A reforma tributária é justa?

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Enquanto setor de serviços alega que reforma vai aumentar impostos, especialistas contestam, argumentando que a criação de um tributo único afeta uma pequena parcela dos negócios, atingindo os mais ricos.

O objetivo central da proposta de reforma tributáriaque vem sendo discutida pelo governo federal e pelo Congresso Nacional é a redução das distorções do sistema brasileiro e da chamada regressividade nos impostos, principalmente no consumo. Atualmente, o país tem cinco tributos que incidem durante toda a cadeia produtiva, gerando custos por vezes invisíveis que sobrecarregam principalmente a parcela mais pobre do país.

Para tentar corrigir esse problema, a principal proposta é a criação do chamado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) , que unificaria IPI, PIS e Cofins, de competência da União; o ICMS, dos estados; e o ICMS, dos municípios. Também chamado de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), o novo tributo teria uma alíquota única de 25%, de acordo com o secretário especial do Ministério da Fazenda para a reforma tributária, Bernard Appy.

A alíquota, no entanto, gerou críticas principalmente por parte do setor de comércio e serviços, que representa cerca de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Um estudo divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), por exemplo, afirma que, com as mudanças previstas nas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45 e 110, ambas de 2019, o setor sofreria um aumento que poderia chegar a quase 200% na carga tributária.

De acordo com a CNC, isso implicaria o aumento dos preços ao consumidor e até mesmo na empregabilidade das empresas de comércio e serviços, que é responsável por 37% da força de trabalho no país.

No entanto, especialistas em contas públicas consultados pela DW divergem dessas estimativas. Segundo o advogado tributarista e economista Eduardo Fleury, que é consultor do Banco Mundial, a reforma tributária visa não aumentar a carga, ao mesmo tempo que não diminui a arrecadação do governo.

Serviços afetam os mais ricos

“Temos que entender que o sistema brasileiro é uma metralhadora giratória. Ela acerta em muitas coisas, não tem padrão claro. Há um monte de exceções”, explica Fleury, que lembra que há desníveis de alíquotas em subsetores dos serviços que oneram principalmente os mais pobres, como nas telecomunicações, com carga tributária de aproximadamente 36%.

“Quem consome serviços é a população de renda mais alta. As classes mais baixas consomem basicamente internet e transporte, já que a saúde e a educação são pelo Estado”, acrescenta, citando a última Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, de 2017/2018.

O especialista tributário também cita um estudo do Banco Mundial sobre os mesmos dados da POF, que divide a população em dez faixas de renda. De acordo com o levantamento, em 2019 a carga tributária brasileira que incidia sobre o décimo mais pobre era de cerca de 21%; enquanto o décimo mais rico pagava 12%. Ainda segundo Fleury, com a reforma, nove das dez faixas de renda pagariam parcelas menores de impostos em comparação com o sistema atual – apenas os 10% mais ricos teriam aumento de carga tributária.

Em outro estudo, com base em dados da Receita Federal de 2019, Fleury também demonstrou que, dos 70% do PIB relativos ao setor de serviços, apenas 13,7% do total da economia brasileira correspondia a vendas de fim de cadeia, ou seja, ao consumidor final. De resto, a administração pública ficaria com 17,4% do PIB; os serviços financeiros com 7,2%; e os serviços de meio de cadeia, que vendem para outras empresas e seriam beneficiados pela reforma, com 13,2%, por exemplo.

“Dos 13,7% de serviços de fim de cadeia, quando se pega os CNPJs, cerca de 89% deles são de empresas enquadradas no Simples Nacional”, diz ele, lembrando que, na reforma, não há propostas de alteração do tratamento especial dado por esses empreendedores que faturam até R$ 4,8 milhões por ano.

Custos com encargos trabalhistas

Para os setores de serviços de meio de cadeia, a previsão da reforma tributária é que sejam aproveitados créditos, para que não haja sobreposição de impostos e desequilíbrio nos custos, como ocorre hoje. Conforme explica Murilo Viana, especialista em contas públicas e consultor-sênior da Go Associados, hoje uma empresa de TI que presta serviços para outra empresa, por exemplo, pode arcar com o pagamento do Imposto sobre Serviços (ISS), que não gera crédito tributário algum para o contratante do serviço, ocasionando cumulatividade e distorções.

