O presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou na tarde deste domingo (21/07) que desistiu de disputar a reeleição e declarou que apoia que sua vice, Kamala Harris, assuma a cabeça da chapa como candidata democrata à Presidência.
A desistência ocorre após semanas de pressão sobre o presidente. Biden vinha enfrentando cada vez mais pedidos públicos de membros do seu próprio partido para deixar a disputa, que tiveram como gatilho o desempenho desastroso do presidente contra seu rival republicano Donald Trump em um debate no final de junho. Desde então, Biden, de 81 anos, vinha sendo alvo de questionamentos sobre sua capacidade de continuar liderando a campanha democrata e vencer o pleito em novembro.
“Foi a maior honra da minha vida servir como seu presidente. E embora tenha sido minha intenção buscar a reeleição, acredito que é do melhor interesse do meu partido e do país que eu me afaste e me concentre exclusivamente em cumprir meus deveres como presidente pelo restante do meu mandato”, escreveu Biden em um comunicado publicado neste domingo na rede X. “Falarei à nação ainda esta semana com mais detalhes sobre minha decisão.”
O primeiro texto publicado pelo presidente não indicava quem Biden deseja ver disputando a eleição no seu lugar, mas em uma mensagem posterior, Biden apontou que apoia que a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, assuma a candidatura.
“Minha primeira decisão como candidato do partido em 2020 foi escolher Kamala Harris como minha vice-presidente. E foi a melhor decisão que tomei. Hoje quero oferecer todo o meu apoio e endosso para que Kamala seja a indicada do nosso partido este ano. Democratas – é hora de nos unirmos e derrotar Trump. Vamos fazer isso.”
Harris elogia Biden e se diz honrada com apoio
Após o anúncio, Kamala Harris disse que estava honrada com o apoio de Biden e que vai fazer de tudo para unir o Partido Democrata e os EUA para derrotar o republicano Donald Trump.
“Em nome do povo americano, agradeço a Joe Biden por sua liderança extraordinária como Presidente dos Estados Unidos e por suas décadas de serviço ao nosso país. (…) Com este ato altruísta e patriótico, o presidente Biden está fazendo o que sempre fez ao longo de sua vida de serviço: colocando o povo americano e nosso país acima de tudo. (…) Estou honrada por ter o apoio do presidente e minha intenção é merecer e ganhar esta nomeação. (…) Farei tudo ao meu alcance para unir o Partido Democrata — e unir nossa nação — para derrotar Donald Trump e sua agenda extremista Projeto 2025“.
Os democratas terão agora que oficializar uma nova chapa na convenção do partido, prevista para agosto, em Chicago.
Não está claro se todos os delegados democratas vão aceitar Harris como substituta. Muitos democratas que fizeram pressão pública para que Biden desistisse não citaram Harris necessariamente como uma substituta e há possibilidade de que outros nomes do partido tentem disputar a nomeação para a cabeça de chapa.
Neste domingo, várias figuras do Partido Democrata elogiaram a decisão de Biden, chamando o presidente de “patriota”. Mas nem todos seguiram o exemplo do presidente de endossar Harris. O ex-presidente Barack Obama, por exemplo, chegou a indicar que é a favor de um novo processo de escolha. Já o casal Clinton estava entre os democratas que imediatamente declararam apoio à vice.
Nas semanas em que Biden sofreu pressão para desistir, outros nomes além de Harris chegaram a ser cotados, como os governadores Gavin Newsom (Califórnia), J.B. Pritzker (Illinois), Josh Shapiro (Pensilvânia) e Gretchen Whitmer (Michigan), além do secretário de Transportes, Pete Buttigieg. No entanto, na noite de domingo Newsom, Buttigieg e Shapiro anunciaram que vão apoiar Harris.
Uma eventual candidatura de Harris tem uma vantagem considerável sobre outros potenciais democratas: na condição de vice, sua candidatura poderia continuar acessando as dezenas de milhões de dólares que já foram doados para a chapa quando Biden ainda pretendia concorrer. Qualquer outro candidato teria que recomeçar praticamente do zero.
Essa deverá ser a primeira convenção democrata “em aberto” desde 1968. Nas últimas décadas, as convenções foram limitadas a oficializar o nome dos pré-candidatos mais votados nas primárias, com o suspense se limitando à escolha do vice.
Curiosamente, a convenção de 1968, tal como a prevista em 2024, também ocorreu em Chicago e foi marcada pela decisão do então presidente democrata Lyndon Johnson de não concorrer à reeleição. Em outro paralelo, a convenção de 1968 também ocorreu em um momento de forte divisão e violência política no país por causa da Guerra do Vietnã e o assassinato do pré-candidato democrata Robert Kennedy no mesmo ano.
Trump reage e republicanos defendem renúncia de Biden
A desistência de Biden também deve levar a campanha do republicano Donald Trump a rever sua estratégia. Nas últimas semanas, Trump vinha concentrando seus ataques em Biden. Neste sábado, em seu primeiro comício após sobreviver a uma tentativa de assassinato, Trump chegou a insultar o presidente, afirmando que Biden era “estúpido” e tinha “baixo QI”.
