Boicote internacional ao agro é risco e acabar com ilegalidades deve ser prioridade sob Lula ou Bolsonaro, diz Roberto Rodrigues

Boicote internacional ao agro é risco e acabar com ilegalidades deve ser prioridade sob Lula ou Bolsonaro, diz Roberto Rodrigues
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Ex-ministro da Agricultura de 2003 a 2006 no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e importante liderança do agronegócio, Roberto Rodrigues acompanha duas movimentações internacionais que podem ser prejudiciais ao setor agropecuário brasileiro.

A primeira delas é a possibilidade de que, na COP-27 — a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022, que será realizada de 6 a 18 de novembro no Egito — possa ser aprovado um acordo para impedir a compra de soja de áreas desmatadas do Cerrado brasileiro a partir de janeiro de 2025.

A segunda é a proposta, aprovada em setembro pelo Parlamento Europeu, de um projeto que proíbe a entrada naquele mercado de commodities originários de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2019. O texto ainda precisa ser validado pelos 27 países da União Europeia.

“O boicote [aos produtos agrícolas brasileiros] é um risco que pode ser implementado se nós não cuidarmos do que é essencial: acabar com ilegalidades. O desmatamento ilegal, incêndio criminoso, invasão de terra — tudo que for ilegal tem que ser coibido no país”, diz Rodrigues, em entrevista à BBC News Brasil.

Atualmente coordenador do Centro de Agronegócio na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP FGV), o ex-ministro se diz grato a Lula, mas elogia as políticas de Jair Bolsonaro (PL) para o setor agrícola. Ele diz que não vai declarar voto para o segundo turno e avalia que a democracia brasileira “não corre o menor risco”.

Rodrigues tem defendido que o mundo vive uma transição inequívoca da economia convencional para a economia verde e a descarbonização.

Questionado sobre as perspectivas para essas agendas sob um eventual governo Lula com um Congresso muito mais conservador do que em 2003, ou sob um segundo mandato de Jair Bolsonaro, ele afirma que a questão ambiental será inescapável.

“Qualquer que seja o governo em janeiro, a questão ambiental tem que ser tratada com muita atenção, com muito zelo, sob pena de o país perder espaço por causa de uma imagem deturpada. Então acredito que as coisas vão acontecer qualquer que seja o governo.”

O agro no próximo governo

Para Rodrigues, são sete os principais desafios para o setor agropecuário no governo que se inicia em 2023.

O primeiro é garantir infraestrutura logística para as regiões de fronteira agrícola no Centro-Oeste e Matopiba (região de cerrado dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o que dependeria de investimentos privados e da realização de reformas estruturais para dar segurança aos investidores.

O segundo desafio, segundo o líder do agronegócio, é a abertura de mercados formais através de acordos comerciais bilaterais ou multilaterais, incluindo a venda não só de produtos, mas de tecnologia e conhecimento para a produção em países tropicais.

Ainda na área comercial, ele defende a necessidade de se agregar valor às commodities brasileiras, o que depende da negociação em nível governamental, no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio), para que a escala tributária seja mitigada, permitindo a venda de produtos de maior valor.

O terceiro ponto, segundo Rodrigues, é o investimento em tecnologia. “Nenhum país pode avançar sem inovação tecnológica, sem investimentos vigorosos em pesquisa”, diz o ex-ministro, destacando a importância dos órgãos federais e estaduais de pesquisa para a melhoria da produtividade e da qualidade da produção.

A política de renda para o campo é a quarta prioridade, na visão do especialista, que defende o avanço do seguro rural. Segundo ele, isso estimularia a adoção de tecnologia no campo e a evolução do crédito privado ao setor, reduzindo a dependência de recursos públicos.

Rodrigues defende ainda a evolução da defesa sanitária, através da autorregulação do setor privado; o apoio à organização privada de cooperativas; e a “embalagem” de todas essas medidas sob uma perspectiva de sustentabilidade, com o combate das ilegalidades.

Governo Bolsonaro

Questionado sobre como avalia a gestão do presidente Jair Bolsonaro com relação às políticas para o setor agrícola, Rodrigues elogia as gestões da ex-ministra Tereza Cristina e do atual ministro Marcos Montes.

“Tereza Cristina é uma ministra maravilhosa, que está sendo sucedida por um outro ministro extraordinário, que é o Marcos Montes”, diz o ex-ministro.