Viana acrescenta que, com a reforma, o novo tributo pago sobre o valor adicionado será aproveitado. Comprar objetos de escritório para uma empresa ou mesmo o gasto de energia dela vão gerar créditos no sistema do IBS, o que atualmente não ocorre plenamente.

“Porém, o setor de serviços voltado ao atendimento ao consumidor não vai aproveitar isso, porque o elo dele é o atendimento final, então tende a suportar uma carga maior”, completa, lembrando que, embora novas redações das PECs já tentem amenizar o efeito negativo sobre o Simples Nacional, as empresas optantes por esse regime ainda assim podem sofrer algum aumento de carga, uma vez que os insumos adquiridos terão alíquota majorada com o IBS.

Um estudo da Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse) indica que, com um IVA de 25%, a carga tributária média de 128 subsetores passaria do atual número entre 21% e 26% para algo em torno dos 50%. Os representantes de comércio e serviços reclamam dos altos custos com encargos trabalhistas, que chegam a 40% do faturamento, e pressionam o governo por desonerações na folha.

Para Viana, os custos são altos, mas são essenciais para o financiamento da previdência social, que já dá sinais de esgotamento com o envelhecimento da população, com o processo de “pejotização” do trabalho, ampla informalidade ou mesmo com as novas relações de trabalho, advindas da “uberização”. “Isso também vai pressionar uma discussão para uma reforma sobre como o governo financia a seguridade e a previdência social”, diz ele, que pode incluir, por exemplo, plataformas de motoristas ou entregadores autônomos, por exemplo.

Custo invisível e desigualdade

Os cálculos do setor terciário sobre o aumento da carga tributária, no entanto, não são consenso. Professora catedrática de direito tributário da Universidade de Leeds e pesquisadora associada à Oxford, a portuguesa Rita de La Feria ressalta que é impossível saber realmente qual o volume de impostos que estão embutidos num produto ou num serviço prestado.

“Na prática, muitos dos serviços têm impostos embutidos nas compras que fazem, cadeiras, computadores, softwares e o que seja”, diz a jurista. Ela sublinha que o argumento de que a reforma tributária causará aumento de preços, ou seja, inflação, é inconsistente – justamente porque são utilizados pelos mais ricos. “A maior parte do consumo das pessoas de baixa renda é em produtos. Supondo que seja verdade que o serviço é menos tributado no Brasil, isso é uma regressividade enorme. Assim, tributar serviços da mesma forma que bens seria aumentar a progressividade do imposto.”

Segundo La Feria, a reforma tributária como está desenhada será tão positiva para a economia brasileira que acabará por beneficiar os setores de serviços. “Mesmo que eles estejam assustados, achando que é um aumento da tributação de valor real. Mas sinceramente acho que uma reforma tributária que desenvolva o Brasil e alavanque o desenvolvimento econômico vai ajudar a todos.”

Um dos pontos que ela ressalta ser vital na reforma tributária é o sistema de cashback, que prevê o retorno de impostos em forma de dinheiro para as classes mais baixas. La Feria cita estudos desenvolvidos por ela que apontam que o sistema de reembolso pode impactar positivamente inclusive no coeficiente de Gini, que mede o nível de desigualdade de um país.

Fleury, consultor do Banco Mundial, lembra que, já que a alimentação representa 22% dos gastos mensais dos 10% mais pobres, um cashback sobre esses produtos pode ser fundamental nesse sentido. “Mesmo que essa parcela tenha rendimentos mensais de até R$ 2.400, há pessoas aí que ganham R$ 500 ou R$ 700. Tem que devolver o imposto para essas pessoas, porque, mesmo que se consiga reduzir a regressividade com a reforma, ainda assim há essa realidade”, conclui, acrescentando que a informatização na área fiscal brasileira é capaz de fazer esse tipo de mecanismo com sucesso.

Fonte :  dw.com


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