A discussão sobre como as redes sociais podem ser usadas para disseminar informações falsas, discursos golpistas ou de ódio, ganhou uma nova dimensão no último fim de semana com os ataques do o empresário Elon Musk, dono da rede social X (ex-Twitter), ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
O bilionário, que se define como um “absolutista da liberdade de expressão”, chamou Moraes de “ditador do Brasil”, na madrugada desta terça-feira (09/04). Isso depois de Moraes determinar a inclusão de Musk como investigado no inquérito que apura a ação de milícias digitais que atentam contra a democracia. Moraes apontou que viu indícios de obstrução de Justiça e incitação ao crime nas ações de Musk.
Ai nda nesta terça-feira, Moraes negou um pedido da rede X no Brasil para que a responsabilidade sobre as medidas determinadas pela Justiça brasileira fosse transferida para a X Internacional. Para Moraes, o pedido “beira a litigância de má-fé”.
O bilionário vem criticando a suspensão judicial de algumas contas na plataforma de pessoas suspeita de ameaçar a democracia e o processo eleitoral. Moraes determinou multa diária de R$ 100 mil para cada perfil que a empresa reativar de forma irregular.
No sábado (06/04), Musk usou a plataforma para questionar o magistrado por que, na sua visão, há “tanta censura no Brasil” e afirmou que iria descumprir ordens judiciais brasileiras de bloqueio de perfis criminosos na rede social, o que parece já estar em curso.
Nesta terça, a plataforma voltou a mostrar publicações de perfis bloqueados por ordem judicial, como o da juíza aposentada Ludmila Grilo e do apresentador Monark, segundo informou a agência de checagem Aos Fatos.
Na segunda-feira, o perfil no X do canal Terça Livre, do ativista de extrema direita Allan dos Santos, recebeu o selo dourado na rede, mesmo com uma ordem judicial que havia determinado o bloqueio da conta em setembro de 2021.
O que está por trás da briga
As suspensões desses perfis haviam sido determinadas em 2022, ano da campanha à presidência da República, e em 2023, quando houve os atos golpistas de 8 de janeiro, em Brasília.
Em 2022, a Justiça brasileira tomou medidas mais proativas para conter ameaças à democracia. Alexandre de Moraes virou a face mais conhecida desse processo porque era o relator do inquérito sobre as milícias digitais antidemocráticas e é o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O ministro determinou, no âmbito das investigações, que as redes sociais bloqueassem alguns alvos desses inquéritos, afirmando que esses investigados utilizavam as plataformas para práticas irregulares.
Perto do segundo turno, o TSE publicou resolução determinando que as plataformas digitais deveriam remover conteúdos inverídicos em até duas horas, sob pena de multa de R$ 100 mil por hora, um fato sem precedentes na Justiça brasileira.
Essas decisões jurídicas de dois ou três anos atrás receberam críticas por terem uma redação muitas vezes ambígua, que não deixa clara a extensão do poder de polícia da Justiça Eleitoral. Elas vieram agora à tona com a notícia de e-mails que teriam sido trocados entre o TSE e a plataforma, divulgada na última quarta-feira (03/04) pelo jornalista e escritor conservador americano Michael Shellenberger.
Ele publicou um post com uma série de críticas a Moraes e à atuação do Judiciário brasileiro, sob o título “Twitter Files – Brazil” (Arquivos do Twitter, em português), o que foi repostado por Musk.
O nome “Twitter Files” começou a ser usado no final de 2022 para se referir a medidas de moderação, reveladas a partir de documentos internos da rede e que tratavam de anos anteriores à gestão do bilionário.
Baseado na série de e-mails, Shellenberger acusou Moraes e o TSE de praticarem o que ele alega serem quatro ilegalidades: 1) exigir do antigo Twitter a revelação de detalhes pessoais sobre usuários que publicaram hashtags que Moraes “não gostava”; 2) exigir acesso a dados internos da rede social, violando a política da plataforma; 3) censurar, unilateralmente, postagens de parlamentares brasileiros; 4) e tentar tornar as políticas de moderação de conteúdo da rede social para combater apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Não há informações públicas sobre todas as ações judiciais que motivaram as críticas de Musk contra Moraes. Em post institucional, a plataforma afirma que foi “forçada por decisões judiciais a bloquear determinadas contas populares no Brasil”, mas que não sabia o motivo das ordens de bloqueio ou quais publicações violaram a lei.
O X informou também que havia sido proibido de informar quais contas foram retidas e qual tribunal ou juiz emitiu a ordem.
VPN e Starlink
Musk ainda sugeriu como burlar um eventual bloqueio da rede social no Brasil, o que não seria um fato inédito no país. Em 2015 e em 2016, por exemplo, juízes de primeira instância determinaram o bloqueio do Whatsapp depois que a empresa se negou a conceder informações para investigações policiais. O mesmo aconteceu com o Telegram no ano passado.
“Para garantir que você ainda pode ter acesso à plataforma X, baixe um VPN”, disse o empresário em uma publicação. “Usar um VPN é muito fácil”, completou.
Ferramentas de Virtual Private Network (VPN) são serviços que mascaram a origem do acesso à internet. Ele faz com que usuários pareçam estar outro país, driblando bloqueios locais.
Caso a Justiça brasileira determine o bloqueio do X, outra questão se impõe. Musk também é dono da Starlink, empresa de internet via satélite que tem no Brasil um de seus principais mercados.
Segundo levantamento feito pela BBC News Brasil, a empresa é líder entre os provedores de banda larga fixa por satélite na Amazônia legal, com antenas instaladas em ao menos 90% municípios da região.
O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade, alertou ao podcast Café da Manhã que esse seria “um segundo debate, que a gente ainda não enfrentou no Brasil, que é um provedor de internet descumprir ordens de bloqueios de plataformas.”
Reações
Todo o embate ocorre enquanto o Congresso discute um projeto de lei para regulamentar as plataformas digitais, o chamado PL das Fake News, retirado da pauta da Câmara por falta de acordo entre parlamentares e pressão das plataformas. A União Europeia já aprovou uma norma desse tipo, que entrou em vigor em janeiro.
A briga aumentou a pressão pela regulamentação das redes sociais no Congresso. O relator do projeto de lei, deputado Orlando Silva, afirmou, em sua conta no X: “É impossível continuarmos no estado de coisas atual. As Big Techs se arrogam poderes imperiais. Descumprir ordem judicial, como ameaça Musk, é ferir a soberania do Brasil. Isso não será tolerado! A regulação torna-se imperativa ao Parlamento.”
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, divulgou nota para afirmar que decisões judiciais podem ser objetos de recursos, mas jamais de descumprimento deliberado.
Barroso diz que é público e notório que “travou-se recentemente no Brasil uma luta de vida e morte pelo Estado democrático de Direito e contra um golpe de Estado, que está sob investigação nesta corte com observância do devido processo legal”.
“O inconformismo contra a prevalência da democracia continua a se manifestar na instrumentalização criminosa das redes sociais”, afirmou.
Fonte: dw.com