Ele cita como medidas positivas da atual gestão o Plano ABC+, de políticas para a agricultura de baixo carbono; o crédito rural abundante; e a atuação firme do governo frente à escassez de fertilizantes no mercado, em decorrência da guerra entre Rússia e Ucrânia.

“O governo correu para resolver o assunto e conseguiu um resultado importante, num ano complexo como foi esse. Então, eu faço uma avaliação positiva”, afirma.

Rodrigues discorda das críticas de pesquisadores da área de soberania alimentar, que consideram haver um desmonte nas políticas voltadas à agricultura familiar nos últimos anos, com a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário e o desfinanciamento de programas como o de Aquisição de Alimentos, de Cisternas e de Assistência Técnica Rural.

“Acho que houve atenção igual para todo mundo e o processo de desenvolvimento da agricultura familiar tem o mesmo empenho da atividade de exportação, só que a segunda aparece mais por razões óbvias”, diz, argumentando ainda que a distribuição de títulos de propriedade sob a atual gestão foi maior do que em outros governos.

Gestões petistas

Questionado quanto aos erros e acertos dos governos petistas em relação ao setor agro, Rodrigues cita seus feitos como ministro durante o primeiro governo Lula.

Lembra que conseguiu forte apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária, conseguindo com esse apoio aprovar a Lei do Seguro Rural e a lei que dispôs sobre títulos do agronegócio, visando reduzir a dependência do setor com relação ao crédito público.

Ele cita ainda a aprovação da Lei de Biossegurança; a reforma da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento); o Programa de Fortalecimento e Crescimento da Embrapa (PAC Embrapa); a criação de 23 câmaras setoriais por cadeias produtivas; a criação de uma rede de adidos agrícolas em diversas embaixadas brasileiras; e o desenvolvimento do biodiesel.

Em diversas de suas falas recentes, quando questionado sobre a resistência do agronegócio ao PT, o ex-presidente Lula tem destacado que, quando assumiu, as exportações agrícolas brasileiras somavam pouco menos de US$ 25 bilhões, chegando a US$ 76 bilhões ao fim do seu segundo mandato em 2010.

As exportações continuariam crescendo nos anos seguinte até superarem os US$ 100 bilhões nos últimos anos.

Questionado sobre por que, apesar do crescimento da agropecuária nas gestões petistas, há tanta resistência ao partido no setor até hoje, Rodrigues cita dois motivos principais.

“Não existe resistência, existe preocupação com alguns fatos. Por exemplo, algumas informações que correm de que haverá tributação sobre exportações agrícolas, o que seria um erro”, afirma.

“Também a questão da garantia da propriedade privada, com as invasões de terra, assusta um pouco o produtor rural. São preocupações com relação a temas de campanha.”

Rodrigues reforça que, por ter sido ministro de Lula, jamais “cuspirá em prato que comeu”.

“Não seria ético, eu sou grato pela oportunidade que tive de fazer coisas boas para o setor que mais amo. Então não vou criticar ninguém, nem defender ninguém. Não me force a fazer isso.”

Economia verde é tema ´irrecorrível´

Para o ex-ministro, a transição para economia verde é um tema “irrecorrível”.

“O mundo caminha para essa economia verde e nós vamos caminhar também, não há o que discutir em relação a isso”, afirma, reforçando a importância de uma estrutura oficial de crédito e de regulação que permita essas pautas — como o mercado de créditos de carbono — avançarem.

“São temas que terão que ser resolvidos e fatalmente serão a base da agricultura de qualquer país do mundo que se queira competitivo. A sustentabilidade hoje é condição prévia para a competitividade, então nós vamos caminhar para isso, não tem outra alternativa, qualquer governo, qualquer Congresso, qualquer estrutura tem que caminhar para isso.”

Rodrigues avalia que o tema ambiental é uma questão central da humanidade no século 21 e será cada vez mais relevante.

“O produtor rural também sabe disso, que o patrimônio dele, que é a terra dele, tem que ser cuidada ambientalmente, se não ele acaba perdendo patrimônio”, afirma.

“Agora, o que não pode é essa questão central, relevante, determinante para toda a humanidade, ser usada como barreira não tarifária ao comércio. Isso é uma hipocrisia.”

Thais Carrança
Fonte: BBC News Brasil

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