Neste domingo, após Biden desistir, Trump voltou a distribuir ataques, afirmando que Biden “não estava apto” a concorrer em uma publicação na rede Truth Social.
“Joe Biden não estava apto para concorrer à presidência e certamente não está apto para servir – e nunca esteve! Ele só alcançou a posição de presidente por mentiras, fake news e por não sair de seu porão. Todos ao seu redor, incluindo seu médico e a mídia, sabiam que ele não era capaz de ser presidente, e ele não foi – e agora, veja o que ele fez com nosso país, com milhões de pessoas atravessando nossa fronteira, totalmente sem controle e sem verificação, muitos vindos de prisões, instituições mentais, e números recordes de terroristas. Sofreremos muito por causa de sua presidência, mas vamos remediar o dano que ele causou muito rapidamente. Faça os EUA grande novamente!”, disse Trump.
Outros republicanos, por sua vez, defenderam que Biden também renuncie à Presidência imediatamente.
“Neste momento sem precedentes na história americana, precisamos esclarecer o que acabou de acontecer. O Partido Democrata forçou o candidato democrata a sair da cédula de votação, pouco mais de 100 dias antes da eleição. … Se Joe Biden não está apto a concorrer à Presidência, ele não está apto a servir como presidente. Ele deve renunciar ao cargo imediatamente. O dia 5 de novembro não pode chegar tão cedo”, disse o presidente da Câmara dos Representantes, o republicano trumpista Mike Johnson.
No domingo à noite, a Casa Branca afirmou que Biden pretende completar o restante do seu mandato, apesar da desistência da candidatura.
“Ele [Biden] está ansioso para terminar seu mandato e entregar mais resultados históricos para o povo americano”, disse um comunicado da Presidência.
Com a saída de Biden, Trump, de 78 anos, agora é o candidato mais velho da história dos EUA a concorrer à Presidência por um grande partido, superando o recorde de 77 anos de Biden na eleição de 2020.
Debate desastroso foi estopim para pressão por desistência
A decisão de Biden foi anunciada semanas após um desastroso desempenho em debate televisivo contra Trump. Durante o duelo, Biden falou com voz rouca, gaguejou várias vezes, teve que se corrigir repetidamente e, em alguns momentos, pareceu mais tímido e menos concentrado que seu rival.
A performance gerou especulações sobre se o democrata – que aos 81 anos é o presidente mais velho da história dos EUA – teria condições de exercer um segundo mandato como chefe de governo americano.
Durante o duelo na TV, a Casa Branca afirmou que Biden estava resfriado. Mas logo após o fim do debate, cada vez mais vozes diziam que os democratas não podiam mais ignorar a discussão sobre se Biden é mesmo o candidato certo para derrotar Trump.
Ao abrir uma mesa-redonda pós-debate, o apresentador da CNN John King disse que “um pânico profundo, amplo e muito agressivo” havia se instalado no Partido Democrata após o desempenho “desanimador” de Biden.
A pressão foi crescendo no próprio partido do presidente, com diversos membros da legenda vindo a público pedir para que ele desistisse da campanha à Casa Branca. O governante teve que se pronunciar mais de uma vez, rechaçando diversas vezes que fosse abrir mão da candidatura.
Tentando dar um fim aos rumores, Biden também chegou a agendar uma entrevista de imprensa logo após o fim da cúpula da Otan realizada em Washington. Por cerca de uma hora, Biden falou sobre diversos temas da política internacional e insistiu perante os jornalistas ser “a pessoa mais qualificada para concorrer à presidência”, garantindo que derrotaria Trump mais uma vez e que queria “concluir o trabalho” que começou.
Mas a entrevista foi ofuscada por gafes do chefe de governo. Logo no começo ele trocou o nome de sua vice, Kamala Harris, pelo de Trump. Momentos antes, durante um evento na cúpula da Otan, apresentou o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, como “presidente Putin”, para se corrigir logo em seguida. Os lapsos acabaram dando mais combustível às especulações sobre o estado físico e mental do governante.
Jornais americanos chegaram a elaborar rankings contabilizando deputados e outros democratas com mandato que vieram a público para pedir que Biden desistisse.
O ex-presidente Barack Obama e a ex-líder da Câmara Nancy Pelosi, duas vozes muito influentes no Partido Democrata, também demonstraram insegurança com a continuidade da candidatura do atual presidente, embora não tenham pedido publicamente para que Biden desistisse.
A preocupação, segundo a mídia americana, também foi compartilhada por muitos outros membros do Partido Democrata que preferiram manter suas opiniões em privado. Já grandes doadores começaram a se perguntar se estavam investindo fortunas numa causa perdida.
O ator e diretor George Clooney, doador democrata altamente influente e um dos maiores apoiadores da reeleição de Biden, também chegou a publicar um artigo no jornal The New York Times pedindo a desistência do mandatário.
Fonte: dw.com