No trânsito intenso de São Paulo, um homem de meia idade tentava atravessar a cidade quando a falta de ar começou a tomar conta de seu corpo. Era uma crise de asma. Sem os medicamentos no carro, ele morreu poucos minutos depois.
O caso contado pelo médico Mauro Gomes, chefe de equipe de Pneumologia do Hospital Samaritano de São Paulo, durante um evento de discussão sobre a doença pode impressionar, mas histórias assim são relativamente comuns: um brasileiro morre por asma a cada 4 horas aproximadamente, de acordo com dados do Ministério da Saúde de 2018 a 2020..
A média foi calculada pela BBC News Brasil a partir de informações levantadas no DataSus referentes aos três anos mais recentes disponíveis. O índice se manteve no mesmo patamar em cada ano do período analisado.
A asma é uma doença de base genética que acomete as vias respiratórias, principalmente os brônquios (tubos que levam o ar para dentro dos pulmões), fazendo com que fiquem inflamados, inchados e com muco ou secreção. Por consequência, impede a entrega de oxigênio necessária durante crises.
Os pacientes geralmente apresentam dor e chiado no peito, tosse e sensação de cansaço, e os gatilhos que aumentam as chances de crises variam de pessoa para pessoa.
Apesar de ser um quadro controlável quando há tratamento adequado, dados de pesquisa da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) mostram que 9 em cada 10 pacientes com asma não têm a doença sob controle. Essa situação também terá consequências econômicas.
“Isso vai se repercutir com uma hospitalização a cada quatro minutos no Brasil, gerando um grande gasto público”, afirma Gomes.
Ele explica que a dificuldade em controlar a asma começa logo no diagnóstico. “Muitas pessoas estão sendo tratadas como se tivessem outras doenças, como bronquites, o que impede o paciente de evitar as crises.”
Mesmo quando sabem que são asmáticos e têm acesso aos medicamentos, muitos pacientes acabam abandonando os remédios depois que a crise passa.
Uma pesquisa, que contou com participação da Asbai, realizada em 2019, indicou que 73% dos pacientes não seguem todas as recomendações médicas e 47% admitem não usar os medicamentos com regularidade.
“Por isso é tão importante a conscientização de que a asma é uma doença crônica, não só uma doença da infância ou da adolescência. O quadro requer medicação regular para que se reduza o risco futuro de crises, assim como é feito com hipertensão ou diabetes, por exemplo”, diz o pneumologista.
Automedicação prejudicou rins de Antônio
Antônio dos Santos nasceu em Cubatão (SP), cidade com grandes indústrias que ficou conhecida pela poluição e qualidade de ar ruim. Quando tinha apenas 2 anos, ele teve uma forte crise de asma influenciada por essas condições.
Com tratamento medicamentoso esporádico e prática de futebol, as crises diminuíram durante a infância até o começo da vida adulta.
Antônio conta ter lutado contra a asma até os 34 anos, começando e abandonando o tratamento quando achava que não surtia efeito.
“Passei a me medicar por conta própria, e acabei sobrecarregando meus rins pelo excesso de medicamentos, o que me levou a quatro cirurgias diferentes.”
Aos 43 anos, Antônio estava internado quando o pneumologista que o atendeu, além de pedir exames, escutou todo o seu histórico clínico.
“Ele me explicou que minha asma estava descontrolada há muito tempo, mas que havia um tratamento ideal para mim e que era possível viver sem crises. Confesso que na hora não acreditei muito, já tinha tentado muitos medicamentos diferentes”, conta.
Há quase dois anos com tratamento contínuo e acompanhamento regular do médico que ganhou sua confiança, Antônio conta ter aprendido a importância de não deixar para tomar o remédio só quando a doença se apresenta em quadros agudos.
“Hoje, sei que a asma está em mim, mas está bem lá dentro, quietinha e vai continuar assim.”
Os sintomas e o tratamento da asma
Além da falta de ar, que é mais comum durante crises ou atividades físicas de alta intensidade, os pacientes geralmente apresentam dor e chiado no peito, tosse e sensação de cansaço. Os gatilhos que aumentam as chances de crises variam de pessoa para pessoa.
“Entre os mais comuns, estão contato com poeira, com produtos químicos, fumaça de cigarro, cheiros fortes, ácaros, contato próximo com alguns animais (principalmente gatos e cavalos), temperatura fria e infecções respiratórias”, esclarece Grasielle Santana, pneumologista do Hospital Santa Lúcia Norte, de Brasília, e membro da Sociedade Brasiliense de Doenças Torácicas (SBDT).
“Alguns vão aliviar os sintomas, outros vão prevenir os sintomas ou podem ter medicamentos combinados. O fato é que cada um desses dispositivos tem uma função diferente e, por isso, é importante que as pessoas não se automediquem. A bombinha que serve para um amigo não vai, necessariamente, funcionar para você. A avaliação médica é que vai apontar o melhor tratamento para cada paciente”, diz Mauro Gomes.
O médico explica também que não é verdade que os corticoides usados via inalação são perigosos, nem que as bombinhas viciam ou fazem mal ao coração.
“O estigma do risco cardíaco vem dos anos 1950, quando, nos primórdios, os medicamentos realmente poderiam trazer um efeito prejudicial. Mas, hoje, se sabe que as drogas foram atualizadas, trazendo o controle da doença sem risco cardíaco.”
Os corticoides inaláveis são oferecidos em doses muito pequenas e seguras, inclusive para crianças, idosos e gestantes.
E, se as bombinhas são usadas de forma muito frequente, é um sinal de que o tratamento precisa de ajuste, não de que a substância esteja causando dependência.
Como tratamento complementar, pessoas asmáticas devem praticar exercício físico para melhorar a capacidade pulmonar e evitar crises.
Sem tratamento, crises podem ser graves
Em algum momento da vida, os pacientes com asma que não fazem o tratamento adequado terão crises de falta de ar. “Os quadros podem ser tão intensos a ponto da pessoa se sentir próxima da morte”, afirma Gomes.
Quando definido o tratamento pelo médico, existe a possibilidade de cadastro no programa “Farmácia Popular”, que fornece medicamentos de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde como brometo de ipratrópio, dirpoprionato de beclometasona e sulfato de salbutamol — muito usados contra a asma.”Para isso, o médico preenche formulários específicos que dá direito ao paciente a acesso de forma gratuita à medicação. O pneumologista é quem indicará o tratamento mais adequado e também é quem deve acompanhar esse paciente continuamente”, indica Santana, do Hospital Santa Lúcia Norte.Se há necessidade de outros tipos de medicamentos, considerados de alto custo (que representam mais de 70% de um salário mínimo), o paciente pode tentar obtê-lo por meio do plano de saúde ou por uma requisição judicial.
Em ambos os casos, o médico, hospital ou clínica costumam indicar o caminho mais adequado para cada necessidade específica.
– Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62810745.
Fonte: bbc.com