O El Niño promove uma elevação da temperatura nas Américas e próximo ao Oceano Pacífico, o que acaba por facilitar a proliferação dos mosquitos
O aquecimento global e o fenômeno El Niño têm ajudado a impulsionar a alta de casos de dengue no início deste ano no Brasil, afirmou o diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Eder Gatti Fernandes, em meio a uma disparada da doença que provocou um recorde de mortes no país em 2023.
O El Niño promove uma elevação da temperatura nas Américas e próximo ao Oceano Pacífico, o que acaba por facilitar a proliferação dos mosquitos Aedes aegypti que são os vetores da dengue e de outras doenças tropicais como chikungunya e zika.
Em 2023, segundo dados oficiais, o Brasil registrou um número recorde de mortes decorrentes de dengue, com 1.094 casos, de uma série histórica que remonta aos anos 2000. No ano anterior, haviam sido 1.053 óbitos. O terceiro ano com maior número de mortes foi 2015 com 986 registros de vidas perdidas.
Em relação ao número de casos de dengue, foram 1.658.616 registros em 2023, um aumento de 16,8% em relação ao ano anterior, com 1.420.259 casos. Na série histórica, o ano passado só ficou atrás de 2015, quando foram 1.688.699 casos.
No início deste ano a dengue segue em alta no país. Na primeira semana de 2024, conforme o ministério, foram registrados 38,1 mil casos da doença, ante 12,6 mil na mesma semana do ano ano passado — aumento de 202,4%.
De acordo com dados preliminares da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), houve um salto na procura de 77% de testes laboratoriais para dengue este mês em relação a dezembro de 2023.
Segundo o diretor do Ministério da Saúde, desde o ano passado a pasta tem adotado uma série de medidas para enfrentar a dengue, como a criação de uma Sala Nacional de Arbovirose em conjunto com representantes Estados e municípios para monitorar a situação da doença; o repasse de recursos para entes federados; e campanhas de conscientização e a promoção de capacitação e manejo clínico.
“O ministério vê essa situação da dengue com preocupação e lança respostas diante disso”, ressaltou Fernandes.
O diretor apontou como as áreas de maior incidência no país o Distrito Federal e Goiás, na região Centro-Oeste; o Acre, no Norte; o Paraná, no Sul; e Minas Gerais, no Sudeste.
Vacinação
Uma nova estratégia contra a doença será adotada pelo governo brasileiro em breve, com a introdução da vacinação contra a dengue na rede pública. A previsão, segundo o diretor do ministério, é que 6 milhões de doses sejam entregues ao longo do ano para serem aplicadas. A primeira leva, de 750 mil doses, chegou ao Brasil no último sábado.
Diante da restrição da oferta da vacina, conhecida como Qdenga, por dificuldades de fornecimento do laboratório japonês Takeda, o ministério vai seguir a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e vacinar inicialmente apenas crianças e adolescentes em áreas de maior incidência. Já foi definido, com Estados e municípios, que o foco serão os menores na faixa entre 10 e 14 anos nos locais com maior registro.
“Nos próximos dias vamos divulgar as localidades contempladas e quais localidades terão, primeiramente, a vacina ofertada”, afirmou ele, ao acrescentar que, para os próximos anos, o ministério pretende ampliar a oferta do imunizante com a eventual aprovação de uma vacina produzida pelo Instituto Butantan.
Separadamente da iniciativa nacional, a prefeitura de Dourados, em Mato Grosso do Sul, lançou uma inédita ação de vacinação em massa contra a dengue no município com o mesmo imunizante do laboratório Takeda, que será aplicado em cerca de 150 mil moradores entre 4 e 59 anos.
Tendas e “fumacê”
A reportagem percorreu algumas regiões administrativas do Distrito Federal, que têm passado por um pico de alta nos casos de dengue desde a virada do ano. Tendas de apoio às pessoas foram montadas, assim como carros e profissionais borrifando inseticida específico para combater o mosquito Aedes aegypti em dosagens seguras aos humanos, o chamado “fumacê”.
O Recanto das Emas, distante cerca de 30 quilômetros do centro de Brasília, atravessa uma das mais altas taxas de incidência da doença na capital brasileira. Somente nos 20 primeiros dias de janeiro, segundo dados do boletim epidemiológico do DF, foram notificados um total de 16.079 casos prováveis de dengue, um aumento de 646,5% em relação a idêntico período do ano passado.
Em uma manhã nublada e chuvosa, antes mesmo das 7h de terça-feira, pessoas com suspeita de dengue já tinham começado a chegar a uma tenda montada desde o final de semana em busca de atendimento. Os trabalhos, contudo, só começaram mesmo a partir das 8h15 com uma fila inicial de cerca de 20 pessoas — que aumentou ao longo da manhã.
O auxiliar de produção Nelson Diego, de 37 anos, foi uma das pessoas que passaram por lá. Ele relatou ter se sentido mal desde a sexta-feira à noite, com sintomas como cansaço e dores nas articulações. Disse ter conseguido trabalhar no sábado, mas não foi no domingo. Chegou a ir a uma unidade de saúde na madrugada daquele dia, embora não tenha sido atendido com a alegação, segundo ele, de que precisaria esperar mais para fazer a testagem.
Diego retornou na terça, entrou na fila de triagem e fez um teste rápido que acusou positivo para dengue. Recebeu medicamentos e foi repousar em casa. “Hoje está sendo um dos melhores dias, na verdade, porque eu ainda consigo abrir o olho”, disse ele, prostrado, acrescentando que acredita ter contraído a doença perto do trabalho onde o mato é alto. Outros três colegas de lá também tiveram.
O coordenador da tenda do Recanto das Emas, Paulo Cesar Faria Junior, disse que o local tem atendido de 300 a 350 casos em média por dia de suspeitas de dengue. Faria Junior contou que a positividade dos testes tem ficado por volta de 40%.
O coordenador da unidade reconheceu que o DF vive um pico nos casos de dengue dos últimos meses em decorrência das fortes chuvas em janeiro. Destacou que o governo local tem adotado uma série de ações para reduzir a incidência dos casos, como campanhas educativas e “fumacê”.
Em outra localidade com alta incidência no DF, em Samambaia, a 21 quilômetros do centro da capital, a médica Ana Maria de Queiroz Telles Crijó também disse ter registrado um grande fluxo de pessoas com suspeita de dengue para serem atendidas.
“Agora pela manhã até meio dia a gente fez uma média de 150 atendimentos, dos quais 70% deram positivos”, disse ela, que cuidou de casos leves e até avançados, que necessitaram de transferência de unidades de saúde com maior capacidade de suporte às pessoas.
Fonte: cnnbrasil.com.br