O motel surgiu nos Estados Unidos em meados dos anos 1920 como uma acomodação de baixo custo e prática para viajantes. Daí, o neologismo que une as palavras “motor” e “hotel”. Condensava o american way of life e o acesso ao consumo, ao automóvel e à mobilidade. Já no Brasil, o motel ganhou outra finalidade: abrigar encontros de casais.
Os motéis brasileiros começaram a aparecer no final da década de 1960, no Rio de Janeiro e São Paulo, e logo espalharam-se por todo o país. Em uma sociedade em transformação, que havia recém-descoberto a pílula anticoncepcional, vieram suprir a necessidade de um local seguro e reservado para relações sexuais.
Notórios nas paisagens urbanas, eles representam um pujante setor econômico: estima-se que existam mais de 5 mil motéis no país, recebendo cerca 100 milhões de clientes todo ano e movimentando cerca de R$ 4 bilhões, de acordo com dados coletados em 2012. Resilientes, os motéis passaram por crises como a aids e a pandemia de covid-19, distintos planos econômicos e transformações de costumes, e seguem se reinventando e multiplicando pelo país.
Os motéis são frequentemente associados ao sexo extraconjugal, ao sexo casual e espontâneo, ou até mesmo ao sexo pago. Mas também ao romance, ao afeto e à fuga de rotina na vida do casal. De todas as formas, evocam uma certa transgressão.
“Não é que os motéis americanos não fossem usados para tal fim, mas esse era mais um de muitos”, explica Ciça Guedes, jornalista e coautora do livro Os Motéis e o Poder. O propósito dos encontros não estava na simbologia e na lógica de funcionamento dos motéis americanos como ocorreu no Brasil.
“Não é uma jabuticaba brasileira, no Japão já tinha o love hotel. Mas esse modelo de negócio, da rotatividade, da discrição, da decoração extravagante foi uma invenção brasileira. E foi exportada: muitos países possuem motéis à brasileira”, revela Murilo Fiuza de Melo, também coautor do livro.
Motéis pelo mundo
De fato, o Japão é o país com o maior número de acomodações destinadas a receber relações amorosas no mundo. Estima-se que existem cerca de 30 mil love hotels, como são chamados, no país. Operam geralmente nas chamadas ruas do prazer e não nas rodovias, e vêm de uma tradição própria e antiga, ligada às casas de chá. A presença desses espaços também é significativa em outros países do leste asiático, como Taiwan, Coreia do Sul e Tailândia.
Na Alemanha e em boa parte da Europa, tal modalidade de acomodação por hora associada a encontros de casais é praticamente inexistente. “Não existia na Europa. Mas nos últimos 15 anos começou a aparecer, principalmente na Península Ibérica. Foi muitas vezes uma iniciativa de descendentes de portugueses e espanhóis que mantinham motéis no Brasil e no México e retornaram aos seus países de origem levando a nova forma de negócio”, conta o antropólogo Jérôme Souty, autor do livro Motel Brasil, publicado pela editora Telha em 2019.
Um espaço limiar e secretivo
Os motéis brasileiros operam com dois aspectos paradoxais: a visibilidade e o ocultamento. As construções são chamativas, atraentes, com fachadas brilhantes e bastante ornamentadas. A decoração interior é carregada e inventiva, as suítes são muitas vezes dotadas de espelhos, hidromassagem e luzes quentes.
Mas apesar dessas referências explícitas, a discrição é parte essencial do motel. Por ser associado ao sexo extraconjugal, adúltero, ou desviante e proibido, é um espaço que zela pela privacidade e anonimato. Assim, o love hotel à brasileira desenvolveu uma arquitetura ímpar.
“Existe uma estrutura de serviço que faz com que nenhum hóspede cruze com outro ou tenha contato direto com funcionários”, explica Guedes. “O grande pulo do gato foi a criação do corredor de serviço e da garagem privativa, invenções do arquiteto brasileiro Paulo Pontes, que fez mais de 200 projetos de motéis pelo Brasil e até alguns no exterior”.
Para Souty, o surgimento dos motéis no Brasil não são uma consequência direta de uma revolução sexual e uma maior liberdade em relação ao sexo. Ele acredita que esses espaços sempre refletiram, ao longo de sua história, certas assimetrias de gênero e feridas da sociedade.
