Quando teve início o mais recente conflito entre Israel e o grupo islamista Hisbolá no Líbano, Malak Daher esperava que a situação fosse durar apenas alguns poucos dias.
“É difícil estar tão longe de sua vida”, disse a mulher de 30 anos que teve de deixar a cidade de Mais al-Jabal, no sul do país, situada quase diretamente na fronteira libanesa-israelense onde se concentram os combates entre os dois lados. “Parece que a vida está em suspenso. A vida continua em toda parte, mas para você, o tempo parou.”
Os confrontos entre o Hisbolá e as forças de Israel parecem ter aumentado nas últimas semanas.
Daher sobreviveu à guerra de 2006 entre o grupo fundamentalista e Israel no sul do Líbano, mas disse que nada daquilo se compara às escaramuças atuais.
No início de junho, grupos de defesa dos direitos humanos denunciaram que Israel lançou munições de fósforo branco sobre cidades libanesas, em violação às leis humanitárias internacionais. Nesta semana, o Hisbolá lançou mais de 160 foguetes ao território israelense em retaliação ao assassinato de dois de seus comandantes.
Desde 7 de outubro de 2023, os ataques no sul de Israel por militantes do grupo extremista Hamas que deixaram mais de 1.200 mortos, a situação na fronteira com o Líbano tem sido bastante tensa.
O Hisbolá, a poderosa organização que possui papel dominante na vida política e social do Líbano, tem o Hamas como aliado e o Estado de Israel como inimigo.
Depois de duas guerras inconclusivas, em 1996 e 2006, as forcas israelenses e o grupo libanês passaram a realizar ataques retaliativos entre seus territórios, que resultaram numa alta contagem de mortos.
O medo de guerra total no Líbano
Contudo, desde 7 de outubro, esses ataques vêm aumentando dos dois lados da fronteira, em tamanho e alcance, o que elevou as preocupações de que os confrontos possam se tornar uma guerra total no Líbano.
Vários políticos extremistas em Israel defendem que o país deveria atacar o Hisbolá. Uma pesquisa divulgada neste mês indica que a maioria dos israelenses vê como uma boa ideia dar início a uma guerra com os extremistas no Líbano.
“Os ataques de 7 de outubro aumentaram dramaticamente a insegurança em Israel”, afirma uma análise divulgada em março pelo Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, com sede em Washington. “Se o Hamas, menos armado e treinado do que o Hisbolá, conseguiu matar brutalmente mas de 1.100 israelenses, o que conseguiria o ainda mais poderoso Hisbolá?”
Ainda não está claro se um conflito mais amplo deverá mesmo ocorrer. Os atuais esforços diplomáticos internacionais se dedicam a evitar que isso aconteça, com a maioria dos especialistas argumentando que seria imprudente se Israel abrisse outra frente de batalha, enquanto ainda mantem suas operações em Gaza. Além disso, o Hisbolá é um adversário mais poderoso e muito mais bem armado do que o Hamas.
Quanto ao Líbano, o país está há anos atolado em uma crise econômica e política. Mesmo que a população tenha simpatia pelos palestinos, dos quais de 37.000 foram mortos nos últimos oito meses na guerra em Gaza [segundo dados divulgados pelo próprio Hamas], é pouco provável que os libaneses – em meio à inflação, desemprego e incertezas políticas – apoiassem que o Hisbolá levasse o país a uma guerra.
Autoridades libanesas dizem que já ocorreram mais de 375 mortes no Líbano desde outubro de 2023, incluindo 88 civis, em razão de ataques israelenses. Tel Aviv, por sua vez, contabiliza 18 soldados e dez civis mortos pelo Hisbolá.
Milhares de deslocados
Dezenas de milhares de civis – em torno de 100.000 libaneses e mais de 60.000 israelenses – que vivem dos dois lados da fronteira tiveram de deixar suas casas em razão dos combates.
Pessoas na região relataram à DW que os que deixaram o sul do Líbano estão relutantes em retornar, a não ser em casos de total necessidade.
Alguns voltaram em momentos de aparente calma para verificar suas propriedades, ou, por exemplo, para comparecer a funerais. No entanto, a maioria das lojas e mercados estavam fechados, sendo difícil encontrar suprimentos.
Quando Daher fugiu inicialmente para Beirute após o início das hostilidades, a enfermeira de formação se viu desempregada. Ela conta que, em razão disso, decidiu voltar ao trabalho no hospital de Bint Jbeil, no sudeste do país, também nas proximidade da fronteira com Israel.
Ela permanece no hospital por três dias, realiza seus turnos, e depois volta para Beirute, onde está hospedada com familiares juntamente com sua mãe.
Em certo momento, Daher realizou um retorno desesperado a Mais al-Jabal com sua mãe de 60 anos, que tirava seu sustento plantando olivas e tabaco no vilarejo fronteiriço. Ela diz que a volta para casa se tornou um pesadelo. Elas não conseguiam dormir em razão dos mísseis e foguetes lançados durante toda a noite, o que fez com que se escondessem em um corredor da casa.
“Achei que iríamos morrer juntas”, recontou Daher, cujo marido trabalha no Kuwait. Logo que amanheceu, as duas voltaram para Beirute. Agora, ela volta para a região somente para trabalhar, mesmo estando ciente do perigo. No final de maio, o hospital quase foi atingido por um ataque israelense.
“Eles não tomaram apenas meu tempo”, diz Daher sobre os militares israelenses; “roubaram minhas ambições e minha paz. Me tornei uma mulher raivosa e angustiada à espera de ajuda. Antes disso, eu era uma mulher independente.”
Alguns se recusam a sair
Um punhado de pessoas ainda se recusa a deixar o sul do Líbano, apesar dos combates e da ameaça de uma guerra total. Um deles é Issam Alawieh, de 44 anos, pai de sete filhos. Ele permaneceu em sua casa no vilarejo fronteiriço de Maroun el-Ras juntamente com sua mulher e dois de seus filhos. A família já sobreviveu a três ataques aéreos israelenses.
“Você ouve apenas uma batida, É como um vulcão vindo debaixo de você”, disse Alawieh, que perdeu sua audição por uma semana após um dos ataques. Ele continua trabalhando em uma padaria na cidade vizinha de Bint Jbeil.
“Mesmo que a renda não seja boa e as vendas tenham caído 95%, eu continuo a fornecer comida para minha família”, afirmou à DW.
Para ele, viver nessas condições perigosas é melhor do que estar desabrigado e de se ver forçado a aceitar ajuda em outras partes. Ele conta que vizinhos que deixaram a cidade o chamaram de louco, mas ele acredita que sua família tenha se adaptado. As crianças já estavam acostumando com o som das bombas, afirmou.
“Se eu for embora e deixar tudo aqui, serei humilhado, não quero isso”, explicou. Mas, há ainda mais em jogo. Este é seu lar, sublinhou. “Não posso viver longe do sul do Líbano. Essa terra é como minha mãe. Não sei sobreviver sem ela. Venceremos enquanto nos mantivermos firmes em nossa terra.”
Fonte: dw.com