Paris decidiu entrar em um cabo de guerra com a Comissão Europeia para impedir que o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul seja assinado. Para o especialista Antoine Bouët, diretor do Centro de Estudos Prospectivos e de Informações Internacionais (CEPII), a posição da França é sobretudo política e a fragilidade do setor é resultante de questões interiores ao bloco.
A decisão da França de bloquear o acordo é “uma escolha política”, segundo Antoine Bouët, que também é professor de economia na Universidade de Bordeaux e autor do livro, “Les français et la mondialisation, perception et réalité” (Os franceses e a mundialização, percepção e realidade).
“Na verdade, este acordo permitirá mais exportações francesas e europeias para o Mercosul, como produtos lácteos, vinhos e bebidas alcoólicas, automóveis, aeronáutica e produtos químicos. Mas, inversamente, haverá mais importações francesas e europeias provenientes dos países do Mercosul, dos setores ovino e bovino. Além do açúcar, e do etanol”, explicou o especialista à RFI.
São principalmente os produtos alimentícios e agrícolas importados que causam discórdia na França e em outros países da Europa, que atravessa uma crise do setor agrícola. “Por isso, há o desejo de que o governo implemente um objetivo de soberania alimentar”, diz. “De fato, o acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul corre o risco de enfraquecer ainda mais setores como o ovino e o bovino”
Mas nem todos os países do bloco concordam em colocar fim ao acordo. Berlim, por exemplo, pressiona por sua assinatura. O especialista explica que, do lado alemão, é dado mais peso aos setores industriais na negociação. O acordo poderia proporcionar lucros para a indústria química, farmacêutica, aeronáutica e também de automóveis, setores bastante fortes na Alemanha, além das importações de lítio da Argentina, que interessam aos setores dia informática e para a fabricação de baterias de veículos elétricos.
Pacto Verde e rastreabilidade
A França aponta como questão problemática do acordo o Pacto Verde europeu, que impõe uma série de normas para uma agricultura mais sustentável. Importar produtos com normas diferentes ou que não respeitem as regras europeias coloca os produtores rurais europeus em desvantagem.
“O que resume a raiva dos agricultores é que existem muito mais padrões internos do mercado europeu e muitos mais normas na França do que em outros países europeus. Além disso, eles são mais controlados. Portanto, há um custo administrativo extremamente significativo para a verificação destas normas”, analisa.
“E claro, este sentimento de haver concorrência dentro do mercado único. O que é injusto porque as normas não são aplicadas da mesma forma em todos os países europeus. Se somarmos a isso países que têm ainda menos normas e que são países da América do Sul, com mais vantagem comparativa nestes produtos agrícolas, isso explica a raiva dos agricultores”, diz.
A Europa precisa dos produtos do Mercosul
Bouët explica que é difícil separar a parte agrícola do acordo de outros setores. “Porque é muito difícil impor à América do Sul um tratado em que suas fronteiras sejam abertas para a indústria (europeia) e de nosso lado não concedemos nada. A escolha não se resume apenas à agricultura, é um acordo global”, explica lembrando que um acordo de livre comércio é basicamente uma “troca de concessões”.
A oposição entre a Alemanha e a França, que são as forças motrizes da UE, bloqueia o processo de negociações, o que poderia levar a uma total ausência de assinatura.
“Na verdade, se não existirem outras medidas do lado francês que possam realmente apaziguar a ira dos agricultores e aliviar este setor que está em crise, não haverá também do lado do mercado único”, diz.
“Os agricultores fazem uma relação entre sua situação atual e o acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Na verdade, a situação frágil dos produtores provém mais do que acontece na Europa”, conclui.
Fonte: msn.com