“É sempre o homem que fala com os funcionários, que dirige, que paga, mesmo quando a mulher tem mais dinheiro”, aponta o antropólogo, que também identificou em sua pesquisa uma frequente discrepância de idade entre homens e mulheres que frequentam o motel, revelando relações de poder problemáticas.
“Nada se vê, e de nada se sabe, com isso estão salvas as aparências e a moralidade, sem risco de decomposição social. Será que, paradoxalmente, o motel se torna, uma espécie de guardião hipócrita da ordem social e da moral pública? Essa questão do sigilo é interessante, porque se o Brasil fosse esse país da liberalidade total, que muita gente pensa que é, não precisaria do motel”, avalia Souty.
Incentivo durante o regime militar
Apesar de pregar a defesa moralista da família e dos bons costumes, a ditadura militar acabou financiando indiretamente a construção e a consolidação dos motéis. A partir do interesse em fomentar a indústria do turismo, surge em 1966 a Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) e uma série de medidas para facilitar a infraestrutura hoteleira no Brasil, como incentivos fiscais e juros baixos.
Mas muitos empresários viram nos motéis a oportunidade de surfar nessa onda, e os estabelecimentos proliferaram pelo país. “Existe essa contradição de ter sido um governo com discurso moralista, que praticava a censura, mas que financiou esses estabelecimentos. No início sem querer, é claro, mas depois fechou os olhos e financiou”, relata Guedes.
“O ano do fatídico AI-5 foi o mesmo ano em que surgiram os primeiros motéis. E alguns militares viraram até sócios de tais estabelecimentos. Também aconteceu de eles usarem tais locais para espionar inimigos do regime”, revela Fiuza de Melo.
Em 1975, a tentativa de feminicídio da atriz Leila Cravo no Vip’s, o mais famoso e luxuoso motel do Rio de Janeiro na época, fez com que o governo militar publicasse uma resolução determinando que esses estabelecimentos deveriam se instalar fora dos centros urbanos. Foi apenas após o crime que veio a tímida tentativa de controle dos motéis, que, ao migrar para zonas não centrais, aumentaram mais ainda sua presença.
Um fator também importante para a propulsão da modalidade foi a progressiva retirada da exigência de certidão de casamento para a hospedagem em hotéis em diferentes partes do país.
A nova motelaria
O empresário Vinicius Roveda, de 41 anos, começou a trabalhar ainda jovem no Bangalô Cabanas Motel, fundado no final dos anos 1970 pelo seu pai, na cidade de Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul. Roveda atuou desde cedo na área operacional do motel: na lavanderia, na manutenção das suítes, na recepção e na cozinha.
Em meados de 2005, Roveda viu o negócio familiar – o mais antigo e tradicional motel da cidade– começar a perder espaço, ficar sem recursos e entrar em uma situação crítica. Foi então que enxergou algo que os outros não estavam vendo.
“Me chamou atenção que os momentos de maior movimento eram finais de semana. Nas sextas e sábados à noite é difícil encontro extraconjugal, eles acontecem mais em uma segunda-feira à tarde, por exemplo.” Assim, assumindo a administração ao lado da irmã, resolveu focar o negócio nos casais com relacionamento estável e instaurar uma gestão mais profissional.
“Viramos a chave. O moteleiro antigo sempre teve o adultério em mente. Mas essa não é mais a realidade. Inclusive, na última pesquisa da Associação Brasileira de Motéis, descobrimos que 85% dos frequentadores de motéis são casais com relacionamentos estáveis”, aponta Roveda.
Foi com a premissa de “melhorar a qualidade de vida do casal” que Roveda e a irmã expandiram os negócios e criaram a primeira franquia de motéis do Brasil: a Drops Motéis. Hoje possuem também a franquia de motéis de alto padrão Zaya, além de uma consultoria especializada em administração de motéis. De proprietários familiares do Bangalô, passaram a administrar 22 motéis em diversas regiões do país.
Na busca de desmistificar o motel e remover suas conotações pejorativas, o empresário identificou no público feminino o maior potencial de mudança. “Hoje são as mulheres que são decisivas nessa escolha do casal. E vimos que o marketing usado até então incluía termos ruins, pejorativos, o que não causava identificação com elas”.
Fonte: dw.com