar na lida. Com a maior urbanização, esse modelo de família grande já não cabe mais”, diz a professora de demografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Luciana Lima.

Preparação para a mudança

A Europa passou por uma série de mudanças ao longo de mais de 200 anos de envelhecimento populacional e, nesse longo período, fortaleceu o sistema de bem-estar social, alcançou a estabilidade econômica e até democrática. “A questão é que se estamos vivendo um processo mais acelerado e não o equacionamos do ponto de vista social, teremos um problema que pode chegar mais rápido, já que o Brasil tem uma população altamente numerosa e uma grande quantidade de pessoas vulneráveis socialmente”, pondera Lima.

Ela argumenta que as políticas públicas devem se debruçar sobre demandas relacionadas à promoção da saúde (atendimentos pelo SUS e cuidados em casa) e assistência social. Também serão necessárias adaptações no transporte urbano, de modo que seja mais acessível aos idosos, assim como as condições de habitação e opções de lazer, por exemplo.

Esse cenário de menos nascimentos e mais longevidade tem outro efeito numérico: a redução na força de trabalho. Por isso, alguns países adotam medidas para aumentar a natalidade e recompor a População Economicamente Ativa (PEA), tendo em vista que esta chegou a 63,9% na União Europeia.

Fonte:  dw.com


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