A pele da perna de Guo está arranhada, apesar do frio do deserto ele só traz nos pés as sandálias de plástico empoeiradas que comprou na Colômbia. O país está numa das rotas de migração para os Estados Unidos preferidas pelos migrantes da América Latina e Caribe – aos quais agora se juntam cada vez mais chineses como ele.
Sua odisseia começou em Shenzhen, no sudeste da China, onde trabalhava como mecânico numa fábrica. De lá, voou para o Equador, que não exige visto para portadores de passaporte chinês. Então continuou por terra através do Tampão de Darién, uma densa floresta tropical na fronteira entre a Colômbia e Panamá.
Finalmente, depois de cruzar a fronteira entre o México e os EUA na noite anterior, o rapaz de 24 anos está em Jacumba Hot Springs, um lugarejo da Califórnia de 600 habitantes, 125 quilômetros a leste do centro de San Diego. Seu inglês é tosco, mas a euforia é palpável: “É tão emocionante eu estar finalmente nos EUA!”
O acesso à localidade foi pela vizinha “San Judas Break”, uma das lacunas na maciça cerca que separa os dois países norte-americanos. Os migrantes, a maioria da China, esperam em fila pelos agentes da Patrulha de Alfândega e Fronteira dos EUA, que os levarão para solicitar asilo oficialmente. Alguns vestem jaquetas acolchoadas, outros se enrolaram em cobertores: todos levam poucos pertences, apenas dois têm malas.
Confiança no TikTok
Embora, segundo o serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP), os chineses ainda representem apenas 2,5% dos que cruzam ilegalmente a fronteira sul dos EUA, eles são o grupo que cresce mais rápido. De outubro a janeiro, a patrulha registrou cerca de 19 mil deles: no mesmo período de 2021, quando ainda estavam em vigor as restrições devido à pandemia de covid-19, esse número foi de apenas 55.
Michelle Mittelstadt, do Instituto de Política Migratória (MPI), sediado em Washington, explica que grande parte dos chineses tenta ingressar pela fronteira sul a fim de evitar as regras rígidas e longos prazos de espera que seus compatriotas enfrentam nos canais de imigração oficiais.
Mesmo entrando no país ilegalmente, são relativamente boas as chances de um cidadão da China obter asilo nos EUA: o Departamento de Justiça registra uma taxa de deferimento de mais de 50%, contra apenas 4% para os requerentes mexicanos.
“Eu sei dessa informação toda pela internet, pelo TikTok”, comenta Guo, tirando o telefone celular do bolso. Canais de mídia social das plataformas de vídeo e mensagens revelam as melhores rotas para entrar nos EUA, com instruções passo a passo, sugestões de meios de transportes, até mesmo especificando quanto os agentes de fronteira esperam como suborno em cada país ao longo do caminho.
O fenômeno de chineses ingressando nos EUA pela fronteira sul tem sido denominado “zouxian” no idioma: “arriscar”. E é justamente isso o que a ampla disseminação do termo nas redes sociais vem incentivando muitos jovens a fazer.
“Na China, a gente confia mais na mídia social para obter informações”, explica Ian Johnson, especialista no país asiático do think tank americano Council on Foreign Relations. “Nos países ocidentais, você perguntaria: ‘O que a mídia tradicional diz sobre o assunto?’ Mas na China não há como checar os fatos.” Ele se preocupa por esses jovens não terem a menor ideia em que estão se metendo.
Perda de esperança econômica
Por que tantos chineses abandonam seu país natal? “A China tem um monte de problemas. Os jovens não têm como pagar o preço de morar na cidade”, afirma o migrante Guo.
Segundo analistas, a economia nacional está em declínio, com desemprego extremamente alto entre os jovens e expectativa de deflação em 2025. O resultado poderá ser uma espiral descendente do consumo, insolvências de bancos e desemprego em massa.
E a situação não impactará apenas os muito pobres, prevê Johnson: “A desaceleração econômica está afetando agora parcelas mais amplas da população, inclusive a classe média baixa.” A perseguição política crescente sob o presidente Xi Jinping também reforça o desejo de emigrar.
A família de Guo não sabe que ele fugiu para os EUA. Suas relações não são boas: “Porque eu tenho uma opinião totalmente diferente sobre o governo, sobre o Partido Comunista da China, sobre este mundo. Eu não gosto de totalitarismo.” Desde a infância, ele conhecia os Estados Unidos como uma nação democrática e economicamente poderosa.
Não se sabe quanto tempo ele terá que esperar aqui, no frio do deserto. Os agentes da CBP fazem rondas em seus jipes brancos, mas pode levar horas até alguém vir apanhá-los, talvez até mesmo mais uma noite. Mas Guo não está preocupado em ser mandado de volta. Seu plano, após se estabelecer no país: “Conseguir um emprego para ter uma vida melhor. Uns anos mais tarde, quero ser caminhoneiro profissional.”
Fonte: dw.com